Houve um tempo em que Pedro quase deitou tudo a perder, por mais de uma vez. A primeira, por receio, por achar que a sua música poderia não ser assim tão interessante para os outros, levando-o constantemente a adiar o tão desejado passo de se assumir enquanto artista, várias vezes disfarçado atrás de uma sucessão de empregos ditos normais. Pelo contrário, a sua música não só interessou como entusiasmou. Depressa se percebeu quando editou os EP Má Fama e Tanto Sal, em 2017 e 2018, dando a conhecer uma música feita kuduro, kizomba, afro-house, R&B, hip-hop, mas também fado e diversas referências à música popular portuguesa..De um momento para o outro, era elevado à condição de grande esperança da nova música portuguesa, tornando-se figura recorrente nos palcos dos clubes e festivais mais atentos à novidade. E foi então que quase se perdeu novamente, iludido pelo aparente sucesso. "Tive aquela visão algo infantil de que já não era preciso trabalhar mais, mas entretanto percebi a sorte que tenho por poder fazer algo de que gosto. E isso dá muito trabalho, não é uma constante celebração. Senti-me como aquele jovem jogador de futebol que é contratado por um grande clube, mas passado um ano já ninguém ouve falar dele", começa por dizer o músico de 28 anos. Alguns dos temas presentes no álbum de estreia, como Noite Escura, Algo para a Dor ou Borboletas da Noite, são aliás "resultado desse processo de aprendizagem", ao qual se seguiu uma "espécie de epifania", também ela recordada em faixas como Ribeira ou Leva, que são "um grito de força e de afirmação, um bater no peito"..Mas também em Linda Forma de Morrer, um dueto com Ana Moura, inspirado no cancioneiro alentejano, que é uma das canções mais fortes das 13 que compõem Por Este Rio Abaixo. "Transparece uma calma só possível de obter quando se está de bem com a vida e até já se consegue apreciar uma simples brisa", explica, assumindo "um lado mais pessoal" no disco, ainda que "com muita ficção pelo meio", com o objetivo de criar um enquadramento poético para esses desabafos. Em Contra a Maré, por exemplo, canta no feminino, uma história que, confessa, também é sua. "Este álbum é como uma autobiografia que não o é, porque é contada através de imagens e personagens que não são literalmente eu neste tempo", esclarece..Mais assumido é o modo como recupera, à luz de uma certa contemporaneidade urbana, a tradição e o popular, mas também algumas ligações esquecidas ou escondidas que também fazem parte do que é ser português. "Quero subverter um pouco a ideia do lado de cá do lado de lá. Interessa-me muito mais o conceito de Lisboa como local de chegada e não tanto como partida. O que se traz e quem vem para cá. A chegada dos mouros, por exemplo, e de tudo o que trouxeram com eles, que nos permitiu mais tarde fazer os descobrimentos. É uma história de mais de 500 anos, que não só está esquecida como nos foi escondida. É impressionante como se conseguiu apagar este meio século de história, que tanto nos define enquanto povo", defende. Ao longo do disco ouvem-se samplers de gravações de Michel Giacometti ou dos Dead Combo e em muitas das músicas são notórias as influências de ritmos do Alentejo, do Algarve, do Minho. O tema Leva, por exemplo, "é inspirado num cântico antigo dos pescadores do atum de Portimão". Aceita que tal possa ser visto como uma provação e às vezes até se deixa levar por isso, mas o objetivo não é esse, muito pelo contrário: "É mais uma busca por uma música que represente quem nós somos, uma banda sonora que ilustre tanto uma rua de Alfama, um olival com centenas de anos no Alentejo ou um castelo em Silves, mas ao mesmo tempo também para a minha vida de hoje em dia. A rua de Alfama de que falo não é a de há 500 anos, mas a de agora, que tem essa história toda, mas também tem carros de tunning e miúdos com ténis da Nike nos pés. Pretendo que a minha música seja uma harmonia entre esse passado, o presente e o futuro." E neste momento, sustenta, "o que existe é uma desarmonia entre esses dois mundos", como se fosse impossível juntar autotune a um adufe - "e não, não é"..Os próprios convidados do álbum, Profjam, Branko, Ana Moura e Tristany, "são o espelho deste conceito de harmonia", pois "demonstram um panorama muito bonito, diversificado e poético daquilo que está a acontecer na música portuguesa". Quanto ao título, Por Este Rio Abaixo, assume-o como "uma vénia" a Fausto Bordalo Dias, mas também com "uma ligeira provocação", no sentido em que demonstra vontade de percorrer outro caminho, mas homenageando o que foi feito: "Não acredito em apagar memórias, mas sim em repensá-las e completá-las.".dnot@dn.pt