Quando em 2014 António Costa desafiou o líder socialista, António José Seguro, o então líder parlamentar social-democrata, Luís Montenegro, não perdeu uma oportunidade para lembrar o secretário-geral do PS de que, no partido, a sua liderança estava em jogo..Nos dias de hoje, Montenegro recusa que esteja a fazer ao presidente do PSD o que Costa fez a Seguro: "Nunca farei a Rui Rio o que António Costa fez a António José Seguro. António Costa fez um acordo com António José Seguro (que ficou conhecido por declaração de Coimbra), assinou os princípios a seguir dentro do PS e, menos de um ano depois, feriu pelas costas", disse em fevereiro, por alturas do 37.º Congresso dos sociais-democratas..Naqueles dias de 2014, Montenegro recorreu a uma tática simples, usada logo no primeiro debate quinzenal realizado depois das eleições europeias e da crise do PS, em 20 de junho..20 de junho de 2014.Num debate iniciado com pedidos de esclarecimento pelo secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, o líder da bancada do PSD pegou nas críticas daquele à União Europeia para logo ali lembrar em que condições falava António José Seguro e, curiosamente, antecipar a geringonça, sem acreditar verdadeiramente que alguma vez teria lugar um governo socialista com apoio da esquerda parlamentar.."Pergunto ao senhor primeiro-ministro e aproveito para perguntar o mesmo ao Partido Socialista e ao senhor deputado António José Seguro, porque sabemos que no Partido Socialista há um candidato a líder, o Dr. António Costa, que até defende uma convergência estratégica com os partidos à esquerda do PS e, portanto, também com estas posições do Partido Comunista Português", começou por dizer Montenegro, interrompido por vozes da sua bancada a apoiarem esta frase. "Muito bem!", relata o Diário da Assembleia da República..O social-democrata que agora desafia a liderança de Rui Rio no seu próprio partido continuou o exercício de retórica, interpelando Seguro nas perguntas dirigidas ao primeiro-ministro à época, Pedro Passos Coelho: "Hoje é uma boa oportunidade para percebermos se esse alinhamento estratégico é compartilhado pelo líder do Partido Socialista e também candidato a renovar o seu mandato, o Dr. António José Seguro", disse, aplaudido pela sua bancada..2 de julho de 2014.Em 2 de julho, é no debate do Estado da Nação que Luís Montenegro volta a recordar que Seguro é um líder desafiado. Dirigindo-se a Passos, o social-democrata antecipava as linhas seguintes do seu discurso, ao apontar que, para além de se avaliar o estado do país, também se avaliava o estado do governo, da maioria e da oposição, que chegava a julho de 2014 em situação "muito frágil - frágil nas ideias, frágil nas alternativas e frágil também na estabilidade". Montenegro parecia antecipar, anos antes, aquilo que hoje diz ser a oposição do PSD ao executivo socialista..Depois de antecipar o apocalipse com as políticas do PCP e do BE ("significaria o terror social"), Montenegro era depreciativo q.b. com o líder socialista. "O principal partido da oposição, senhor primeiro-ministro, o Partido Socialista, esse vem ziguezagueando quer no discurso quer, agora, até mesmo em termos de liderança política interna. Mas a sua maior fragilidade é, e foi sempre, política.".Mais à frente, era taxativo sobre a impossibilidade de diálogo com o PS. "Independentemente de quem foi ou de quem venha a ser o líder do Partido Socialista no futuro, a verdade é que o Partido Socialista, nestes três anos, não ajudou nada os portugueses a ultrapassarem o estado difícil em que nos encontrávamos. Já não tinha ajudado quando era responsável pela governação e quando trouxe a troika - porque foi o Partido Socialista que trouxe a troika para Portugal -, mas, sobretudo, não ajudou nem colaborou no cumprimento do memorando [de entendimento] que subscreveu.".Depois de enumerar os dossiês em que o PS não tinha concordado com o governo de direita, porque "o Partido Socialista nunca teve, nem tem, coragem de responder ao essencial", voltou a concluir que "esta é a grande fragilidade da oposição do Partido Socialista, independentemente da sua liderança"..Num ano em que o Parlamento teve debates extraordinários logo no início de setembro, o verão quente dos socialistas (ao desafio de António Costa, Seguro respondeu com a convocação inédita de umas eleições primárias no final desse mês de setembro) continuava a ser ponto de ordem nas intervenções do líder parlamentar laranja..2 de setembro de 2014.No dia 2 de setembro, num debate suscitado pelo veto por inconstitucionalidade do decreto que criava "a contribuição de sustentabilidade e ajustava a taxa contributiva dos trabalhadores do sistema previdencial de segurança social e do regime de proteção social convergente", Montenegro desafiou "todos os partidos", "de forma clara, respeitosa e democrática", a entenderem-se sobre as bases de uma reforma da segurança social. O PS era o alvo, claro, desse desafio.."O Partido Socialista está num período que é propício para fazer essa reflexão, está a definir aquilo que é a sua orientação para um futuro próximo e era importante que os candidatos a líder do Partido Socialista, que podem tratar na sua campanha interna todas as matérias, incluindo as quotizações internas do Partido Socialista, pudessem dizer e responder perante o país o que é que pensam sobre uma das questões mais importantes para o seu futuro", disse, aplaudido pela direita em bloco. E, sem parar, questionou: "O que é que pensa o Partido Socialista e o que é que pensam os Drs. António Costa e António José Seguro sobre a sustentabilidade da segurança social? Há ou não um problema de sustentabilidade? Está ou não está o Partido Socialista disponível para aprofundar, debater e decidir...".Logo ali definiu critérios até para os debates entre os dois candidatos à liderança socialista. "Parece que vai haver debates internos, debates que todos os portugueses vão acompanhar, não só os militantes do Partido Socialista, sobre aquilo que se passa, democraticamente, no interior do Partido Socialista. É tempo para que se deixe de falar de coisas que, mesmo que sejam importantes, não são as mais importantes para o futuro do país, que se fale menos de quotas e que se fale mais dos verdadeiros problemas a que cabe a todos nós responder e ultrapassar para garantir o nosso futuro.".4 de setembro de 2014.Dois dias depois, em 4 de setembro, numa nova reunião plenária, agora para debater mais um Orçamento Retificativo do governo de Passos Coelho, o líder parlamentar do PSD volta a interpelar os socialistas sobre as propostas que o partido terá para que se possa "chegar ao fim do ano e cumprir as metas [orçamentais] que estão estabelecidas"..Montenegro voltou à campanha interna do PS, ao dirigir-se aos parlamentares ao seu lado: "Senhores deputados, nem agora, que discutem o vosso futuro, são capazes, uns e outros - um e outro candidato - de apresentar uma visão sobre o cumprimento dos vossos principais objetivos e pressupostos para, efetivamente, haver crescimento e criação de emprego. Essa é a grande diferença, essa é a grande leitura que se pode fazer do debate que já decorreu até agora.".26 de setembro de 2014.No debate quinzenal de 26 de setembro, a dois dias das eleições primárias do PS (que definiriam o candidato socialista a primeiro-ministro), Montenegro volta a dirigir-se aos dois candidatos, de novo sobre o tema da sustentabilidade da segurança social. "Foi lançado um desafio para discutir o que interessa à vida das pessoas, às que hoje são aposentadas, às que têm a expectativa de o ser amanhã e aos jovens que querem ter a segurança num sistema que um dia lhes vai dizer algo. Quanto a isso, senhor primeiro-ministro, todos os partidos da oposição, mas em particular o Partido Socialista, que discute qual é o seu elemento que vai ser candidato a primeiro-ministro e que, portanto, vai perspetivar uma governação futura, não respondem ao desafio. Não responde o Partido Socialista, não responde o Dr. António José Seguro e não responde o Dr. António Costa. Querem que o Parlamento discuta a reforma do sistema político, e cá estaremos para discutir essa matéria.".Montenegro elencou depois aquelas que eram as questões que os candidatos deviam ter respondido - e não responderam. "Mas onde está o Partido Socialista para discutir a reforma do Estado e para poder indicar os seus deputados para uma comissão que foi aprovada por este Parlamento? Onde está o Partido Socialista para dizer qual é a sua estratégia para podermos assumir os nossos compromissos na Europa? Onde está o Partido Socialista para as grandes reformas que dizem respeito à vida das pessoas e à sustentabilidade dos serviços públicos?".A conclusão foi só uma: "Tiveram várias oportunidades mas não foram capazes, durante a campanha, de poder esclarecer o país sobre isso. Lanço aqui um desafio ao Partido Socialista: reencontre-se e, de uma vez por todas, concentre-se no essencial, que é dar resposta aos problemas das pessoas, das famílias e das empresas.".No dia 28 de setembro de 2014, militantes e simpatizantes do PS escolheram António Costa como candidato a primeiro-ministro. António José Seguro demitiu-se da liderança, deixou o Parlamento - e o resto da história é conhecida.