A rapariga que fazia parar a chuva
Makoto Shinkai será, por certo, um nome a fixar. Há já quem o intitule o "novo Miyazaki", não propriamente por semelhança de universos artísticos, mas porque o talento e sucesso retumbante dos seus filmes de animação só é comparável com os do mestre dos estúdios Ghibli. Com uma mão cheia de longas-metragens - não estreadas em Portugal -, entre as quais o magnífico Your Name (2016), Shinkai pode finalmente ser descoberto nas nossas salas de cinema através do seu mais recente título: O Tempo Contigo.
Tal como esse anterior Your Name, que retratava um romance adolescente com contornos sobrenaturais, também O Tempo Contigo assenta as suas linhas de animação numa história de amor juvenil de fantasia meteorológica, que encontra mais equivalência no realismo mágico e espiritual de Haruki Murakami do que no imaginário exuberante de Hayao Miyazaki. E, no entanto, pode dizer-se que ao nível dos detalhes o filme contém uma discreta homenagem ao mais importante dos cineastas da animação japonesa. Shinkai integra, definitivamente, essa tradição de qualidade assente na absoluta consciência de que à beleza visual corresponde uma narrativa com a dose certa de alma e criatividade.
Por sinal, alma e criatividade não faltam a esta saga de um rapaz, Hodaka, que foge de casa em direção a Tóquio, num verão de chuvas intensas, cruzando-se com Hina, uma jovem misteriosa que tem um dom: com uma simples oração, consegue fazer parar a chuva e trazer um raio de sol ao perímetro onde se encontra. Chamam-lhe "rapariga solar" e esse seu poder parece estar ligado a uma mitologia, que a princípio soa apenas a lenda... Enquanto nenhum dos dois é capaz de explicar o fenómeno, surge a hipótese de se ganhar algum dinheiro através dele, uma vez que Hina é órfã e tem um irmão pequeno para sustentar. De casamentos a dias de feira, os seus serviços trazem felicidade e luz às ocasiões que mais precisam delas, furando o cinzentismo - visualmente impressionante - do céu de Tóquio. Um dia, esta benevolente manipulação da meteorologia traz consequências, tanto a uma escala coletiva como a uma escala íntima. Entre as duas, coloca-se um dilema.
Numa dimensão de metáfora, torna-se inevitável vislumbrar aqui a ansiedade e urgência global das alterações climáticas. Porém, importa notar que a flama da imaginação de Makoto Shinkai nunca fica condicionada por um propósito de mensagem. O filme está acima de qualquer programa que se lhe queira colar. O próprio título, O Tempo Contigo, reflete essa inteligência da história, concentrando na palavra "tempo" o duplo sentido meteorológico e de partilha de momentos. Daí que a maior virtude desta obra resida na sua capacidade de conciliar a fantasia romântica com um retrato urbano realista. Não são muitas as animações que fazem conviver tão bem a imagem da cidade - e da vida citadina - com a força do devaneio visual e narrativo.
Ainda que não esteja exatamente no mesmo patamar de Your Name, O Tempo Contigo apresenta-se como um belíssimo cartão de visita do cinema de Shinkai. Um conto pluvioso sobre as dores de crescimento e o primeiro amor, envolvido pelo sortilégio melancólico das pingas de chuva no vidro.
Classificação: *** Bom