5 minutos na água com o campeão do mundo de surf - não é todos os dias

Ítalo Ferreira esteve a surfar as ondas da Caparica
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Podia ter sido apenas mais um dia em que me despacho do trabalho, tento fugir ao trânsito e ainda chego a horas de ter luz para apanhar umas ondas. Mas desta vez, quando chego à praia e espreito o mar, vi algo que não acontece todos os dias. Nem é para todos. Aquela pessoa arrancou numa onda em excesso de velocidade, depois descolou brutalmente e rodou no ar antes de aterrar tranquilamente. O cabelo pintado de loiro não enganava: Ítalo Ferreira, o atual campeão do mundo de surf estava a partir tudo na Costa da Caparica.

No dia anterior, o surfista brasileiro acabava de levantar mais um troféu para a sua coleção, depois de vencer a primeira etapa pós-confinamento da World Surf League, a Rendez-Vous, no sul de França.

Vou ser sincero, deu-me um arrepio de cima até baixo. Eu sabia que ele estava por ali, tinha visto um post no Instagram, publicado há poucos minutos, de uma caminhada que dava pelo paredão. No vídeo, ele ia quase disfarçado, de máscara, capuz na cabeça e bem agasalhado - como quem foi apenas espreitar o mar num final de tarde friorento. Na verdade, era mesmo essa a ideia.

Quem o disse foi Marcos, um dos membros da equipa e responsável por filmá-lo, que estava na areia de tripé a registar tudo, de quem sou amigo e quem também identifiquei logo ao longe. "Nós vínhamos só dar uma olhada no mar, mas o Ítalo, sabe como é, viu aqui uma onda boa a quebrar e quis entrar", diz-me, com o seu ar divertido, ao mesmo tempo que dá um jeito no tripé para não o perder da imagem. "Ele entrou nem há dez minutos, está ali com o Jadson". "O Jadson André?" - atleta brasileiro que está há dez anos no campeonato do mundo e ronda "só" o top 20. Marcos aponta o braço a mostrar-me onde estão e diz "vai lá", outra vez a sorrir. Aliás, só poderia estar sorridente. Afinal, Marcos cresceu com Ítalo no Brasil, mas é na Costa que agora vive. E neste dia tinha o seu amigo de infância ali «na sua praia».

Entrei na água como uma criança. Sim, estamos habituados a vê-los em competições pelo mundo fora, em ondas de sonho, a fazerem manobras "ridículas". Peniche costuma ser o mais perto que podemos estar deles, sentados na areia e à distância de uma multidão. Neste dia era diferente: quase me senti um profissional, a entrar na água cheio de confiança, em direção ao campeão do mundo do desporto que mais pratico. Enquanto ia remando, à volta notavam-se os sorrisos e olhares de admiração. Mas eu percebi que não eram para mim. Jovens e adultos rodeavam o atleta de 26 anos, natural da Baía Formosa (Rio Grande do Norte), que começou a modalidade a deslizar em placas de esferovite, das caixas isotérmicas do peixe que o seu pai vendia. Ítalo costuma dizer em entrevistas que se divertia muito, "eu ia reto na onda, mas quando as placas quebravam o meu pai ficava muito bravo".

Passei a zona de rebentação e eis que chego ao pé dele. "Ítalo, como é que é? Estás a ensinar a malta?". Ele olha-me com algum desconforto, meio envergonhado, meio sorridente. Tinha-o conhecido no ano passado em Lisboa, um dia depois de ter ganho a etapa de Peniche - a penúltima antes de se tornar no número um do mundo -, e a umas horas de voar para o Brasil. Antes de irem para o aeroporto, tinham ido ao Centro Comercial Colombo almoçar e comprar doces portugueses para levar para a família. Foi nesse curto espaço de tempo que me juntei a eles - à equipa. Foi uma oportunidade, mas falarmos num shopping não é como estar sentado na prancha dentro de água.

Voltando ao mar na Costa da Caparica, só tive oportunidade de dizer-lhe que era amigo do Marcos e tínhamos estado juntos "daquela vez lá no centro comercial antes de ires para o Brasil". A expressão dele disse tudo: "ahh sim? Que bom...". Dei-lhe os parabéns pela vitória recente, ele agradeceu já com os braços em movimento na direção de uma onda a aproximar-se. Ninguém se mexe, ninguém tenta apanhá-la também. Todos rodam o corpo, ficam a olhar, até se ver uma explosão na manobra final. Ouvem-se assobios e palmas tal como nos espetáculos. Mas para desgosto de muitos, o espetáculo acabava ali.

Ítalo sai da água, é "agarrado" por umas duas dezenas de fãs que querem fotografias. Ao mesmo tempo saiu também Jadson André. E caminharam até desaparecerem, ao fundo, entre os prédios da Costa. Bom, não queria dizer isto assim, mas eles saíram da água assim que me viram entrar...

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