Foi em plena crise de acusações entre a produção de O Homem que Matou Don Quixote, de Terry Gilliam e o anterior produtor, Paulo Branco, que Adam Driver, o protagonista, falou ao DN em Cannes. Estávamos em 2018 e só agora, muitos processos depois e uma certa pandemia, esta co-produção com Portugal aparece. Para o ator que ficou célebre com Frances Ha, toda esta polémica acabou por não ser espantosa: "Não acho esta situação assim tão invulgar, a maior das coisas que são feitas vêm com um processo em cima! Este filme já tinha muita história antes, quando decidi fazê-lo não estava espantado por todos os anteriores percalços. Qualquer filme que seja feito já é um milagre! Aliás, antes de começarmos a filmar já estava envolvido há 3 anos... Fiz também Silêncio, que era um projeto que Martin Scorsese já tentava levar a bom porto há mais de 20 anos e seis meses antes da rodagem começar tivemos de parar. Em relação ao Leos Carax, também há seis anos que tento filmar com ele [entretanto, ambos fizeram Annette, musical agora nomeado aos Césares]. Esta situação com O Homem que Matou Don Quixote não é assim tão insólita, aliás até me deixou mais entusiasmado pela tenacidade do Terry Gilliam... Quando alguém tem este entusiasmo pelo material, inevitavelmente o resultado final será interessante"..Nesta nova loucura do Monty Python americano, Driver é Toby, um realizador de cinema frustrado que se vê num episódio surreal em Espanha quando os sonhos e a realidade se cruzam numa massa temporal entre o passado e o presente. Aí, Toby acaba por se tornar num Sancho Panza de um Don Quixote criado por um sapateiro que acredita que é a personagem famosa de Cervantes. Um papel que já foi de Jack O"Connell e de Johnny Depp..Driver, neste encontro com a imprensa internacional, não se cansa de elogiar Gilliam: "Conheci o Gilliam nos filmes dos Monty Python nos tempos de liceu. Lembro-me de querer sempre seguir a sua carreira e esperar pelo filme seguinte. Na altura, já era... este! Surreal, estar agora 15 anos depois a mostrar com ele em Cannes O Homem que Matou Don Quixote!". Para Adam Driver, esta oportunidade de ser um dos atores mais procurados do mundo fez com que pudesse trabalhar com os cineastas que mais admira. Para além de Gilliam e do amigo Baumbach (White Noise, a nova colaboração entre os dois, já está rodado), este estrelato permitiu ser filmado por nomes de relevo como Jim Jarmuch, Martin Scorsese, Leos Carax, Spike Lee, Steven Soderbergh e Saverio Costanzo, já para não falar do seu mediático Kylo Ren no universo Star Wars..Voltando a esta personagem com camadas duplas, Driver diz que gostou muito deste realizador complexo: "Já todos nos sentimos aborrecidos ou irritados com alguns aspetos do nosso trabalho criativo, sobretudo quando a parte de negócio é metida ao barulho e acabamos por nos esquecer daquele fator da inspiração...É uma personagem que ficou demasiado confortável na sua vidinha e sente que já não é tão urgente ser criativo. Enfim, achei muito divertido explorar esses temas. A inspiração, na história deste filme, é algo muito excitante! Para Toby essa situação poderá ser tóxica para as pessoas daquela aldeia, em especial para a personagem da Joana Ribeiro. Mas o filme põe no ar outras perguntas que não responde e isso é muito interessante, como por exemplo a forma como um realizador fica tão perto da sua equipa e dos seus atores durante uma rodagem e, depois, no fim, como sobreviver a esse vazio...". Para além de tudo isso, concorda que Joana Ribeiro vai ter uma grande carreira internacional e, de Portugal, confessa que foi bem recebido e que a comida era "deliciosa".."A Joana não tem de fazer muita coisa para acharmos interessante o que ela está a pensar. Tudo nela é natural, pode parecer muito genérico mas tem tudo o que precisamos num colega. Ela tem um grande instinto sobre o guião e está sempre muito bem preparada. O seu rosto é tão interessante!", sublinha. Elogios à parte, Driver, sempre muito perseguido pelos paparazzi, afirma que não é importante divulgar publicamente muita informação do Adam Driver pessoal e íntimo: "O Adam Driver homem não é importante para o Adam Driver ator, ou, pelo menos, não é relevante. Tudo o que tenho a dizer digo através dos filmes. A sério, não é importante saber coisas sobre a minha vida, mas sei que hoje em dia as pessoas esperam que os artistas se rendam à confissão íntima, enfim... Para mim, enquanto ator, isso não faz sentido. Para fazer bem o trabalho, acho que tenho de ser um espião, um pessoa anónima que vive a vida sem filtros e a poder cometer erros. Espero poder aprender com os erros, não para a minha representação mas para poder ganhar experiência. Claro que quando se tem tanta atenção virada para nós torna-se mais difícil fazer bem o nosso trabalho. E eu sou alguém que dolorosamente estou consciente das pessoas à minha volta. Toda esta atenção faz com que fique autoconsciente e que me feche em mim mesmo. Num plateau, já tenho que me abrir por completo a tudo o que está à minha volta. Sei que tenho de estar menos desconfortável com toda essa atenção perante mim, até porque tenho de ajudar na promoção dos filmes, mesmo dando a menor informação possível sobre a minha pessoa. E o meu problema com os fãs nem é com as crianças, é com os adultos, esses é que são estranhos!". Tudo isto proferido num ritmo galopante e com um sorriso nos lábios. A bem dizer, é um ator mais acessível aos jornalistas do que julga....dnot@dn.pt