A força de um joelho. A morte de George Floyd fez renascer luta de Kaepernick
A força de um gesto. A força de um joelho. Em 2016, Colin Kaepernick ajoelhou-se durante um jogo da NFL para protestar contra a desigualdade racial e a violência policial nos EUA. A imagem correu mundo. O talentoso quarterback do futebol americano foi idolatrado por uns e ostracizado por outros. Quatro anos depois, nada ou quase nada mudou. Desta vez foi a imagem do joelho de um polícia a tirar a vida a um homem negro que correu mundo e mergulhou os EUA numa tensão racial que gerou protestos por vezes violentos, fazendo renascer a luta de Kaepernick.
Filho de pai desconhecido e mãe sem recursos, Colin foi adotado por um casal, Rick e Teresa Kaepernick. Com dois irmãos brancos, Kyle e Devon, Kaepernick cresceu na Califórnia e logo se revelou um aluno de alto desempenho educacional e desportivo. Praticava beisebol e futebol americano e foi pela bola oval que optou. Seguiu para Universidade de Nevada, sendo escolhido pelo San Francisco 49ers no draft de 2011.
Em agosto de 2016, os 49er de Kaepernick jogaram com os Packers. O jogo era de pré-temporada, mas, como é tradicional em qualquer evento da NFL, o hino nacional americano foi tocado antes da partida e Colin Kaepernick ajoelhou uma perna. No final do jogo perguntaram-lhe porque se tinha ajoelhado. "Não me vou levantar e mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime o povo negro e as pessoas de cor", respondeu o jogador que haveria de se tornar rosto do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). A imagem correu mundo e o gesto passou a ser repetido por outros grandes atletas, como Stephen Curry, Dwyane Wade, Rajon Rondo, Russell Westbrook e Carmelo Anthony.
A luta travada fora de campo tem sido demasiado pesada para o jogador. Apesar do enorme e incontestável talento, o atleta sofreu na pele a ousadia de afrontar a maior demonstração de patriotismo americano, o hino. Era a estrela e liderou a equipa de San Francisco a duas finais do Super Bowl, mas os 49ers não lhe renovaram o contrato. Ficou então livre para assinar por qualquer equipa, mas, mesmo como agente livre não assinar com qualquer clube ou franquia. Kaepernick está sem jogar desde então. Tornou-se um problema comercial. A camisola 7 que ele usava nos 49ers era a mais vendida, mas isso não era motivo de orgulho. Muitos adeptos compravam a camisola só para a queimar, segundo a imprensa norte-americana.
Sem clube e sem perspetiva de poder ser contratado, o quarterback acusou mesmo a NFL de boicotar o seu regresso e levou a Liga de Futebol Americano a tribunal. Em 2019 chegaram a um acordo, mas Collin continua sem equipa. Esta semana a liga de futebol americano referiu-se a ele como ex-jogador o que levou a uma onde de indignação e obrigou a entidade a mudar o status do jogador para agente livre. Mas o certo é que ele continua sem equipa.
Mas porque ninguém o contrata? "Os proprietários pensaram que contratar Kaepernick seria mau para o negócio. Um executivo de uma das equipas que queria contratá-lo, disse-me que se o tivesse feito, projetavam perder 20% dos bilhetes de época. [Contratar Kaepernick ] era um risco comercial que nenhuma equipa estava disposto a assumir, quer o dono fosse partidário de Trump ou democrata. Era um problema de imagem que nenhum proprietário estava disposto a correr, já que podia pôr em risco o negócio", explicou Joe Lockhart, antigo vice-presidente de Comunicações da NFL e que agora desempenha as funções de analista político na CNN.
Colin chegou a receber ameaças de morte por se ter manifestado contra "a opressão à comunidade negra". Nunca admitiu se receou verdadeiramente pela vida, mas mostrou sempre que ela era secundária dada a grandeza da luta. "Se fosse morto, isso provaria o meu ponto de vista e ficaria claro para todo mundo o real motivo de isso ocorrer", disse em entrevista à ESPN o quarterback agora com 32 anos, que chegou a usar meias que tinham imagens de policiais caracterizados como porcos durante os jogos.
A "ousadia"de Kaepernick, como lhe chamou alguma Imprensa, gerou enorme controvérsia e o assunto chegou até à Casa Branca. O então presidente Barack Obama apoiou o atleta, enquanto Donald Trump, que na altura era candidato republicano à presidência dos EUA, criticou o jogador e sugeriu que mudasse de país. Em novembro de 2016, Trump era eleito presidente. E já na Casa Branca chegou mesmo a dizer, num comício republicano: "Vocês não adorariam ver um desses donos da NFL, quando alguém desrespeita a nossa bandeira, dizer 'tirem esse filho da p* do campo agora. Fora. Está demitido?'."
A guerra de palavras entre o jogador, que se tornou um rosto da luta contra a discriminação racial e a violência policial contra negros nos Estados Unidos da América, e Trump teve mais episódios. Em 2018, no Dia do Trabalhador, a Nike, que patrocina Colin desde 2011, usou a figura de Kaepernick para assinalar os 30 anos da campanha Just do It. O rosto do atleta, em preto em branco, estava espalhado por diversos painéis publicitários pelos EUA com a frase: "Acredite em algo. Mesmo se isso significa sacrificar tudo." A marca de material desportivo enfrentou um boicote nacional promovido por Donald Trump.
O gesto de Colin pode ter inspirado protestos, mas não acabou com as injustiças raciais. Desde então, os EUA já estiveram nas bocas do mundo por mais dois casos chocantes. Pouco tempo depois de o jogador se ajoelhar, no Oklahoma, Terrence Crutcher, um homem negro de 40 anos, foi morto pela polícia. Estava desarmado e com as mãos no ar.
Agora, quatro anos depois, uma nova morte chocou o mundo e fez renascer a luta de Colin. George Floyd morreu asfixiado com um joelho de um polícia no pescoço. O caso mergulhou o país em pilhagens, motins e confrontos e centenas de detidos em protestos de Norte a Sul. Kaepernick envolveu-se e resolveu criar um fundo para contratar advogados para defender os presos. Na semana passada ganhou um importante aliado e benfeitor. O CEO do Twitter, Jack Dorsey, anunciou na quarta-feira uma doação de 3 milhões de dólares para ajudar a causa do ex-quarterback do San Francisco 49ers, que criou o instituto Know Your Rights Camp, para promover educação, capacitação e oportunidades para a comunidade negra.