Milhares de professores assinalam este sábado o dia mundial de uma profissão em luta para recuperar o prestígio perdido um pouco por todo o mundo. Segundo um relatório da UNESCO, faltam 44 milhões de docentes no planeta. Em Portugal, a falta de professores continua a evidenciar-se neste início de ano letivo, com mais de 140 mil alunos ainda sem aulas a pelo menos uma disciplina, apesar do novo plano lançado pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), com 15 medidas de emergência para a revalorização da carreira docente. Nesta altura, os professores olham já com expectativa para as negociações entre o ministério e os sindicatos para a revisão da carreira docente, que começam dia 21, num processo que poderá demorar cerca de um ano a estar concluído. .O ministro da Educação, Fernando Alexandre, ainda não avançou muitos pormenores sobre o que estará em cima da mesa, mas já fez saber querer rever em alta o vencimento nos primeiros escalões da carreira. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), acredita que da eventual melhoria das condições da carreira depende o futuro da escola pública, pois só com “mudanças estruturais” haverá jovens a querer ser professores..“Os nossos jovens perceberam e percebem que a profissão de professor é mal remunerada, carece de uma progressão que premeie o mérito, é imensamente burocrática e assim não tem futuro. É preciso introduzir alterações no Estatuto da Carreira Docente e criar mecanismos que enalteçam a respeitabilidade e autoridade dos professores.”.Filinto Lima acredita que este ano letivo vai ainda ser “ensombrado por uma nuvem muito cinzenta (escassez de professores) a pairar sobre o sistema educativo, embora sem a luta que esteve bem patente” no ano letivo anterior. Pede, por isso, que às mudanças na carreira se alie também um esforço orçamental e que o Orçamento de Estado “contemple de forma sustentada e realista as verbas a alocar ao MECI, de modo a acudir a um problema que facilmente poderá resultar em desgraça.”.O presidente da ANDAEP salienta que neste dia dos professores “ainda não há muito motivos para festejos”, mesmo considerando que, este ano, os professores começam a recuperar os mais de 6 anos de tempo de serviço congelado. “Algumas medidas que se estão a tomar deveriam ter sido tomadas há muitos anos e, por isso, é necessário arrepiar caminho, embora com esperança no futuro. A Educação e os professores necessitam de quem lhes dê esperança e contribua para aumentar a motivação de que necessitam no dia a dia para lecionar a alunos cada vez mais desafiantes”, justifica. .Para Filinto Lima, “ainda há muito a fazer” depois de “os sucessivos Governos não terem cuidado devidamente da classe docente, tendo mesmo sido desprezada por alguns, que não lhe atribuíram o valor devido.”.Sindicatos ameaçam com luta.A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) já fez saber o que pretende no processo negocial com o MECI, exigindo que nenhum docente venha a perder tempo de serviço com o novo estatuto da carreira..Para a estrutura sindical, a revisão do estatuto é uma oportunidade para acabar com as ultrapassagens na carreira, afirmando que “não irá tolerar que a transição para a nova carreira sirva, como no passado, para roubar tempo aos professores.” A Fenprof espera ainda que o novo estatuto esclareça “o que é da componente letiva e da não letiva” e “o que é trabalho individual ou de estabelecimentos”. As exigência passam ainda pela introdução de um regime de aposentação específico para os professores e também nas modalidades de mobilidade dos professores, no regime de faltas, nas férias e as licenças, bem como compensação dos docentes que não foram abrangidos pela recuperação do tempo de serviço. .O sindicato pretende uma maior valorização nos índices de todos os escalões, em especial os de ingresso, e o fim das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões, assim como as quotas na avaliação. “A não ser assim, os professores voltarão, determinados, a lutar por justiça, pelos seus direitos e pela valorização da profissão.”.A federação sindical organizou um desfile para hoje, às 14.30 (do Rossio, em Lisboa, até ao Largo de Camões), onde os “professores exigirão uma Escola Pública de qualidade”..Isabel rema contra as estatísticas.Isabel Aguiar podia ter-se aposentado há dois anos, mas todos os dias entra na Escola Básica Cabo Mor, em Vila Nova de Gaia, com o entusiasmo do início da sua carreira. É assim há 47 anos e deverá continuar por mais dois a ensinar alunos do 1.º ciclo. “Estou aqui de coração. Amo o que faço e dá-me muito prazer”, justifica..A decisão da professora foi tomada antes da nova medida implementada pelo Ministério da Educação, que abriu um concurso para professores reformados que queiram voltar a dar aulas. Isabel Aguiar diz sentir-se ainda com “muita energia” e, enquanto assim for, continuará a trabalhar. “Gosto do que estou a fazer, gosto de ser professora, gosto de ensinar, gosto do ambiente da escola e gosto muito das crianças. E neste momento em que há tanta falta de professores e em que a carreira não está dignificada, aquilo que eu puder fazer para contribuir, farei”, sublinha..Apesar de lamentar a perda de valorização da profissão ao longo dos anos, continua a encontrar motivos para continuar até porque a vocação pesa mais do que as “muitas críticas feitas à classe docente”. E se pudesse pedir uma prenda no Dia Mundial do Professor, seria apenas um reconhecimento. “Se calhar um obrigada da parte do ministério, dos pais e da sociedade em geral. Só a escola pode formar cidadãos capazes e promover um futuro melhor.”.João é um dos professores mais jovens.João Portela, de 25 anos, terminou o curso de ensino de Português/Francês em 2023. É um dos professores mais jovens do Colégio Júlio Dinis, no Porto, e não se arrepende da escolha questionada variadas vezes por colegas e amigos. No Ensino Secundário, estudou Ciências e Tecnologia e acabou por ingressar na universidade num curso da área. Não demorou muito a perceber que aquele não era o seu caminho e desistiu. “Voltei a entrar no ano seguinte em Letras e entendi que sempre foi Português a minha disciplina forte e a que me motivava. Percebi que o caminho natural seria ser professor e que me sentia cada vez mais à vontade nesse papel”, recorda..O “ruído” à volta da desvalorização da carreira não foi obstáculo, porque a vocação pesou muito mais na decisão. “Optei pela satisfação pessoal. Sempre atribuí à profissão uma certa importância na sociedade. É uma profissão que impacta de forma direta a vida dos alunos e dos futuros adultos. Embora seja uma ideia que não deixa de estar carregada de alguma simplicidade e preconceito, pois atualmente os professores não são valorizados de todo”, refere..O início da carreira foi marcado pela perceção da falta de “jovens professores” nas escolas. “Sou um dos mais jovens, embora tenhamos um grupo de meia dúzia de professores na minha faixa etária. No início foi marcante, mais pela questão simbólica, por me sentir demasiado novo. Foi difícil integrar-me no grupo, não por falta de disponibilidade dos meus colegas, mas eu próprio tinha essas barreiras”, refere..João Portela deixa conselhos aos jovens com dúvidas. Neste momento, diz, “há esta questão da falta de valorização, mas não deixa de ser um ciclo e vai criar obrigatoriamente a necessidade de rejuvenescer a profissão”. “Quem tem essa vocação tem uma oportunidade excecional de entrar na profissão e com garantia de empregabilidade. Apesar destas oscilações no reconhecimento, a importância não desaparece. Os professores serão sempre necessários”, sublinha..Helena e as portas abertas para novos docentes.As habilitações para a docência foram revistas pelo ME para fazer face à escassez de professores, com o objetivo de recrutar diplomados de outras áreas para dar aulas. Helena Castro faz parte do grupo de professores com a denominada “habilitação própria” e começou ontem a dar aulas numa escola do Norte do país. Filha de uma professora, foi jornalista a vida toda, mas a Educação esteve sempre presente. Enquanto jornalista, na RTP, fazia reportagens na área da Educação e fez a cobertura de muitos protestos. Uma realidade que não a impediu de mudar de vida para abraçar a profissão docente..“Decidi pôr um ponto final na minha carreira jornalística. Saí do Porto Canal o ano passado e achei que tinha de fazer algo e mudar de carreira. A profissão docente era uma alternativa para mim, pois era algo de que já tinha experienciado e tinha gostado de fazer”, explica. Confessa que “o desafio é grande”, mas está muito motivada. “Cativa-me mais do que me assusta pela vontade de fazer uma carreira. Tenho 48 anos e tinha de me manter ativa e tomar decisões de futuro. Se as condições não são as melhores, vou ter de aferir, mas tendo em conta o que eu tinha e a área de onde eu venho, não me assusta, nem me afasta da profissão”, sublinha..----.Entrevista a Júlia Azevedo, presidente do Sindicato Independente dos Professores e Educadores (SIPE):.“É uma grande oportunidade que o país não pode desperdiçar”.Celebra-se o Dia Mundial do Professor. Este ano será marcado por motivos para festejar ou é mais um ano em que a classe docente se sente desvalorizada?.Há uma nova esperança. O acordo alcançado entre o SIPE e o Ministério da Educação permitiu não só a recuperação do tempo de serviço, como também recuperar o tempo de serviço que os professores e educadores perderam nas quotas. Foi sem dúvida uma grande vitória de todos os docentes que lutaram ano após ano. Porém, a desvalorização nos anos anteriores foi de tal forma profunda que ainda existe muito caminho a percorrer para a dignificação e valorização da carreira docente..Por que há cada vez menos jovens a escolher a carreira? A profissão não é atrativa. Os salários são baixos para uma profissão tão exigente. Há muita instabilidade e precariedade. Os professores nunca sabem onde podem ficar colocados. Têm família, têm responsabilidades financeiras e, de repente, podem ficar colocados no Algarve, sem vencimento que chegue para pagar uma casa. Acresce o trabalho burocrático e a indisciplina na sala de aula. Além disso, os jovens presenciaram o que os seus professores viveram dentro e fora de sala de aula e, como tal, desejam melhor qualidade de vida para si próprios: melhores salários, mais reconhecimento e, consequentemente, estabilidade. .A recuperação do tempo de serviço é suficiente para evitar novos protestos dos professores? A desqualificação da nossa profissão foi tão diversificada que a valorização não se resume só à recuperação do tempo de serviço. Há muito trabalho a fazer: resolver as questões das ultrapassagens entre docentes, valorização salarial, compensar os docentes que se encontram nos últimos escalões e lutaram connosco, descontaram para a CGA e não recuperaram tempo de serviço. Alterar os concursos colocando como único critério a graduação profissional. Melhorar condições de trabalho. Enfim, fruto de anos consecutivos de desvalorização, o caderno de encargos é pesado. No entanto, este Governo ainda agora começou e já deu sinal de querer dialogar e chegar a acordos com os sindicatos. Primeiro, obviamente, esgotamos a via do diálogo. Já está marcada para dia 21 de outubro a revisão do ECD. Trata-se de uma grande oportunidade de melhorar as condições docentes, oportunidade essa que o País não pode desperdiçar..Como prevê este ano letivo? Será mais calmo que o anterior? Trabalhoso e expectante. Mais calmo, sem dúvida. Vamos envolver todos os nossos associados na revisão do Estatuto da Carreira Docente e esperamos alcançar a revalorização social e salarial.