"Ainda não perdi a esperança de ter aqui uma cama." Sentado a uma das mesas do café da livraria Ler Devagar, na LxFactory, rodeado de estantes com livros até ao teto, José Pinho confessa que ainda gostava de fazer como a Shakespeare & Co, livraria em Paris onde é possível pernoitar. Até esse momento, fica contente por ter ali uma livraria que é quase como uma sala de estar, com recantos onde podemos sentar-nos a ler ou a trabalhar, passar horas a vasculhar as prateleiras, ver uma exposição ou ficar simplesmente à conversa com Pietro Proserpio, o artista que está no piso de cima a mostrar as suas criações mecânicas - é ele o autor da bicicleta que está pendurada no meio do armazém e que já se tornou a imagem de marca do espaço..A livraria de Alcântara comemorou dez anos em abril mas outro aniversário maior se aproxima: no domingo passam 20 anos desde a abertura da primeira das livrarias Ler Devagar, no Bairro Alto. De então para cá, José Pinho perde-se na conta das lojas que já abriu e que já fechou, das que prevê que não vão durar muito mais e das que quer ainda lançar: talvez ainda neste ano abra a primeira Ler Devagar no Porto (já começaram as obras no espaço na Rua José Falcão) e espera em breve chegar ao Brasil ("Eu gostava de Paraty mas ainda não sabemos"). Quem havia de dizer?."Foi uma sucessão de acasos", recorda Pinho. "Eu era o editor de uma revista que se chamava Devagar e fui fazer um curso de editores. Para um editor uma livraria são uns gajos que encomendam livros, não vendem nada, devolvem grande parte e pagam tarde ou não pagam. E o que eu propus foi: vamos fazer uma livraria com os editores.".A Livraria de Fundos, como ainda hoje se chama a sociedade, começou com 20 sócios (hoje são 147) e a vontade de abrir uma livraria no Bairro Alto onde fosse possível comprar os livros que não são novidade e por isso dificilmente se encontram noutras lojas. Depois havia a ideia de ter um espaço agradável, onde os amigos se encontram e onde se discutem os livros e o mundo. A primeira Ler Devagar tinha um horário adaptado ao bairro: abria à tarde e funcionava até à noite. Ainda hoje estes são os princípios que regem as lojas da marca..O encerramento da primeira livraria, quando o edifício onde estava foi vendido, "foi dramático, houve muito choro", conta José Pinho. "Muita gente achou que era o fim." Mas não foi. Ainda arranjaram um outro espaço no Bairro Alto mas "os preços eram altíssimos", passaram pela Fábrica de Braço de Prata até, há dez anos, se instalarem na LxFactory. "Não havia aqui nada, esta rua só tinha um café", recorda..Apesar da crise e da sempre presente ameaça do fim do livro, a livraria tem "números de vendas interessantes", admite o empresário. "Nos últimos dez anos, multiplicámos por quatro as vendas. Na LxFactory temos sempre aumentado as vendas mais do que dez por cento ao ano; este ano, de 1 de janeiro a 12 de junho, aumentámos mais de 30% as vendas em relação ao mesmo período do ano passado." Livros infantis, gastronomia e literatura em inglês são as três áreas mais fortes desta loja. "Neste momento o nosso maior fornecedor de livros chama-se Penguin Books, representa quase tanto quanto a Leya e a Porto Editora juntas. Sobretudo livros de autores portugueses traduzidos para inglês", diz José Pinho. Este foi um fenómeno que aumentou nos últimos três anos e que não é certamente alheio ao facto de Lisboa ser uma cidade com cada vez mais estrangeiros, turistas e residentes. "Nós contribuímos para que Lisboa fosse o que é, e agora Lisboa contribui para que os nossos resultados comerciais sejam melhores", conclui. E é por isso que está convencido de que o futuro passa por fazer que esta seja uma livraria de fundos internacional, que era algo que já estava no projeto de há 20 anos..O homem que sonhou transformar Óbidos numa vila literária (abriu lá várias livrarias e criou o festival Fólio), que pôs livros na Pensão Amor e que agarrou a histórica Ferin quando esta já tinha data para fechar as portas, diz que vai aprendendo lições com cada novo projeto. "Temos muitos falhanços: Culturgest, Cinemateca, Aveiro, Serpa, Vouzela. Ninguém falhou mais do que nós", diz. E tenciona continuar a falhar pois só assim é possível continuar..Neste sábado, a Ler Devagar está em festa. E, tal como nas festas de aniversário em que convidamos os amigos para virem a nossa casa, esta tem hora para começar mas não se sabe muito bem quando vai terminar: às 19.00 há uma assembleia geral de acionistas, segue-se um jantar, ali mesmo, entre os livros, depois a apresentação do livro 20 Anos a Ler Devagar, que assinala a data, e, por fim, "umas músicas e uns poemas, com quem cá estiver".