Não é fácil fazer concertos durante a pandemia? Os Capitão Fausto pegaram em Ricardo Oliveira e este pôs cinema no imaginário do filme-concerto. A banda de Alvalade esteve dez dias em Melides, entre o campo e a falésia para sessões ao vivo do fim da tarde até ao nascer do sol..Documento de música ao vivo sem público, Sol Posto é uma pequena grande maravilha com uma estética que subverte a preguiça do concerto filmado música e na qual se encontra uma banda entregue à perdição do seu som numa natureza com elementos como o sol, a chuva, o frio e o vento..Um acontecimento de cinema que é também uma chave para ficar ainda mais perto da banda pop que melhor se tem reinventado nos últimos tempos. Tomás Wallenstein, o vocalista, assumiu as funções de produtor..De repente, temos o Tomás Wallenstein produtor de cinema... Foi uma aventura que me propus fazer. O desafio era tentar perceber o que iria acontecer à vida da banda neste ano com poucos concertos, e aí começámos a pensar que teria de ser algo filmado. Se era para ser filmado, que fosse cinema! Queríamos que fosse uma coisa com "pinta"! E foi aí que automaticamente me comecei a chegar um bocado à frente e assinei a produção do filme. Só agora é que estou a descansar um bocado, foi mesmo uma aventura..Fazer um filme durante uma pandemia foi um pouco como que fugir para a frente? Sim, embora não estivesse à espera de que fosse tão puxado..Quem pudesse pensar que isto viesse a ser apenas mais um concerto filmado, talvez se surpreenda... Não quisemos que fosse aquela "seca" do concerto filmado. Aliás, o tema do filme é o que acontece a uma banda quando não há público. Será que uma banda toca na mesma não havendo público? No entanto, esta é uma experiência que acontece de propósito para se transformar num filme, ou seja, não é um concerto normal. O que vemos em Sol Posto é tudo pensado para a câmara e para resultar no formato de uma longa-metragem..Parece-me que depois o que fica como algo único é essa experiência sensorial do embate de estarmos ouvir a vossa música com a qualidade surround de uma sala de cinema... Isso mesmo! Nós quisemos que aí se aproximasse da experiência de estarmos num concerto. Conseguimos ter um controlo sonoro maior, espacializámos a coisa a pensar na sala de cinema. Acho que os resultados foram muito satisfatórios..YouTubeyoutubenopDADRgOnQ.Sabe-se que o cinema português não se consegue pagar nas bilheteiras, mas acham que a longo prazo este filme vai conseguir ter margem de lucro? O filme foi feito a pensar nessa questão do retorno? Sol Posto não foi feito com esse propósito - seria ingénuo pensar que seria fácil este investimento ter lucro imediato... Não queremos ficar milionários com este filme, mas se pelo caminho conseguirmos pagar as despesas, seria ótimo, sobretudo porque tivemos poucos concertos neste ano. Este filme foi essencialmente feito para existir agora. É importante continuarmos a fazer coisas. Colocámo-nos aqui numa situação na qual surgiu um desafio para nós próprios, um ponto de desconforto que nos permitiu trabalhar para descobrir algo novo..E este não vai deixar de ser um cartão-de-visita de uma banda e do seu conceito em 2020? Sim, tal como em todos os discos que são sempre uma fotografia dos Fausto naquele período. Se estamos diferentes? Sim, passou um ano desde o lançamento do disco... Tentámos que fosse também uma fotografia deste momento e do que é agora a criação artística, mas isso sem entrar em grandes lamentos. Esta é ainda uma reflexão sobre a nossa função nesta altura, para que servimos. A verdade é que temos um dever perante o nosso público e o público que pode vir a acompanhar, dever esse que passa por continuar a inventar mesmo quando nem todas as circunstâncias são possíveis..Os interlúdios entre as canções mostram uma banda no trabalho mas também a confluir-se na natureza, mesmo quando a paisagem é encenada... E com uma certa sensação apocalíptica. Aquele é um mundo após uma forte passagem humana e aquilo que acontece quando fica esvaziado. Nesse sentido, é um filme a explorar uma certa erosão do tempo. Temos uma fábrica abandonada, local que teve a sua função mas que agora é apenas a sua memória. Todos os sítios que visitamos exploram esta ideia....Depois desta experiência com o ecrã grande, para quando o vosso filme à Hard Day's Night, dos Beatles? Já esteve mais longe! Vai acontecer, não posso ainda falar. Como artistas, sentimos que nos podemos exprimir em qualquer direção. Temos sempre a ganhar em aprender outros ofícios, outras áreas. O cinema é claramente uma área que nos interessa muito..Não acha que faz falta ao universo da música pop esta ideia que os Beatles conseguiram em certos filmes em que se lançavam na ficção? Sim, concordo. Nós temos vontade de nos imaginarmos numa ficção estapafúrdia e completamente fora do normal, mas sempre a fazermos de nós próprios. Pode ser um musical ficção, pode ser só ficção ou pode ainda ser só musical. São perguntas que ainda estão no ar.