7 dias, 7 propostas por José Prata
1. Lugar
Convento dos Capuchos
Sintra
Domingo, 14 de novembro
Das centenas de conventos que visitei, poucos me tocaram como o dos Capuchos de Sintra. Sem o valor histórico, a fama ou a grandiosidade de tantos outros, impressiona justamente pela sua simplicidade e discrição. Funde-se com a paisagem circundante, quase não damos por ele, rodeado que está por uma vegetação cerrada e húmida. Lá dentro é como uma casa de bonecas, um convite à humildade em cada minúscula porta ou catre, concebidos para reduzir os monges à sua insignificância perante Deus. Os recantos, os desníveis, os acessos comunicantes, tudo isso acentua ainda mais o seu lado lúdico, não desprovido de uma profunda religiosidade. A pobreza (literalmente) franciscana, o despojamento, conferem um misticismo único ao monumento nacional sobre o qual Filipe I de Portugal (II de Espanha) um dia terá afirmado: "Em todo o meu reino, duas coisas tenho que muito me apraz: o Escorial, por ser tão rico, e o Convento de Santa Cruz, por ser tão pobre."
2. Filmes
O cinema de bairro
Nimas
Av. 5 Outubro, 42B, Lisboa
Segunda-feira, 15 de novembro
Tenho um carinho especial pelo Nimas. Talvez por ser o único cinema de bairro que ainda sobrevive em Lisboa. Foi inaugurado em 1975, no mesmo ano do Quarteto e do Cinebolso. Dois anos depois, seria a vez de abrir o Star, na Guerra Junqueiro (o Londres, das poltronas lúdicas, já existia desde 1972).
Todos eles desapareceram, de forma mais ou menos penosa. E hoje, para cinéfilos, excluindo a Cinemateca, resta o Ideal, que não é propriamente de bairro, porque no Camões pouca gente mora.
O Nimas não é particularmente bonito ou confortável e o bar é uma memória vaga. Mas desde logo anuncia a diferença pelo modo como dá a conhecer a programação, em letras garridas encaixadas no letreiro lá fora. A programação é cuidada, ciclos em simultâneo que se cruzam asseguram uma escolha alargada, que vai de Fellini a Antonioni (para dar exemplos recentes), e às vezes antestreias mainstream (o último 007 ou o corrente Duna).
Foi a minha companhia na pandemia. Lá dentro vigoraram sempre regras civilizadas, sem pipocas a criar a exceção à máscara, sem intervalos a aborrecer. Tem ainda DVD à venda, posters giros (como o do Chungking Express) e ainda o jornal do mês, que funciona quase como a folha de sala (como ainda há na Cinemateca). É entrar, ver e sair, de preferência para a noite, que nas Avenidas Novas carrega ainda o ar de bairro.
3. Comédia
Seinfeld
Episódios em streaming na Netflix
Terça-feira, 16 de novembro
Poucas coisas são tão potencialmente hilariantes como o real. E poucas pessoas usaram tão bem a realidade para criar humor como Jerry Seinfeld e Larry David. Ao escreverem a série Seinfeld, originalmente exibida entre 1989 e 1998, centraram-se no quotidiano de quatro amigos a viver em Nova Iorque. Vão ao cinema, comem fora, fazem compras nos centros comerciais, têm casos amorosos, vão à lavandaria ou ao aeroporto, debatem-se com a falta de lugares para estacionar ou casas de banho públicas. Em qualquer dessas situações, apesar do exagero burlesco, os protagonistas revelam-se humanos, fracos, cobardes, mentirosos - mas também o seu contrário. As suas vidas poderiam ser as nossas (se vivêssemos em NY nos anos 1980/90), naqueles dias em que tudo corre mal - e que mais tarde recordamos com um sorriso envergonhado nos lábios. Mas a excelência dos autores, ou o extraordinário fulgor da escrita dos argumentos, tornam esta série sobre nada num modelo do que uma sitcom deveria ser. E está agora, todinha, na Netflix. Os episódios rondam a meia hora e devem ser vistos em sequência (porque a cada uma das nove temporadas a série torna-se ainda melhor).
4. Visita
Livraria Ler
Rua Almeida e Sousa, 24C
Campo de Ourique
Quarta-feira, 17 de novembro
Fundada no início dos anos 1970 por Luís Alves Dias a livraria Ler situa-se no coração de Campo de Ourique, numa esquina da Rua Almeida e Sousa. Está para as livrarias como o Nimas para o cinema, vive da clientela de bairro, e integra-se harmoniosamente na paisagem. Relativamente pequena, com uma montra generosa virada para o Jardim da Parada, foi refúgio de conspiradores durante os anos que antecederam o 25 de Abril, com livros escondidos pelos recantos (o fundador, de resto, estava referenciado pela PIDE/DGS). Com a sua morte, sucederam-lhe os filhos, e hoje é Luís Alves quem dá a cara pela livraria. É homem de livros, editor da Bizâncio, percebe de literatura e está atento aos clientes. Daí que não faltem em exposição os bestsellers do momento e um fundo razoável, tendo em conta que o espaço é reduzido. Os 50 anos já feitos em 2020, e o carimbo municipal de Loja com História, ajudam a que a loja resista - e valha a pena uma visita.
5. Coreia
Os Conspiradores
Autor: Un-su Kim, Ed. Lua de Papel
Quinta-feira, 18 de novembro
Antes do oscarizado filme Parasitas (ou do fenómeno da Netflix Squid Game) já os coreanos se abriam culturalmente ao Ocidente (ou nós a eles). A Feira do Livro de Frankfurt de 2005 ajudou (a Coreia do Sul era então o convidado de honra), mas o grosso do trabalho foi feito pela música (k-pop), a TV (k-drama) e a cosmética (k-beauty). Os livros acompanharam, mas pouco, e as traduções que deram nas vistas em Portugal foram poucas (como o excelente A Vegetariana, de Han Kang, premiada com o Man Booker Internacional). Entre outras obras coreanas publicadas em Portugal, destaco Os Conspiradores, de Un-Su Kim. O romance é protagonizado por um assassino contratado a atravessar uma crise existencial. O mundo em que ele habita, um sindicato do crime ao serviço da classe dominante, espelha a profunda clivagem social de um país dividido entre ricos e pobres. E é o motor da tensão crescente entre o protagonista e os seus empregadores, que no fim explode num sanguinário fogo-de-artifício.
6. Exposição
Um pouco mais de Hergé
Na galeria principal da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
Sexta-feira, 19 de novembro
O foguetão vermelho à porta da respeitável Fundação Calouste Gulbenkian serve de teaser: um objeto perfeitamente identificável, despojado de qualquer artifício, que anuncia a exposição Hergé, dedicada ao criador de Tintin (Georges Remi, 1907-1983). Lá dentro o que encontramos é uma tentativa de mostrar as diferentes facetas do autor belga: jornalista, desenhista, publicitário, pintor, mais ou menos por esta ordem (se quiserem ver por ordem cronológica comecem a exposição pelo fim). Esse percurso é ilustrado por uma pequena seleção de pinturas do autor (algo naïves, muito influenciadas por Miró), vários trabalhos de publicidade (que roçam a perfeição), maquetas, filmes e até obras de outros artistas de que o autor se rodeava. O mais importante, porém, são mesmo as pranchas retiradas dos seus álbuns e os esboços que as acompanham. A estilização do traço (que ficou para sempre rotulado de "linha clara") torna a maior parte dos trabalhos de Hergé uma festa para uns olhos, talvez por apelarem tanto ao sentido estético como ao lado mais lúdico do visitante. A exposição é pequena, vê-se numa hora. Esqueçam sábados e domingos, é um inferno de filas de espera, mais vale arranjar tempo durante a semana ou na sexta-feira, em que fecha só às 21h00.
7.Tiro com arco
Arco Clube ao Ar Livre
Monsanto
Lisboa
Sábado, 20 de novembro
É um mito urbano achar que é preciso ter força de braços para praticar tiro com arco. Qualquer criança com 6 ou 7 anos pode experimentar, sabendo à partida que a força do arco escolhido será proporcional à força do arqueiro. Basta aprender umas regras básicas (coisa de minutos), apontar ao alvo e largar a flecha. E depois repetir, sempre (esperançosamente) um pouco melhor, um pouco mais longe. O gozo vem depois, com o aperfeiçoamento do que se aprendeu e se vai aprendendo, a mente a impor-se ao corpo, a corrigir a postura, os gestos, a exigir a máxima concentração. A recompensa é imediata, a flecha espetada no bastidor é um golo renovado. Em Portugal, onde há menos arqueiros federados do que amantes de petanca, ainda assim há muitos sítios por onde começar. Recomendo o Arco Clube ao Ar Livre (ACAL) fundado há pouco mais de 20 anos. É ao ar livre, em Monsanto, numa clareira rodeada de árvores; os praticantes são descontraídos e solícitos, e primam pela variedade (tanto homens como mulheres de diferentes idades e nacionalidades). Experimentar é de graça (mas é necessário mandar mail primeiro para arcoclubearlivre@gmail. com), o programa colhe sempre bem entre as crianças (Uau! Arco e Flecha!) e a iniciação é aos sábados, quer chova quer faça sol (mas melhor em dias soalheiros.
Sugestões por José Prata, editora da Lua de Papel