Je Reviens de Loin, peça de Claudine Galea é a base deste texto, mas sente-se uma vontade de tirar o "teatro" do texto. Seja como for, antes do filme, nunca ninguém a tinha encenado... A peça não está escrita como uma peça. Foi talvez por isso que me apeteceu adaptá-la. Conhecia-a porque um amigo queria levá-la à cena mas depois desistiu e eu fiquei com ela. Descobri um texto que jogava muito com a questão da coreografia, das vozes interiores e das sobreposições. Por vezes, tem também personagens que brotam de um rumor pudico e com uma coerência poética. Enfim, tem qualquer coisa de Sarah Kane ou, se calhar, Virginia Woolf transformada por Sarah Kane. Chorei muito quando li esta peça. Podemos pensar que é sobre uma mulher que parte para imaginar que os seus ficaram. Ou seja, a Claudine criou uma inversão..Uma espécie de A Vida Sonhada dos Mortos... É isso mesmo. A peça era exatamente assim..Mas faz mais sentido olhar para estas personagens como mortos ou fantasmas? Ao filmá-los achei por bem que fosse tudo dentro de um hiper-realismo, sobretudo porque a personagem central acredita que tudo vai ficar bem. Creio que sem saber, a autora da peça permitiu que o cinema entrasse neste texto. Nesse sentido, nem mortos nem fantasmas, mas sim projeções. É como se fizéssemos uma projeção de algo que sabemos ser falso. É falso porque são apenas sombras. Mas ao acreditar nisso tudo se torna verdadeiro. Quando nos acontece algo horrível na vida o nosso instinto é gritar: não é verdade! Diz-me que não é verdade! Não é verdade....Na felicidade também dizemos o mesmo... Sim, nos milagres ou quando ficamos apaixonados. Mas acaba por ser a personagem a fazer o filme da sua vida, ela é que projeta tudo. Passa-se numa zona de negação. E essa negação atraiu-me imenso... Essa invenção de uma nova vida carrega consigo o melodrama. Ainda respondendo à pergunta, em concreto são mortos pois ela não cria fantasmas, exceto até ao momento em que se torna surrealista. Creio que não deixa de ser uma patologia, uma forma de delírio... Não estou a revelar nenhum segredo, pois este não é um filme de twists. Isto não é Os Suspeitos do Costume! Após os primeiros cinco minutos o espetador percebe que há ali qualquer outra coisa... Fui a muitas sessões com este filme e apanhei de tudo..Qual a sua relação pessoal com o luto? A primeira coisa que fiz quando me encontrei com a dramaturga foi se esta coisa da perda era pessoal. Fiquei contente em perceber que não era. Para mim, era importante não ser uma autobiografia, enfim, era uma invenção. Por isso, não tentei investigar questões ligadas ao meu luto. E com a atriz Vicky Krieps também tentei que encontrássemos a primavera o mais cedo possível. Quis criar um jogo de mistério e partilha com o espetador. E quis fazer necessariamente um filme fragmentado.Nesse sentido, Abraça-me com Força, torna-se uma charada sobre a ausência. Sim! É um filme sobre aquilo que nos faz falta. E cada um de nós faz o que pode com esse sentimento de ausência..Formalmente, é um filme com grandes diferenças em relação aos seus anteriores... É-me difícil perceber isso, sobretudo porque trabalho com a mesma equipa há vinte anos. Houve um momento em que filmava a Vicky sozinha no café e parei: mas isto é a Jeanne Balibar em O Estádio de Wimbledon! [2001]. Por vezes, nas cenas da estrada lembrava-me de Tournée! ou, por vezes, na sua construção, pensava em O Quarto Azul. Depois, em Barbara, o próprio fantasma da Jeanne Balibar convocava Barbara....Devido às diferentes estações do ano, acabou por filmar o filme em diferentes épocas. Quando os atores voltaram passados alguns meses acabou por notar alguma diferença neles? Sim, todos vieram diferentes! Houve quem se tivesse separado, houve quem tivesse perdido o pai, etc. Esses três períodos distintos de filmagens como que trouxeram três filmes e isso nota-se no ecrã..Em Cannes disse à imprensa que iria parar a sua atividade como ator. É mesmo verdade? Depois de Tralala, dos irmãos Larrieux [em breve nas salas] precisei de fazer uma pausa da vida de ator. Fez-me tão bem que nem imaginam... Entretanto, realizei mais um filme. Fui filmar uma peça de teatro durante três dias. Era um espetáculo de um amigo meu e só lhe pedi que me deixasse trazer quatro técnicos, nada de uma equipa de vinte pessoas! Trata-se de um texto de Thomas Bernhard que adoro! Foi um prazer fazer esse filme, adorei!! Claro que vou voltar a representar mas não agora. Sabe, foi um período da minha vida em que consegui ter tempo para as minhas coisas, para estar em casa e que consagrei também para a música. Quis ainda acompanhar Abraça-me com Força o mais possível! Quis apresentá-lo nas cidades pela França inteira, vinte e cinco cidades. Com a covid, pensava-se que iria ser uma catástrofe, sobretudo numa altura em que as pessoas não iam às salas. Mas, connosco, foi o contrário: mais de 100 mil entradas vendidas! Muitos poucos filmes nesta altura conseguiram estes números. Os cinéfilos não voltaram às salas..Consegue explicar esse fenómeno? Antes, em média, os meus filmes faziam 100 mil espetadores... Por exemplo, Tournée chegou aos 150 mil... Gosto que o meu cinema tenha essa coisa da partilha... A sério, creio que o facto de ter estado em digressão com o filme ajudou muito. Encontrei salas cheias e após as sessões ficávamos a falar com o público até às duas, três da manhã. Gosto de ouvir as pessoas a falar sobre o meu filme. Abraça-me com Força faz com que as pessoas queiram contar as suas histórias, é forte. Todos se relacionam com a ausência e a imaginação. Mesmo sendo um filme muito duro, todos sentem uma sensação de ligeireza. Penso que tem a ver com a luz da Vicky. E não quis ir pela miséria humana nem filmar a dor de uma mulher, é ao contrário. O que me atraiu verdadeiramente aqui foi pôr em prática a minha face de arqueólogo e fazer um texto que não era do cinema. Um texto teatral que também nunca foi levado à cena. É o meu amor pelo teatro que me faz descobrir estas coisas..dnot@dn.pt