A Europa vai entrar em 2025 com as suas duas maiores potências - França e Alemanha - mergulhadas em crises, que poderão prolongar-se pelos anos seguintes. Cenário que fragiliza não só os dois países internamente, mas também as suas posições dentro da União Europeia e o peso do bloco no contexto mundial. .“A crise económica alemã é mais estrutural do que a francesa, mas a crise política social francesa é muito mais grave do que na Alemanha. O que aconteceu na Alemanha é perfeitamente normal, uma coligação que era difícil e acabou, o problema alemão é económico. O problema francês é um problema da sociedade política, em que as duas pontas, que de longe têm mais votos entre os jovens, são o partido de Mélenchon [a França Insubmissa, de extrema-esquerda] e o partido de Le Pen [a Reunião Nacional, de extrema-direita], que têm posições muito vincadas, especialmente contra a NATO, em certos pontos quanto à União Europeia, e políticas migratórias completamente opostas. Tudo isto num contexto de fratura social que já vem de trás”, explica ao DN Alberto Cunha, do King’s College de Londres..Em comum, os dois países têm o facto quase certo de que chegarão ao próximo ano sem orçamento de Estado. Em França, depois da queda do governo de Michel Barnier, precisamente por causa deste documento, o seu sucessor, François Bayrou, esteve mais concentrado em encontrar um leque de ministros mais abrangente em termos políticos do que o executivo anterior, o mais curto da V República. Já na Alemanha, depois de falhado qualquer entendimento no Parlamento depois da coligação do chanceler Olaf Scholz ter passado a minoritária, teremos de esperar pelas legislativas antecipadas de fevereiro para que seja apresentado um orçamento..Olhando para as legislativas alemãs, todas as sondagens apontam a CDU como a vencedora e, consequentemente, Friedrich Merz como o próximo chanceler. O SPD do chanceler Olaf Scholz surge em terceiro, atrás da AfD, de extrema-direita, partido com quem Merz já garantiu que não fará acordos. “O sistema alemão tem uma grande tradição de coligações, nomeadamente entre os dois maiores partidos, e a principal possibilidade será isso acontecer. Mas existe uma possibilidade secundária de eles não conseguirem maioria e, nesse caso, o mais provável é que seja CDU, SPD e Verdes, uma coligação mais difícil, mas ainda fazível”, analisa este especialista no eixo franco-alemão. E Scholz? “Se o SPD não ganhar e fizer a tal coligação com a CDU acho que é o fim da carreira de Olaf Scholz”, refere Cunha. .No caso de França, “o país mais polarizado politicamente da Europa neste momento”, Bayrou quis apresentar um governo mais representativo do que o anterior, mas isso não lhe garante uma muito maior longevidade do que os três meses de Barnier. “A única função desta coligação será passar um orçamento, porque eles não concordam em nada”, prossegue o académico, sublinhando que “o presidente Macron tem noção que fez um erro em dissolver a Assembleia em junho..Emmanuel Macron “em termos de política interna acabou este ano”. “Vai virar-se para a política externa e já há sinais disso. Foi o primeiro líder europeu a ligar a Donald Trump após a eleição, e o primeiro a convidar Trump para visitá-lo. Já se está a posicionar para ser o líder europeu, porque é aquilo que pode fazer”, sublinha Cunha..A situação de França e Alemanha tem impacto nos 27, começando pelo “problema estrutural da economia alemã, que afeta agora bloco e vai continuar a afetar”. A primeira consequência desta fragilidade, segundo este especialista, é que dará espaço para outros países e outros líderes, começando pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, eleita pelo Politico como a pessoa mais influente da Europa. Mas também a Polónia de Donald Tusk, “um político super experiente e que já foi presidente do Conselho Europeu”, e a Espanha, um pouco mais prejudicada pela questão da Catalunha e pela polaridade entre PSOE e PP..A segunda consequência será algum desnorte em como reagir ao momento geo-económico mundial, à questão das tarifas, o que vai ser uma oportunidade para a Comissão Europeia ser mais assertiva e Ursula von der Leyen tentar preencher o vácuo que existe com o eixo franco-alemão mais fraco, como se viu no acordo UE-Mercosul. “Tudo isto pode parecer bom, mas tipicamente quando a França e a Alemanha estão mais fracas e existe este vácuo a política é um pouco mais desordenada. (…) E essa liderança não vai existir nos próximos anos, aparentemente”, sublinha o académico do King’s College. “A União Europeia já funcionou quando a França esteve mais fraca durante alguns anos, já funcionou quando a Alemanha esteve mais fraca, mas quando os dois estão fracos durante vários anos não é uma coisa que tenha funcionado muito bem no passado. A ver vamos se a necessidade de resolver nomeadamente o conflito na Ucrânia e responder a Trump consegue unir a UE e dar, por exemplo, mais poder à Comissão de uma forma que não aconteceu até agora”.