Vladimir Putin afirmara que os ataques ucranianos a Belgorod não ficariam sem resposta. Esta aparenta ter chegado em dois dias: no primeiro, com o disparo de mísseis sobre a capital ucraniana numa escala sem precedentes no último mês e meio; e no segundo, na sexta-feira, com 90 mísseis e 60 drones em várias regiões do país, tendo matado pelo menos cinco pessoas, ferido 26, e deixado mais de um milhão de pessoas sem energia, em Kharkiv. Este novo impulso destrutivo acontece quando o Kremlin reconhece estar “em estado de guerra” ao fim de dez anos da anexação da Crimeia e da guerra por procuração no leste ucraniano, e dois anos depois da invasão que apelidou de “Operação Militar Especial”. Em paralelo, uma sala de espetáculos num subúrbio de Moscovo foi alvo de um atentado terrorista, duas semanas depois de um aviso emitido pelos Estados Unidos nesse sentido..O Crocus City Hall, um auditório com capacidade para mais de 6 mil pessoas situado em Krasnogorsk, no extremo ocidental de Moscovo, preparava-se para receber o concerto do grupo de rock russo Picnic quando um número indeterminado de homens armados disparou contra a multidão, fez uso de explosivos e provocou um incêndio de grandes proporções. O gabinete do procurador-geral da Rússia afirmou que “pessoas não-identificadas e camufladas invadiram o Crocus City Hall e começaram a disparar antes do início do concerto”, segundo a agência noticiosa TASS. Já a agência RIA Novosti disse que os homens “abriram fogo com armas automáticas” e “lançaram uma granada ou uma bomba incendiária, que provocou um incêndio” na sala de espetáculos..Números preliminares apontam para mais de 60 mortos, mas o "número pode aumentar", segundo o último balanço provisório do Comité de Investigação da Rússia, citado pela AFP. Depois de o presidente da Câmara de Moscovo, Sergei Sobyanin, ter classificado o ocorrido como uma “terrível tragédia” e cancelado todos os eventos públicos agendados para o fim de semana, o Comité de Investigação da Rússia anunciou que iria lançar um inquérito criminal ao abrigo do artigo sobre atos terroristas..No dia 7 deste mês, a embaixada norte-americana emitiu um alerta sobre “planos iminentes para atacar grandes ajuntamentos em Moscovo, incluindo concertos” por parte de “extremistas”. Os serviços diplomáticos aconselharam os concidadãos a evitar ajuntamentos, embora o aviso fosse válido apenas nas 48 horas subsequentes. Outras embaixadas na capital russa, incluindo a portuguesa, fizeram avisos semelhantes. O aviso norte-americano deu-se depois de o FSB ter informado que tinha impedido um ataque a uma sinagoga em Moscovo por uma célula do Estado Islâmico..Segundo o sucessor do KGB, a célula do grupo terrorista estava a operar na região russa de Kaluga (cerca de 200km a sudoeste de Moscovo), parte do braço afegão do grupo, conhecido como ISIS-Khorasan e que tem como objetivo criar um califado islâmico do Paquistão ao Irão, incluindo as antigas repúblicas soviéticas da Ásia central..Horas depois do atentado, o Estado Islâmico reivindicou o ataque. Um funcionário norte-americano, citado pelo Washington Post, disse que os Estados Unidos não tinham "nenhuma razão para duvidar" da alegação..Não seria o primeiro atentado de islamistas em solo russo, incluindo em aviões e comboios. Os mais mortíferos aconteceram em 2002 e em 2004. No primeiro, separatistas chechenos fizeram reféns cerca de 800 pessoas no Teatro Dubrovka, em Moscovo, embora aqui a tragédia tenha tido dedo das forças especiais russas. Espalharam um gás narcótico no edifício que se revelou mortal: 129 reféns e 41 militantes chechenos morreram, entre os efeitos do ataque químico e do tiroteio que se seguiu. Em setembro de 2004, foi a vez de outro grupo armado de chechenos, cerca de 30, tomarem uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte, no sul da Rússia. Fizeram centenas de reféns e o cerco das forças russas terminou dois dias depois num banho de sangue, no qual mais de 330 pessoas, metade das quais crianças, foram mortas..A Chechénia é desde há muito território pacificado graças ao reinado opressivo dos Kadirov. No entanto, a participação da Rússia na guerra da Síria como aliada (e salvadora) de Bashar al-Assad através de uma brutal campanha de bombardeamentos, que terão incluído armas químicas, valeram o ódio mortal de muitos muçulmanos, além dos sírios que foram as vítimas em primeira mão. .O homem destinado por Vladimir Putin a elevar a tensão com o Ocidente, o ex-presidente Dmitri Medvedev, de pronto surgiu a ameaçar a Ucrânia. “Se ficar estabelecido que se trata de terroristas do regime de Kiev, serão localizados e destruídos sem piedade, como terroristas. Inclusive os dirigentes do Estado que cometeu semelhante atrocidade”, afirmou Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança russo..A presidência ucraniana respondeu através do seu conselheiro Mikhailo Podolyak, que rejeitou qualquer relação “com estes acontecimentos” e com “métodos de guerra terroristas”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano rejeitou "categoricamente as acusações que começaram a ser feitas por autoridades russas de que a Ucrânia estava envolvida no tiroteio", tendo aludido a uma "provocação planeada pelo Kremlin com o objetivo de alimentar ainda mais a histeria anti-ucraniana na sociedade russa"..Também os Estados Unidos disseram não haver indicações de que os ucranianos estejam envolvidos, segundo o porta-voz do Conselho de Segurança da Casa Branca John Kirby. .Recorde-se que em 2022 um atentado terrorista matou Darya Dugina, filha do ideólogo do regime de Putin Aleksander Dugin, nos arredores de Moscovo; e em 2023, em São Petersburgo, um influente blogger favorável à invasão da Ucrânia, Vladlen Tatarsky, também foi vítima de uma explosão. Em ambos os casos Moscovo suspeitou de Kiev. Um pequeno grupo de oposição a Putin, denominado Exército Nacional Republicano, alega ser o responsável pelos dois atentados. Outro grupo russo, este comprovadamente no ativo na região de Belgorod, a Legião da Liberdade, informou não ter ligação com o ataque na sala de concertos, tendo acusado o “regime terrorista de Putin” de ter “preparado” esta “sangrenta provocação”. Na mesma lógica reagiram os Serviços de Informações Militares Ucranianos (GUR). “O objetivo é justificar bombardeamentos ainda mais potentes contra a Ucrânia e uma mobilização total na Rússia.”.Numa entrevista publicada na sexta-feira, o porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov anunciou que o país está “em estado de guerra”. Explicou: “Começou por ser uma operação militar especial, mas assim que todo este bando se formou, quando o Ocidente participou em tudo isto ao lado da Ucrânia, para nós tornou-se numa guerra.” Uma mudança semântica dias depois de Vladimir Putin - a quem impende há um ano um mandado de captura pelo Tribunal Penal Internacional - ter assegurado novo mandato de seis anos..Ao usar o termo proibido aos restantes russos, Peskov disse que os russos precisam de compreender a “mobilização interna”, uma expressão que pode abrir a porta a nova mobilização militar para cumprir os objetivos da invasão e anexação das regiões ucranianas. A admissão da guerra marca “uma etapa importante na construção da narrativa de um combate contra o Ocidente, em que a Ucrânia é apenas um campo de batalha”, comenta Jeff Hawn, especialista em Rússia da London School of Economics, à France24..Ataque de mísseis russos atingiu várias regiões da Ucrânia. Em Kharkiv foi alvejada uma subestação elétrica, tendo deixado um milhão de pessoas sem eletricidade. SERGEY BOBOK / AFP.UE visa cereais russos.A União Europeia pretende impor “tarifas proibitivas” sobre as importações de cereais e produtos afins da Rússia e Bielorrússia. As sanções adicionais, saudadas por Kiev, não se aplicarão aos cereais russos que transitam pela UE para outros mercados, de modo a não perturbar o mercado alimentar mundial, afirmou o comissário europeu para o Comércio, Valdis Dombrovskis. Ao abrigo das regras da Organização Mundial do Comércio, praticamente todos os cereais russos estavam até agora isentos de impostos aduaneiros na UE..No ano passado, a Rússia faturou 1,3 mil milhões de euros com a exportação de cereais para a UE. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, queixou-se aos líderes da UE, reunidos em Bruxelas, que não era justo que os cereais russos continuassem a ter acesso “sem restrições” aos seus mercados, enquanto as importações ucranianas estavam sujeitas a limites..Com Susete Henriques