Dois anos depois da invasão russa, a Ucrânia está dependente da chegada de mais apoio do Ocidente para poder travar o atual ímpeto das forças russas, galvanizadas pela conquista de Avdiivka na semana passada. Sem armas e munições, que já estão a racionar, os ucranianos não têm a expectativa, como há um ano, de lançar uma contraofensiva na primavera que lhes possa colocar de novo no caminho da vitória. E além de um inimigo que não parece ter problemas em conseguir essas mesmas armas, enfrentam o descrédito dos aliados. .A questão passa também por saber o que pode ser considerado uma vitória. Para o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, esta passa pela recuperação de todo o território perdido para os russos desde 2014, incluindo a Crimeia e o Donbass. Mas o falhanço da contraofensiva da primavera passada (cujos resultados ficaram aquém do esperado) não ajudou, sendo a palavra de ordem agora baixar as expectativas para a primavera deste ano. A única área onde as coisas parecem correr bem aos ucranianos é no Mar Negro, tendo conseguido travar a supremacia de Moscovo ao destruir vários navios de guerra russos..Para a Rússia, a vitória na “operação militar especial” lançada a 24 de fevereiro de 2022 passa pelo cumprir dos três objetivos decretados desde o início pelo presidente Vladimir Putin: “a desnazificação, a desmilitarização e o estatuto neutral” da Ucrânia. Putin também poderia eventualmente proclamar vitória com um cessar-fogo no qual não cedesse o território entretanto conquistado. .Um cenário que o Ocidente poderia até estar disposto a aceitar (pode não o dizer, mas na realidade pouco fez quando em 2014 a Rússia anexou ilegalmente a Crimeia), mas que Kiev avisa que representaria não apenas uma derrota para si, mas também para os seus aliados. Isto porque não evitaria que, dentro de uns anos, a Rússia pudesse retomar os esforços de destruir totalmente a Ucrânia..Durante meses, o conflito parecia estar congelado, com avanços mínimos de um ou de outro lado. Mas, num cenário como esse, a capacidade dos dois exércitos - que parecia ter passado para segundo plano quando os ucranianos conseguiram travar a ofensiva inicial russa - volta ao de cima. A Rússia prevê gastar, este ano, cerca de 140 mil milhões de dólares em Defesa, o equivalente a 7,1% do seu PIB, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo. Já a Ucrânia destinou cerca de 21,6% do seu PIB para gastar este ano, mas isso representa apenas cerca de 44 mil milhões de dólares. .Kiev está dependente do apoio dos aliados, que demora a chegar, deixando os ucranianos com falta de armas e munições (seja para atacar ou simplesmente para se defenderem) - já para não falar dos caças F-16 prometidos que tardam em aparecer..Um apelo à paz na Ucrânia frente ao Reichstag, em Berlim. FOTO: EPA/CLEMENS BILAN.Na Conferência de Segurança de Munique, Zelensky queixou-se do “défice artificial” de armas. Em ano eleitoral, os republicanos estão a travar no Congresso o pacote de mais 60 mil milhões de dólares de ajuda à Ucrânia, exigindo mais dinheiro para travar a imigração ilegal na fronteira com o México. Apesar das declarações do presidente Joe Biden, que ainda ontem anunciou mais de 500 novas sanções contra os russos, o receio é que as eleições de novembro voltem a colocar Donald Trump na Casa Branca - ameaçando ainda mais o eventual apoio a Kiev. .Do lado europeu, o cenário não é melhor. A promessa dos 27 de enviar um milhão de munições até março não será cumprida, tendo até agora sido entregues apenas 300 mil. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (que hoje estará em Kiev), a do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, e o líder do Conselho Europeu, Charles Michel, assinalaram ontem o “aniversário trágico da invasão” içando bandeiras ucranianas nos edifícios das instituições europeias em Bruxelas e reiterando o “apoio inequívoco” à Ucrânia. .Mas as palavras de apoio ou os anúncios de mais sanções à Rússia (já haverá acordo para o 13.º pacote a nível dos embaixadores) não bastam. “Não fazer nada não é uma opção”, advertiu o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, pedindo aos 27 que gastem mais dinheiro em armas para a Ucrânia..A falta de armas e munições já está a ter impacto no terreno, diante de uma Rússia que tem acesso aos drones iranianos ou aos mísseis norte-coreanos. Há uma semana, os russos tiveram a maior vitória em nove meses de guerra - a conquista de Avdiivka, que eventualmente pode ter sido a pedra de dominó que leva à queda total do Donbass. .Neste cenário negativo, há ainda outros números a ter em conta: as baixas. As estimativas do Pentágono apontam para 60 mil mortos e três a quatro vezes mais de feridos do lado russo, sendo que os ucranianos falam em mais de 400 mil baixas nas forças de Moscovo em dois anos. Mas, por muitas baixas que tenha sofrido, a população da Rússia (e portanto potenciais novos soldados) é quatro vezes superior à da Ucrânia. .Do lado ucraniano, também não há um balanço oficial de baixas militares, com um oficial norte-americano a dizer ao New York Times, ainda em agosto, que seria de 70 mil mortos e até 120 mil feridos. Já o número de mortos civis já ultrapassa os dez mil, com os bombardeamentos russos a continuar. No terreno, a falta de armas junta-se ao cansaço dos soldados ucranianos, com o governo a estudar novas formas de recruta para colmatar essa falha. .Acordo de compromisso?.Um estudo do Conselho Europeu de Relações Externas, divulgado esta semana, conclui que só 10% dos europeus acredita que a Ucrânia vai vencer a guerra. Isto na média dos 12 países que participaram na sondagem, um deles Portugal. Ainda assim os portugueses mostram-se mais confiantes em Kiev do que outros europeus, com 17% a acreditar numa vitória ucraniana, face a 11% que acreditam numa vitória russa. Portugal é um de dois países (o outro é a Polónia) em que o primeiro cenário é mais escolhido do que o segundo. .Nos 12 países, a maioria (37% em média) acredita que será um “acordo de compromisso” a permitir o fim do conflito. Em novembro do ano passado, Putin disse numa reunião virtual com os líderes do G20 que era preciso pensar numa forma de “parar a tragédia” - referindo-se às ações militares na Ucrânia - e que a Rússia “nunca recusou negociações de paz com a Ucrânia”. .Em privado, terá indicado aos EUA, através de mediadores, que estaria disponível para um cessar-fogo que congelasse o conflito, segundo a Reuters. Washington terá respondido, de acordo com as fontes, que não estaria disponível para discutir nada sem a Ucrânia e tudo acabou em nada. O Kremlin negou entretanto que Putin, que tem praticamente garantida a reeleição em menos de um mês, tenha oferecido qualquer cessar-fogo. .Do lado ucraniano, logo na cimeira do G20 de 2022, Zelensky apresentou o seu “plano de paz” de dez pontos - que deverá ser central na conferência pela paz que a Suíça anunciou ontem que vai organizar “no verão”. Este plano incluía temas desde a segurança das centrais nucleares até à devolução das crianças deportadas para a Rússia. O restauro da integridade territorial da Ucrânia é um dos pontos, que Zelensky deixou claro que não estava aberto a negociação. A dúvida é saber se será forçado a ceder diante da falta de apoio ocidental..“Por favor, não perguntem à Ucrânia quando a guerra vai acabar. Perguntem-se - porque é que Putin ainda é capaz de a continuar?”, disse Zelensky há dias, na Conferência de Segurança de Munique. O presidente ucraniano insistiu que todos têm o seu papel a desempenhar e que as armas do inimigo não param por questões processuais. Além disso, defendendo que em causa está mais do que o futuro da Ucrânia, salientou que o mundo não deve ter medo da derrota de Putin. Zelensky pediu ainda para serem fechadas todas as lacunas que impedem a aplicação das sanções já aprovadas. .Uma investigação da estação de televisão Sky News revelou, esta semana, como as exportações de máquinas, equipamento elétrico ou carros desde o Reino Unido para a Rússia caíram a pique após a invasão. Mas subiram, quase ao mesmo nível, para países como o Quirguistão, Arménia ou Uzbequistão - a partir de onde podem depois seguir para a Rússia, acabando na indústria de Defesa russa. Um cenário que se repetirá noutros países europeus. .Também as sanções contra o setor financeiro ou as fontes de rendimento, como as vendas de petróleo, não têm produzido os resultados esperados, com a economia russa a crescer a um ritmo inesperadamente saudável, como sinalizou o Fundo Monetário Internacional..susana.f.salvador@dn.pt