Manuel Serrão é o principal visado na "Operação Maestro", que investiga suspeitas de fraudes com fundos europeus.  
Manuel Serrão é o principal visado na "Operação Maestro", que investiga suspeitas de fraudes com fundos europeus.  Rui Oliveira  / Global Imagens

Três sociedades, 13 empresas e 45 investigados. A teia da "Operação Maestro"

Manuel Serrão e Júlio Magalhães são os rostos mais mediáticos neste processo. Mas o processo, tido pelo Ministério Público como complexo, vai muito além destas duas figuras públicas. Pelo meio, há um jornal e várias empresas que se interligam, sempre com os mesmos atores no centro da ação.
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Uma estrutura complexa, com diversos envolvidos, várias empresas e um jornal. Este é o retrato que o Ministério Público faz da Operação Maestro, a investigação à gestão e aplicação de fundos europeus que envolve, entre outros, o empresário Manuel Serrão e o jornalista Júlio Magalhães.

No terreno desde terça-feira, a ação da PJ cumpriu mais de 80 mandados de buscas para recolher provas em todo o país. Há suspeitas sobre 13 empresas, três sociedades e 45 pessoas. O MP levanta também dúvidas sobre a função do jornal digital T, criado com o objetivo de “divulgar a indústria têxtil e de vestuário portuguesa”. Segundo a ficha técnica disponível no site, é propriedade da Associação Têxtil e de Vestuário de Portugal (ATP).

O DN sabe que, alegadamente, algumas das pessoas que colaboram no T serão, ao mesmo tempo, funcionários de outras duas empresas: a Associação Selectiva Moda (Manuel Serrão é vogal da direção e beneficiário ativo e a ATP é associada) e da Nicles, uma prestadora de serviços.

Segundo documentos a que o DN teve acesso, há indícios de que as remunerações possam ser asseguradas em projetos da Selectiva Moda, cofinanciados com fundos europeus, e nos quais a Nicles consta como prestadora de serviço. A Selectiva Moda é, aliás, beneficiária de vários apoios do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através de um outro projeto, o Portugal Fashion News, que trabalha em parceira com a ATP, e que tem como missão “promover a moda de autor nacional e internacionalmente”.

O jornalista da TVI Júlio Magalhães (que já se demitiu) e o presidente da Autoridade de Gestão do COMPETE2020, Nuno Mangas, são outros dos envolvidos na "Operação Maestro".

Ao que tudo indica, outro esquema de fraude identificado pelo MP tem a ver com a adulteração de documentos. No fundo, terão sido alterados para que a Selectiva Moda não possa ser enquadrada como entidade adjudicante - o que faria com que estivesse sujeita às regras de contratação pública. Como beneficia de vários fundos comunitários desde 2014, devia ser enquadrada como tal.

Segundo a indiciação feita pelo MP, entre 2015 e 2022 os fundos comunitários representaram sempre um peso ligeiramente inferior a 50% dos rendimentos da associação. A análise técnica a estas operações coube à AICEP - Agência para o investimento e Comércio Externo de Portugal, que terá procedido à verificação de reembolsos e apuramento de despesas financiadas e, posteriormente, validade pela Autoridade de Gestão do COMPETE2020, presidida por Nuno Mangas (também ele suspeito na Operação Maestro e que o MP suspeita ter uma ligação privilegiada com Manuel Serrão).

Segundo o MP, a Selectiva Moda terá recebido cerca de 41,8 milhões de euros em 12 operações, dos quais mais de 40,5 milhões lhe foram atribuídos enquanto beneficiária principal. A ATP, dona do T, terá servido como copromotora em metade das operações, recebendo 1,1 milhões de euros.

As outras sociedades sob suspeita

O Ministério Público tem mais duas associações sob suspeita: No Less e House of Project - Business Consulting (HOP). Segundo a indiciação, ambas são controladas de facto por Manuel Serrão.

Além da suspeita de um benefício de fundos comunitários (inseridos no âmbito do Sistema de Incentivo à Qualificação e Internacionalização das PME e do Programa Operacional Regional do Norte - Norte2020), há ainda indícios de que a gestão ao nível de pagamentos da No Less fosse assegurada por Manuel Serrão, em colaboração com a única administradora da sociedade, Gilda Mendes, que, alegadamente, terá assumido na candidatura a responsabilidade das operações com fundos comunitários. Por sua vez, a HOP teve participações de outra sociedade: a No More, a que pertence, também, Manuel Serrão.

Ou seja: o MP suspeita que as três (Selectiva Moda, No Less e House of Project) estão interligadas e que essas beneficiárias usaram sociedades prestadoras de serviços controladas pelos suspeitos. O objetivo seria garantir a aquisição simulada de serviços a imputar aos projetos, havendo também a intenção de manter certos fluxos financeiros para garantir mais proveito dos fundos comunitários que lhes haviam sido atribuídos.

As empresas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços, diz o MP, têm muitos corpos sociais em comum entre si, o que levanta a suspeita de uma existência de relações entre todas estas entidades.

Todas estas operações foram feitas com pessoas do círculo próximo de Manuel Serrão, como o jornalista e pivot televisivo Júlio Magalhães.

De acordo com o Ministério Público, o jornalista (que entretanto suspendeu funções na TVI) é acionista de uma outra empresa (No Trouble, que serviria como sociedade instrumental para dissipar fundos ou partilhar recursos) e sócio-gerente e beneficiário da House of Learning, uma das prestadoras de serviço.

No caso da No Trouble, os magistrados dizem que, com financiamento apoiado pelo COMPETE e através de cofinanciamento do FEDER, a empresa investiu em várias entidades, como a Fifty Paiva Lda., que consta como prestadora de serviços da Selectiva Moda, da HOP e da No Less. O MP refere que o jornalista faturou, também, serviços a sociedades controladas por Serrão e que não têm qualquer correspondência com a realidade.

E aqui entra, novamente, o jornal T. Propriedade da ATP, funciona nas instalações da Associação Empresarial do Porto (AEP), é dirigido por Manuel Serrão, contando com colaborações permanentes de Júlio Magalhães e da designer Katty Xiomara, havendo também artigos de opinião de Paulo Vaz (diretor-geral da ATP).

O DN tentou, sem sucesso, contactar Manuel Serrão e Júlio Magalhães.

Quem são os rostos e as empresas visadas?

O MINISTÉRIO PÚBLICO TEM VÁRIAS SUSPEITAS SOBRE A ATIVIDADE DAS EMPRESAS E DOS SEUS RESPONSÁVEIS. O DN EXPLICA AQUI ALGUNS DOS PROTAGONISTAS ENVOLVIDOS.

Há três nomes no centro da investigação do Ministério Público (MP): Manuel Serrão, António Branco Silva e António Sousa Cardoso, que terão usado 14 projetos para receber 38,9 milhões de euros do Fundo Europeu do Desenvolvimento das Regiões (FEDER), entre 2015 e 2023.

Segundo o MP, há depois Júlio Magalhães, referido como alguém próximo de Serrão. E há três empresários do setor têxtil: Paulo Vaz (Associação Empresarial do Porto), João Oliveira Costa e Mário Genésio. João Oliveira Costa foi presidente da Associação Têxtil e de Vestuário de Portugal antes de assumir a direção da Selectiva Moda, associação que beneficiou de vários fundos comunitários e que está sob suspeita.

É também constituída uma sociedade anónima, chamada No Less, cuja única administradora é Gilda Mendes, e que assumiu a responsabilidade técnica pela operação de fundos. Há a suspeita de que esta sociedade, juntamente com a House of Project (HOP) e a Selectiva Moda estão interligadas.
A HOP, por sua vez, tem como beneficiária efetiva Maria Emília Genésio, mulher de Mário Genésio. O único administrador é Alexandre Sousa. Colabora na HOP, além de Maria Emília, a filha, Maria Laura Genésio.

Há, depois, várias empresas referidas como prestadoras de serviço: Fifty Paiva., Guimarães e Carvalho, Nicles - Serviços de Gestão e Administração de Bens, Praia Lusitana, Morugem, Xisocho, Soochy, No Paper, House of Learning e Missão Sucesso. As próprias beneficiárias House of Project e No Less figuram como fornecedoras da Selectiva Moda.

Há ainda mais três, que constam como fornecedoras para partilha de recursos e dissipação de fundos (No Trouble, No More, No Pimples). E o MP aponta ainda baterias a entidades não-controladas por Serrão, mas que podem ter feito faturação fictícia: as sociedades do Grupo Spormex, a Eusébio & Rodrigues, o CITEVE - Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e Vestuário de Portugal e Katty Xiomara, Lda. A própria Katty Xiomara, designer de moda e colaboradora do jornal T, é referida pelo MP na indiciação.

Manuel Serrão terá contado, nestes esquemas fraudulentos, com a colaboração de Vânia Carvalho, Rute Madureira, Michele Bervian e Catarina Carvalho, todas funcionárias da Selectiva Moda.
Rute Madureira e Vânia Carvalho são filhas de duas sócias da Guimarães & Carvalho, que consta como prestadora de serviços. O MP indicia Michele Bervian como sendo a pessoa responsável pela articulação e coordenação de diversos aspetos da atividade das diferentes entidades controladas por Manuel Serrão e António Sousa Cardoso.

Há ainda referência a vários contabilistas das empresas e dos escritórios visados nesta investigação.
E, segundo o MP, há ainda a suspeita de que vários funcionários da AICEP - Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal terão violado os seus respetivos deveres funcionais e de reserva, na agilização e conformação dos procedimentos relacionados com candidatos, paga- mentos e a gestão de projetos cofinanciados da Seletiva Moda e da Associação Empresarial do Porto.

rui.godinho@dn.pt
valentina.marcelino@dn.pt

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