Água vai faltar a 250 milhões de pessoas na região do Mediterrâneo
É apenas a margem sul do Mediterrâneo que está ameaçada de seca por causa do aquecimento global ou mesmo a margem norte corre hoje riscos sérios?
Havia uma riqueza de literatura científica que abrangia os três continentes da região do Mediterrâneo mas nenhum dado sobre alterações climáticas ou avaliações de risco detalhadas para a região como um todo. Muito ciente desta necessidade urgente, o Secretariado da União para o Mediterrâneo, a UpM, começou, em 2015, a apoiar e a colaborar estreitamente com a MedECC, uma rede de 600 cientistas dos 35 países da região mediterrânica. Em conjunto com a ONU e o Plan Bleu, publicámos a primeira avaliação das alterações climáticas e ambientais e dos seus impactos na bacia do Mediterrâneo. O estudo realça que a região mediterrânica aqueceu aproximadamente 1,5° C desde a era pré-industrial, 20% mais depressa do que a média global, e sem medidas de mitigação adicionais, a temperatura regional aumentará 2,2° C até 2040, possivelmente ultrapassando mesmo os 3,8° C em algumas sub-regiões até 2100. Para a maioria das grandes cidades da região do Médio Oriente e norte de África (MENA), o mês de verão mais frio no futuro será mais quente do que o mês mais quente atual, resultando em extensos períodos de calor extremo e prejudicial. No entanto, ambas as margens do Mediterrâneo enfrentam problemas: desde erosão costal, escassez de água, inundações, incêndios florestais mais intensos, entre outros, pois as alterações climáticas e os seus efeitos são sentidos em toda a região. É por isso que a União para o Mediterrâneo apela a uma resposta regional concertada para este problema regional crucial.
Quais são os países do Mediterrâneo mais ameaçados pela escassez de água perante a dimensão da população?
A população mediterrânica classificada como pobre em água pode aumentar para mais de 250 milhões em 20 anos. Adicionalmente, a covid-19 fez aumentar a procura doméstica de água em mais 5% (de nove para 12 litros por pessoa por dia). Muitos países da região MENA dependem de recursos hídricos que estão para além das suas fronteiras. No entanto, existem também partes específicas de países em ambas as margens do Mediterrâneo que estão a lidar com problemas de escassez de água de forma contínua, devido não só à seca, mas também à poluição da água na camada aquífera. O acesso confiável à água potável segura tem sido priorizado por todos os Estados membros da UpM, e temos liderado o desenvolvimento de uma Agenda da Água regional para abordar esta questão, consultando cada Estado membro para garantir que as necessidades específicas de cada país estão a ser atendidas. A partilha de fontes comuns de água doce por diferentes países, e a interligação do abastecimento de água, e outras questões, significa que não podemos abordar a questão ou países individuais separadamente. As políticas e os investimentos que podem ajudar os países da UpM a alcançar uma economia mais segura para a água e resiliente ao clima incluem um melhor planeamento para a atribuição de recursos hídricos, adoção de incentivos para aumentar a eficiência hídrica e investimentos em infraestruturas para um abastecimento e disponibilidade de água mais seguros.
Foi diplomata em representação de Espanha em Marrocos, em Israel e em Chipre. Nestes países sentiu que o problema da água era levado a sério por autoridades e população?
Todos os Estados membros da UpM entendem a urgência da situação da água na região e estão comprometidos com a nossa Agenda da Água. Senti uma verdadeira dedicação para enfrentar a crise enquanto trabalhava em Marrocos, Chipre ou no Médio Oriente, onde estive colocado em 2014. Marrocos empenhou-se completamente no desenvolvimento de capacidades, projetos e outras iniciativas relativas à água, enquanto Chipre está a realizar, neste ano, um evento para reunir o conhecimento científico e as melhores práticas relativas a água, energia, alimentos e ecossistemas. Participaram na Conferência Ministerial conjunta sobre a Economia Azul no passado mês de fevereiro, e comprometeram-se com a declaração resultante; do mesmo modo, participarão na próxima Conferência do Clima e Meio Ambiente neste ano, de onde esperamos que resulte uma declaração ambiciosa.
Até que ponto a escassez de água em certas zonas do Sahel explica a migração de África para a Europa através do Mediterrâneo?
A região MENA é aquela que é a mais seca em todo o mundo, englobando 6% da população mundial, mas apenas 2% dos seus recursos hídricos renováveis; 12 dos países com a maior escassez de água do mundo estão localizados nessa área. A gestão da água e a migração são questões complexas que requerem soluções integradas - a escassez de água é um elemento dentro de um contexto social e político mais amplo que pode resultar em migrações, ao mesmo tempo as migrações afetam a distribuição das necessidades e dos recursos Os migrantes climáticos enfrentam situações difíceis e complexas, cujas causas e efeitos se podem estender para além da área mediterrânica. Precisamos de fomentar a cooperação internacional, tanto para abordar estas causas profundas como para ajudar as nações anfitriãs a administrar as mudanças na procura face às crises humanitárias. A UpM, colocando as pessoas e as suas necessidades no centro da atenção da cooperação euro-mediterrânica, tem o desenvolvimento sustentável em primeiro plano como uma solução regional. O nosso programa envolve competências azuis, empregos verdes e azuis, a economia circular e, o mais importante, jovens e mulheres como parte integrante da agenda de forma transversal em todas as nossas atividades.
Pode dar exemplos de cooperação internacional que estejam a resolver o problema da falta de água no quadro do Mediterrâneo e casos de países que sejam exemplares na gestão dos recursos aquíferos?
Temos vários projetos de cooperação em curso, como parte da nossa Agenda do Clima. Gerir a procura da água para aumentar a eficiência e minimizar as perdas, particularmente em ambientes urbanos, é crucial para um desenvolvimento sustentável. A UpM está a apoiar o Programa ENI CBC Med, que conta com projetos de melhoria dos sistemas de gestão de água domésticos e agrícolas e sistemas circulares inovadores de tratamento de águas residuais em Itália, Tunísia, Jordânia, Malta, Líbano, Grécia, Palestina e Espanha. Estamos também a esforçar-nos para dar uma resposta à terrível situação humanitária em Gaza, onde mais de 96% da água não é potável, através da construção da Instalação de Dessalinização de Gaza. A UpM e os seus parceiros garantiram os recursos necessários para o lançamento deste projeto, que fornecerá água potável a 2 milhões de habitantes, assim como a criação de oportunidades de emprego.