Como é que se está a adaptar a esta nova realidade? Continuo com a minha atividade de docente, com tudo o que isso implica, a dar aulas, a ter reuniões, naturalmente, não de forma presencial mas através de plataformas. Tive de readaptar os meus planos de aulas - Demografia Prospectiva na licenciatura e Demografia das Migrações Internacionais no mestrado - às plataformas digitais, tudo isto obrigou a redesenhar os conteúdos e a forma de os comunicar. Por outro lado, tive de aprender a funcionar com plataformas totalmente desconhecidas, passei a ter uma série de canais de comunicação, tive de reaprender ou atualizar os meus conhecimentos. Mas falta o contacto humano e cada vez sinto mais a falta desse contacto..E nos tempos livres? Estou a reorganizar as leituras que tinha deixado para as férias da Páscoa e tenho tentado arranjar tempo para falar com os outros, via telefone e via Skype. No meu caso, concentrava muito esse tempo ao fim de semana e, agora, não se justifica concentrar esse tempo, está mais diluído ao longo da semana..De que forma os dias se transformaram? O dia deixou de ser algo que estava previamente estruturado, as várias fases do dia passaram a estar misturadas. Tive de me reorganizar em relação às minhas atividades do quotidiano, além das lides domésticas. Dedico-me mais à culinária e concentro mais as compras, só saio de casa para o que é estritamente necessário..Qual tem sido o principal desafio? Há um desafio muito importante e que tem que ver com a forma como organizamos as nossas vidas. De uma forma não pensada, não planeada, fomos obrigados a redesenhar o nosso dia-a-dia, a encontrar no mesmo espaço os momentos que estavam calendarizados e separados: do trabalho, da família, do descanso, agora o espaço é sempre o mesmo. Esta situação muito difícil que estamos a viver está a ter um enorme impacto no modo como ocupamos o tempo, como trabalhamos, como estamos com a família, o lazer, tudo isto se está a confrontar no mesmo espaço..Encontra pontos positivos nesta situação? Nem tudo é mau, um dos pontos bons tem que ver com o ambiente. Sempre ouvimos falar com o impacto negativo dos nossos comportamentos para o ambiente, mas as mudanças que fazíamos eram muito lentas. Agora, percebemos que eram exigidas da nossa parte mudanças bruscas e, se calhar, está na altura de repensarmos o que estávamos a fazer..Mostra que o comportamento de uma pessoa tem impacto a uma escala mais global. Essa é outra lição, esta pandemia também nos diz que o lugar que ocupamos na sociedade não é irrelevante, percebemos que o nosso comportamento tem impacto na vida de todos. Aumenta a consciência da nossa responsabilidade social, há uma maior perceção das implicações das nossas atitudes na vida dos outros, não estamos sozinhos no planeta, Muitas vezes, preocupamo-nos com os problemas da Europa, dizemos que não são os de África, da América, como se não fizéssemos todos parte do planeta Terra. Fazemos parte de um mundo global e que é muito mais do que uma mera soma de cinco continentes, uma mera soma de países..O lançamento do seu livro estava marcado para o dia 20 de março, foi adiado mas está publicado. O que é que nos quer dizer com o titulo Um Tempo sem Idades? O título do meu livro propõe que deixe de ser utilizado um critério que nos habituámos a usar, muita vezes, para avaliar quem está à nossa frente, que é a idade cronológica, a idade de nascimento. Cada pessoa tem em si múltiplas idades, não só de nascimento como a biológica, psicológica, etc. É muito empobrecedor quando olhamos para alguém e a reduzimos ao ano em que nasceu..É uma forma de discriminação? Há uma discriminação da sociedade em relação às idades, em particular às idades mais avançadas. A partir de uma certa idade, a pessoa passa a ser entendida como alguém menos interessante, que tem menos valor. Marcaram-se barreiras, como a idade de reforma, e, de um dia para o outro, a pessoa acorda como se fosse outra, quando o processo de envelhecimento é contínuo e não começa aos 65 anos. Além disso, sabemos que a idade vai variando consoante as épocas e as circunstâncias, o grupo dos 65 e mais anos de hoje não tem nada que ver com o mesmo grupo etário na década de 60 do século passado, e o mesmo irá acontecer daqui a duas décadas..Temos muitos tempos predefinidos e não deveria ser assim? A questão é que a idade está a ser utilizada para organizar os tempos das nossas vidas: a idade de formação, do trabalho, do lazer, da reforma, quando, por exemplo, a formação não deve acabar nas idades mais jovens, precisamos de voltar à escola repetidamente ao longo da nossa vida. Isso entra na questão do excessivo tempo que dedicamos ao trabalho, é importante que este tempo seja combinado não só com a formação mas também com o tempo para estar com os outros, com outros tempos. Todos sabemos que menos horas de trabalho não significam menor produtividade, como já algumas experiências o demonstraram. Menos horas de trabalho significa a diminuição dos níveis de stress, uma maior realização pessoal, o que faz aumentar a produtividade..E, de repente, fica-se com todo o tempo do mundo. Na fase da reforma, diz-se às pessoas que têm todo o tempo para fazer o que quiserem, que já não são precisas. De início, a reforma pode ser interessante, mas depois a pessoa sente que não é importante, é bom que pense ao longo da sua vida em projetos para o futuro..Como é que esses tempos podem ser alterados com o que estamos a viver? Estamos a misturar os vários momentos e as várias formas de nos encontrarmos com os tempos. Tudo isto se entrecruza com as lições que estamos a retirar deste momento, precisamos de redesenhar os tempos da nossa vida. Mais velhos, mais novos, qualquer que seja a idade, como é que se podem encontrar todos no mesmo tempo..Mas a questão da idade tem influência nesta nova doença, covid-19. Em primeiro lugar, convém referir que envelhecer não é uma doença. No entanto, sabemos que os problemas de saúde se vão acentuando com a idade, acumulamos várias doenças ao longo da vida, muitas delas situando-se nas idades superiores, não em todos, claro. Embora o envelhecimento não seja uma doença, tem-se vindo a verificar uma taxa de letalidade superior nas idades mais avançadas, sobretudo quando essas pessoas têm problemas respiratórios. Pode ter um fundamento científico para a defesa das pessoas que estão em maior risco..Quais são as implicações demográficas desta pandemia? É bastante prematuro falar-se em impactos demográficos, mas, tentando imaginar o que possa vir a acontecer, se estas mortes em virtude do novo coronavírus começarem a ser antecipadas no tempo em relação às pessoas mais velhas, poderá ter o efeito de redução da esperança de vida. Mas não é altura para lançarmos qualquer alarmismo, os dados que temos ainda não nos permitem tirar conclusões..Qual é o seu pior receio? É que não aprendamos nada, que saiamos daqui a fazer as mesmas coisas, que volte tudo ao que era. Se não soubermos extrair ilações desta situação terrível, este tempo foi completamente desperdiçado. A minha filosofia de vida é retirar lições do que há de mau e do que há de bom. O pior, no caso da demografia, é continuarmos a viver angustiados pelo facto de termos mais pessoas nas idades superiores em vez de retirarmos o valor que essas pessoas têm. Do ponto de vista individual, continuarmos a andar stressados, sem tempo para nada..Não se tem muito tempo para estar no sofá. Curiosamente, a capa do meu livro é uma cadeira, que é um objeto que traduz esta mensagem que quero passar. Pode ser utilizada para diversas funções - descansar, estudar, trabalhar, ler, conversar, etc. -, também por diversas pessoas, de diferentes idades. A cadeira simboliza o que digo, cada um utiliza a cadeira da forma que entende. A cadeira não exclui ninguém, tal como o sofá, todos nós, em qualquer fase da vida, podemos utilizar o sofá..Quais são os projetos para o futuro? O meu livro devia ser lançado no dia 20 de março, quando foi decretado o estado de emergência, quero concentrar-me nesse livro. Continuo a preparar as conferências que foram suspensas, mas, até junho, estou concentrada na parte letiva e no livro. Além disso, vai acontecer uma coisa maravilhosa na minha vida, vou ser avó, é um projeto tão bom que me quero dedicar ao que vai acontecer. A partir de outubro, tenho uma série de ideias ligadas ao envelhecimento, nomeadamente uma exposição de fotografias minhas. Mas o principal é o meu neto Joaquim que vai nascer em agosto, aproveitar a possibilidade que esta sociedade nos dá e que é reunir várias gerações em simultâneo. Faço parte de um comité europeu ligado às estatísticas, que continua a ser uma das minhas áreas de interesse, há projetos a nascer..Consegue pensar em projetos? Não desisto, uma pessoa pode ficar cansada, mas não desisto de continuar a defender aquilo em que acredito. Acabo o meu livro defendendo o conceito da era da não idade, "é uma proposta para revitalizar este bónus de vida, que é um dos mais importantes dividendos alcançados pelas sociedades modernas. Utopia? Inspirada em Óscar Wilde eis a resposta: "O progresso é a concretização das utopias."