Coletivo de vítimas exige ter acesso a relatório do CES sobre alegados abusos. "Respeitem a nossa dignidade"
D.R.

Coletivo de vítimas exige ter acesso a relatório do CES sobre alegados abusos. "Respeitem a nossa dignidade"

Relatório sobre as denúncias de alegados casos de assédio sexual e moral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra vai ser apresentado a 13 de março, após a investigação sofrer atrasos. Em carta aberta, Coletivo de Vítimas quer ter acesso ao documento. "Não voltem a silenciar-nos".
Publicado a
Atualizado a

A apresentação do relatório sobre as denúncias de alegados casos de assédio sexual e moral no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra vai ser apresentado a 13 de março, depois de a investigação ter sofrido atrasos. O Coletivo de Vítimas quer ter acesso ao documento. "Apelamos a que respeitem a nossa dignidade, não nos desumanizem, não voltem a silenciar-nos ou a fingir que não estamos aqui", apelam em carta aberta, divulgada esta segunda-feira.

O relatório da comissão independente do CES - constituída para investigar as acusações de alegado assédio sexual e moral, que envolvem o diretor emérito da instituição, Boaventura Sousa Santos, e o investigador Bruno Sena Martins - deverá ser revelado na próxima semana (dia 13) , com o Coletivo de Vítimas a tecer criticas quanto aos moldes em que será revelado.

"O relatório da comissão independente será apresentado no dia 13 de março, às 14:00, em lugar por anunciar, à comunidade CES e, às 17:30, ao público, numa sala do CES com capacidade para 80 pessoas. A informação que recebemos da direção do Centro de Estudos Sociais e da Comissão Independente dá-nos razões fortes para acreditar que a dignidade e a segurança das vítimas não são a prioridade deste processo. Mais grave, fazem-nos crer que as vítimas foram esquecidas", critica-se na carta aberta do "Coletivo Internacional de Mulheres".

Nesse sentido, o Coletivo de vítimas faz um pedido. "Apelamos a que respeitem a nossa dignidade, não nos desumanizem, não voltem a silenciar-nos ou a fingir que não estamos aqui. Partilhem connosco o relatório o quanto antes. Façam uma apresentação para todas as pessoas interessadas nos resultados, numa sessão híbrida e em, pelo menos, duas línguas". 

Dizem ainda que "num centro de investigação altamente internacionalizado, que domina as tecnologias de informação, não o fazer é um indicador de má-fé, que nos causa perplexidade e ansiedade".

O coletivo faz questão de recordar "o óbvio": "Aconteceu a nós no CES, não aconteceu ao CES", frase que serve, aliás, de título à carta aberta. 

"Ao CES cabe aprender com o passado, fazer melhor com quem está para vir, mas também fazer melhor connosco, desde já. Nenhuma de nós escolheu passar por isto, nenhuma de nós imaginou passar por isto. Estamos a aprender enquanto sobrevivemos, pedimos ao CES que aprenda também, assumindo todas as consequências políticas e jurídicas do passado, porque é assim que se cresce coletivamente e se pavimenta o caminho para um futuro diferente", escreve o Coletivo de Vítimas.

Recorde-se que foram três investigadoras que passaram pelo CES - Miye Tom, Catarina Laranjeiro e Lieselotte Viaene​​​​ - que denunciaram situações de assédio e violência sexual, envolvendo Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins, no centro de estudos da Universidade de Coimbra, num capítulo do livro "Sexual Misconduct in Academia - Informing an Ethics of Care in the University'" ["'Má conduta sexual na Academia - Para uma Ética de Cuidado na Universidade"], publicado pela editora internacional Routledge. Acusações essas noticiadas pelo Diário de Notícias.

Explica-se na carta que o "Coletivo Internacional de Mulheres" foi constituído na sequência da publicação do capítulo do referido livro. Grupo apresenta-se como Coletivo de Vítimas que "sofreu diferentes tipos de violência, resultante do padrão de abuso de poder naturalizado nas equipas de trabalho lideradas por Boaventura de Sousa Santos e percebido como inevitável pelas pessoas que ocuparam lugares de autoridade no CES durante muitos anos", conforme se pode ser numa das anteriores cartas divulgadas por este coletivo. 

"No seu conjunto e na sua diversidade, as nossas experiências confirmam existir, nas equipas lideradas por Boaventura de Sousa Santos, no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, um padrao de assédio sexual, assédio moral e extractivismointelectual tal como identificado pelas autoras na referida publicação (e que envolvia ainda Bruno Sena Martins, entre outros elementos da instituição)", refere a mais recente carta aberta o Coletivo de Vítimas.

Grupo recorda que entregou à comissão independente, "a 30 de setembro, um amplo dossier, com detalhes narrativos e elementos probatórios", tendo depois optado por aguardar pela investigação "em silêncio" "para que a comissão independente pudesse realizar o seu trabalho nas melhores condições".

"Aceitámos o adiamento do prazo de entrega do relatório por dois meses sem levantar questões, porque, apesar da ansiedade que esta luta carrega, estamos conscientes da dimensão e da complexidade do material que entregámos e convictas de que as nossas denúncias constituem apenas parte das queixas e evidências recebidas pela comissão", explica o coletivo.

Não tinham "intenção de intervir antes da apresentação do relatório, esperada em final de fevereiro". "Essa apresentação não aconteceu e informações recentes suscitaram algum pessimismo", referindo-se depois à forma como o relatório sobre alegados abusos vai ser revelada, assim como todo o processo foi conduzido perante a comissão independente, após as denúncias do Coletivo de Vítimas.  

"Não recebemos até ao momento qualquer resposta em relação à avaliação das nossas denúncias, nem qualquer compromisso de virmos a receber o relatório elaborado pela comissão independente, cujo prazo final foi ultrapassado em 1 de março de 2024", criticam. 

Dizem ainda que o relatório em causa, "realizado com base na partilha" das suas "histórias de sofrimento, será apresentado às/aos investigadoras/es do CES antes de" lhes ser apresentado.

"Os/as investigadores/as do CES acederam a informação sobre a apresentação do relatório da comissão independente antes das denunciantes receberem qualquer informação", indicam na carta.

Lamentam ainda: "Enquanto denunciantes, teremos oportunidade de conhecer a validação ou não validação das nossas narrativas sobre a violência que sofremos semanas depois do relatório estar concluído e ao mesmo tempo que a comunicação social e o público em geral"

O grupo diz também que o "CES recusou o pedido do coletivo para divulgar online a apresentação do relatório, sabendo que a maioria das vítimas reside fora de Portugal e não tem condições materiais e emocionais para se deslocar às instalações da instituição".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt