A nova secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, de 58 anos, é considerada um espinho inamovível perante os autocratas e os violadores de direitos humanos, e também não se cala para criticar o governo do seu país de origem, a França. Callamard chega ao grupo de defesa de direitos humanos com sede em Londres após quase meia década como relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias e arbitrárias que a viu ganhar uma reputação de figura frontal e corajosa contra os poderosos..Como principal investigadora da ONU sobre o assassínio do jornalista dissidente Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul, em 2018, queixou-se de que o processo legal na Arábia Saudita tinha protegido desde altos funcionários até ao príncipe herdeiro Mohammed bin Salman..Khashoggi. O perdão do filho, as críticas da noiva e a denúncia da ONU.Também acusou a Arábia Saudita de "táticas de rufia" depois de um alto funcionário saudita na ONU em Genebra a ter alegadamente ameaçado duas vezes de que iriam "tratar" dela. O relatório de Callamard sobre a execução de Khashoggi, publicado em junho de 2019, concluiu que havia "provas credíveis" de que altos funcionários sauditas, incluindo o príncipe e governante de facto, eram responsáveis pelo assassínio. Perante as ameaças reiterou que "nunca" recuará..Descreveu a morte do comandante iraniano Qassem Soleimani num ataque dos EUA no Iraque em 2020 como ilegal, recebendo uma reprimenda do então secretário de Estado norte-americano Mike Pompeo, que considerou o relatório "espúrio", e disse para se "desconfiar da retórica da ONU"..Callamard irritou tanto o presidente filipino Rodrigo Duterte por causa da sua impiedosa repressão contra a criminalidade associada ao tráfico de droga que aquele lançou repetidas críticas contra ela.."Não tenho certamente intenção de me calar", disse à AFP numa entrevista na sede francesa da Amnistia. "Faremos ainda mais para nos intrometermos no caminho da repressão.".A Amnistia foi alvo de críticas por uma reviravolta na posição sobre Alexei Navalny, o adversário preso do presidente russo Vladimir Putin, que inicialmente descreveu como um "prisioneiro de consciência" e depois abandonou o termo devido aos seus comentários nacionalistas do passado..Callamard não perdeu tempo a enfrentar o caso, escrevendo a Putin para o avisar de que existe uma "perspetiva real de que a Rússia o está a submeter [Navalny] a uma morte lenta" na prisão. Disse à AFP que a mensagem da Amnistia sobre Navalny era agora clara: "Libertação imediata e fim das condições de prisão que equivalem à tortura. Não há ambiguidade.".O relatório anual da Amnistia Internacional publicado na quarta-feira, o primeiro sob a sua liderança, afirmou que os países mais ricos estão a falhar um teste "elementar" de solidariedade global ao acumularem vacinas contra a covid-19. Neste documento de 500 páginas, a ONG acusa várias delas de se terem aproveitado da pandemia de covid-19 para intensificar a repressão. Cita a Hungria, os países do Golfo e as Filipinas, mas também a França, que há muito irritou ativistas com a venda de armas a regimes autocráticos.."A França tomou medidas sobre a venda de armas que são novamente difíceis de compreender - vendemos armas a Estados reconhecidos como responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade", comentou. "A diplomacia francesa não é o que era em muitas questões de direitos, quer estejamos a falar da Arábia Saudita ou da China.".Callamard é também profundamente crítica em relação à legislação apresentada pelo governo francês que procura impulsionar a ordem pública e combater o extremismo islâmico acusado de corroer as liberdades civis. "É todo o conjunto de valores de solidariedade, respeito, valores contra o racismo, pela igualdade que estão a ser atacados por estas medidas.".Os seus valores foram transmitidos através da sua família pela sua mãe, uma professora, e a memória do seu avô, membro da resistência francesa baleado pelos nazis em agosto de 1944. Quando criança, no aniversário da sua morte, prestava-lhe homenagem no local onde foi alvejado..Depois de se formar na escola de Sciences-Po em Grenoble, teve uma carreira que a levou aos Estados Unidos, Canadá e Malawi, multiplicando as experiências na HAP International, Article 19 e Amnistia Internacional, antes de ser nomeada em agosto de 2016 relatora especial da ONU.."Ela não tem medo de nada e essa é a sua força", destaca uma fonte da Amnistia que elogia a chegada desta mulher que "não hesita em desafiar diretamente os líderes no Twitter ou noutras plataformas"..Diante da pressão e das ameaças, muitos já teriam ido embora. Será que alguma vez pensou em abandonar seu trabalho? "Nunca", garante.