Há os que não falam, mas agradecem a solicitação; há os que não falam, porque “já passou”; há os que simplesmente recusam falar “desse passado”; e há, e são poucos, os que falam porque “houve indignidades” da Justiça, “deturpação dos princípios do Estado de Direito” e um agora designado presidente do Conselho Europeu que “esqueceu a presunção de inocência”..E há um SMS de António Costa, aos congressistas - “Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS, que é essencial preservar” - , nas vésperas do XX Congresso que aconteceu depois da detenção de José Sócrates, que todos recordam. A diferença está na disparidade nas leituras que, passados 10 anos, não se alteraram. E, em alguns, a “mágoa” perdura. .José Junqueiro, antigo deputado, não esquece, por exemplo, que António Costa, na altura recém-eleito secretário-geral do PS e a poucos dias do seu primeiro congresso como líder, “deixou cair” sem “respeito pela presunção de inocência” e sem sequer “qualquer reparo ao espetáculo indigno de uma detenção em direto nas televisões”, a 21 de novembro de 2014, o anterior líder e o “primeiro dos socialistas a conseguir uma maioria absoluta” para o partido. .O antigo dirigente, que foi secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária (2000 a 2002) e secretário de Estado da Administração Local (2009 e 2011), considera que António Costa “tinha a obrigação” de questionar a “indignidade” que “estava a ser cometida pela Justiça” e não “fazer o que fez”, que foi remeter Sócrates para a “sua verdade”. E “na verdade”, sublinha, já “nada ou pouco resta das acusações” do procurador Rosário Teixeira e do DCIAP dirigido, na altura, por Amadeu Guerra - hoje PGR..Carlos Zorrinho, que foi secretário de Estado da Administração Interna com Guterres e secretário de Estado da Energia e Inovação com Sócrates, um apoiante de Seguro e que, em 2014, foi nas listas do PS para o Parlamento Europeu, diz, pelo contrário, que “foi feito o que teve de ser feito”, face às circunstâncias da altura..O ex-eurodeputado considera que havia que “distinguir” o que foi a governação do ex-primeiro-ministro das suspeitas iniciais de “fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção” do DCIAP, que levaram à detenção de Sócrates no aeroporto e posterior prisão preventiva decretada pelo juiz Carlos Alexandre..Eduardo Cabrita, antigo secretário de Estado-Adjunto do então ministro da Justiça, António Costa, no último Governo de Guterres afirma, no mesmo sentido, que as palavras do então secretário-geral socialista “foram o adequado para a salvaguarda” do partido..Para o antigo ministro da Administração Interna (por duas vezes, nos Governos do agora designado presidente do Conselho Europeu), o que é “gravíssimo”, apesar de “não ser caso único”, é o facto de “este tempo de 10 anos” ser uma “deturpação dos princípios do Estado de Direito”. .Paulo Campos, antigo secretário de Estado das Obras Públicas durante a governação de Sócrates, com uma leitura semelhante à de José Junqueiro, recorda o “avassalador” dia 21 de novembro de 2014 e os “aplausos” e “incómodos” quando no XX Congresso falou do ex-primeiro-ministro e da “maioria alargada” de apoios, nessa altura, que com o tempo “foi diminuindo”. .As palavras de Costa, a frase de que “à Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política”, foram, diz, um “renegar de tudo aquilo que era, até então, a matriz de valores” do Partido Socialista..Em artigo de opinião, que o Diário de Notícias hoje publica, Sócrates diz que a sua detenção “nada teve a ver com Justiça, mas com política - impedir a minha candidatura a Presidente da República e evitar que o Partido Socialista ganhasse as Eleições Legislativas de 2015”, mas praticamente todos os antigos e atuais deputados e dirigentes do PS, ouvidos pelo DN, dizem desconhecer essa vontade..Paulo Campos recorda que “entre nós” era uma possibilidade que se “perspetivava” e Junqueiro refere apenas que era “uma questão” a que “faltou oportunidade para se lá chegar”.