Os padres Luís Sequeira e Joey Mandia, ambos a residir em Macau, mostram-se satisfeitos com o princípio de acordo anunciado entre o Vaticano e Pequim, para que as duas partes possam voltar a comunicar e os crentes católicos chineses possam estar sob a alçada da Santa Sé.."A minha alegria, e a parte positiva de se estar a dar passinhos para trás e para diante, é parecer-me que há um esforço mais direto de perceber que em termos simples um patriota pode ser católico e um católico pode ser patriota - e aqui parece-me estar o busílis da questão que aos poucos se está a procurar resolver", diz Luís Sequeira. Para o jesuíta, o princípio de acordo anunciado é "muito positivo e construtivo". "Mas também reconheço que é o começo de um processo, que precisa de outros passos e de um maior aprofundamento. Em todo o caso, é extremamente rico pela sua dimensão criativa e dinâmica de comunidade cristã, pelo facto de juntar duas entidades com duas perspetivas diferentes, que ao fim e ao cabo deveriam ser complementares mas que não conseguem ser ainda", refere..Joey Mandia, padre e diretor do jornal O Clarim, considera por seu lado que "a experiência de como Igreja e Estado se relacionam em Macau pode ser um ponto de referência para a Igreja no Continente". Mandia é cauteloso nas palavras ao referir que "toda a gente concorda que haver maior liberdade religiosa na China é algo desejável" e que "é expectável que o atual acordo provisório assinado entre a China e a Santa Sé possa trazer isso". No entanto, o religioso compreende que "haja quem obviamente duvide se isto vai resultar ou não"..Nova diocese na China.Horas depois de anunciado o princípio de acordo entre as duas partes, o Vaticano anunciou também que o Papa Francisco acabara de criar uma nova diocese na China, a diocese de Chengde. "Parece-me que este desenvolvimento é significativo", aponta Joey Mandia..Luís Sequeira acredita que "a dimensão política do Estado, que defende o seu próprio país e que há que respeitar"; e a dimensão da igreja, "uma comunidade de crentes que tem um sentir muito universal de uma história longa, há mais de 2000 anos nesse sentido, espiritual e pastoral", são compatíveis. A igreja católica, lembra, mantém uma unidade universal: "É uma unidade com a liderança daquele a quem chamamos o Papa, com uma dimensão teológica por trás, uma razão de fé que nos leva a aceitá-lo como líder"..O padre Sequeira aponta a história europeia e as disputas entre reis e papas para exemplificar uma relação de poder que "nem sempre foi fácil". "Nesse sentido, com a história que teve a própria China, com um abuso profundo dos países ocidentais, provocou esta ideia de que os ocidentais estão aqui é para dar cabo da China ou tomar da China, o que na realidade até aconteceu. Há uma parte histórica ferida da China na relação com o Ocidente" à qual, admite o jesuíta, a igreja não escapa. Agora, finalmente, Luís Sequeira acredita que está a aclarar-se a questão central: "Que é a de que cidadãos chineses, neste caso os bispos, tenham a sua consciência do dever nacional, do ser patriota, e por outro lado a dimensão espiritual de dizer que a comunidade cristã, que é universal, também tem um líder mas que é ao nível espiritual e pastoral"..Três décadas de liberdade religiosa para Macau.Joey Mandia não crê que este acordo "vá afetar Macau diretamente" e diz mesmo que a relação entre Igreja e Estado em Macau pode servir de referente para a Igreja no Continente..Já Luís Sequeira concorda que "a maneira de viver de Macau" não será afetada mas levanta uma interrogação maior. "A questão em Macau está em aos pouquinhos começar a entrar em todo o país, ao terminar o modelo Um País, Dois Sistemas [em 2049], e penso que a comunidade de Macau tem de se preparar para entender isso." A aproximação entre a Santa Sé e Pequim "acontece 30 anos antes e, nestes próximos 30 anos, Macau tem um espaço de liberdade em que esta realidade, da igreja na sua dimensão universal, e o sentido social e patriótico deste pequeno território que pertence à China, parecem estar num certo equilíbrio.".Luís Sequeira ainda vê Macau como "aquele pequeno símbolo" de que o povo chinês pode também ser católico. "Um chinês pode amar a sua pátria e ser católico ou cristão. A dimensão de fé vai para lá dos nacionalismos, mas também não é contra", conclui..Texto publicado originalmente em www.plataformamedia.com