Polícias tiraram da rua 721 milhões de euros em cocaína
D.R.

Polícias tiraram da rua 721 milhões de euros em cocaína

As apreensões de cocaína voltaram a bater recorde em 2023: 21,7 toneladas, segundo o relatório sobre o Combate ao Tráfico de Estupefacientes em Portugal. Este mercado vale, pelo menos, 31 mil milhões de euros na UE, sendo a maior fonte de receita para as organizações criminosas.
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As apreensões de cocaína em 2023 voltaram a bater recorde: 21,7 toneladas, mais 31,4% que no ano anterior. De acordo com o relatório sobre o Combate ao Tráfico de Estupefacientes  em Portugal, a que o DN teve acesso, é a quantidade mais elevada apreendida pelas autoridades da última década e meia.

Um cálculo com base no preço médio de venda por grama indicado por este documento, de 33,24 euros, resulta em mais de 721 milhões de euros (721,3),que deixaram de reverter para os traficantes.

As três principais entidades responsáveis pelas operações que levaram a estes resultados são a Polícia Judiciária (PJ), que tem por lei a competência de investigação do narcotráfico, com 61,3% do total apreendido; a Autoridade Tributária (AT) com 32,4% (o dobro de 2022, em operações essencialmente nos portos marítimos) e a GNR, com 6,1% (o dobro do ano anterior também).

“À semelhança do que aconteceu em outros países, como por exemplo a Bélgica (121 toneladas) e Espanha (100 toneladas), também em Portugal as quantidades de cocaína aprendidas no ano de 2023 bateram novos recordes relativamente aos volumes, já elevados, dos últimos anos. Acresce que esta tendência de aumento está a ser acompanhada por outros indicadores que nos devem preocupar, nomeadamente a alteração do papel de Portugal neste processo como verificámos com a deteção de laboratórios de produção de cocaína no norte do país (operação da PJ em Guimarães, em novembro passado) e com a deteção da presença no território de grupos de crime organizado de elevada relevância neste mercado criminal como é o caso dos brasileiros e os de leste europeu”, assinala Sylvie Figueiredo, investigadora académica de criminalidade organizada.

De acordo ainda com o mencionado relatório, mantém-se a via marítima como a mais utilizada para transportar as maiores quantidades de cocaína, representando cerca de 83% das quantidade que foram recolhidas pelas autoridades.

Sublinhe-se que só em 14 operações foram 18 toneladas detetadas. Em 2023 a cocaína apreendida pela via terrestre ultrapassou a transportada pela via aérea.

Isto apesar de serem mais visíveis as operações nos aeroportos, principalmente no Humberto Delgado, em Lisboa.

Ainda na semana, passada a PJ deteve neste aeroporto quatro pessoas (três portugueses e um estrangeiro) por suspeitas de tráfico de droga e apreendeu mais de 500 mil doses de cocaína.

Segundo a PJ, três dos suspeitos detidos eram “funcionários de empresas prestadoras de serviços” no aeroporto de Lisboa e tinham a função de “retirar a droga diretamente do porão dos aviões logo após a sua chegada, evitando, dessa forma, a fiscalização das autoridades”. Estas detenções elevam para mais de 40 funcionários detidos desde 2021.

Conforme o DN noticiou no final do ano passado, até essa altura tinham sido detidos 39 trabalhadores de aeroportos e portos nacionais desde 2021, incluindo dois ex-funcionários, de acordo com dados facultados ao DN pela Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE).

“As redes criminosas dependem da corrupção a todos os níveis do mercado da droga para facilitar as suas atividades e para facilitar as suas atividades e atenuar os riscos, incluindo os sistema de justiça criminal. A corrupção relacionada com a droga também visa indivíduos com acesso a infraestruturas essenciais, tais como como os que trabalham em centros logísticos, no setor jurídico e no setor financeiro. A corrupção, que está frequentemente frequentemente ligada à violência, tem um efeito corrosivo no tecido sociedade e mina a governação, criando vulnerabilidades sistémicas e, por vezes, envolve coercivamente as pessoas em atividades criminosas”, sublinha a Europol no seu mais recente relatório O mercado da Droga na Europa - Análise 2024.

Mas apesar de a quantidade de cocaína transportada por via marítima ser muito maior, as detenções nas infraestruturas portuárias são significativamente menores no nosso país: até novembro passado, apenas 8 (4 em 2021 e 4 em 2023) sendo que no ano recorde nos aeroportos (2022 com 21 detenção) não houve qualquer detenção nos portos.

“O recurso a Portugal para a introdução/produção de produto estupefaciente está relacionado com a abordagem regional dos traficantes ao mercado europeu, altamente lucrativo. A ameaça que o tráfico de droga, e em particular o de cocaína, está a colocar à Europa é muito significativa e as autoridades de vários países e da UE têm alertado cada vez mais nesse sentido devido às consequências violentas que já se fazem sentir”, sublinha Sylvie Figueiredo.

“Crianças-soldado” usadas por narcotraficantes

Relembra que “no início deste ano, a UE lançou a “Aliança de Portos” para tentar combater os fluxos contínuos de tráfico através dos portos”.

De acordo com o já citado relatório da Comissão Europeia, “as autoridades portuárias e as companhias privadas de transporte marítimo devem estar cientes do seu papel na luta contra o tráfico de droga e a infiltração da criminalidade. Devem dispor dos instrumentos necessários para rastrear os contentores e proteger as zonas portuárias com câmaras, sensores e scanners. Devem também dispor de meios para triar e selecionar adequadamente os seus trabalhadores, a fim de evitar tentativas de corrupção por parte de redes criminosas”.

Esta analista salienta que países como “a Suécia, a Holanda, a Bélgica, Espanha e França debatem-se com situações de violência nas suas ruas. A utilização de ‘crianças -soldado’ por parte das redes criminosas para atos de violência tem sido também uma preocupação crescente na Suécia e em França. Neste último país, esta semana, o presidente Emmanuel Macron visitou um bairro, em Marselha, com um efetivo policial de 900 agentes com o intuito de tentar repor a presença do Estado no espaço controlado pelos traficantes, muitos deles a fazerem a gestão do tráfico desde os estabelecimentos prisionais onde estão detidos”.

Segundo indica a Europol estão estimados em 31 mil milhões de euros o valor deste negócio no espaço europeu, sendo “a maior fonte de receita para o crime organizado”.

Equador substitui Colômbia. Brasil em queda

Quanto às rotas e aos países de origem da cocaína, 2023 veio confirmar uma perceção que já acompanhava as autoridades no ano anterior. “As organizações criminosas continuam a utilizar o território nacional como plataforma de trânsito da cocaína, em quantidades muito significativas.

Os principais fluxos identificados colocam quatro países da América do Sul e um da América Central, como principais pontos de origem da cocaína apreendida em Portugal.

Se em 2022 se constatava que o Brasil já não era o principal ponto de origem da cocaína apreendida em território nacional, tendo sido substituído pela Colômbia que surgia associada a 49,7% de toda cocaína apreendida, em 2023 ocorreu uma nova deslocalização do ponto inicial da rota internacional, desta feita para o Equador.

No ano em análise, o Equador surge como ponto de origem em apenas quatro casos, cerca de 0,2% do total, mas nos quais foram apreendidos 43,5% de toda a cocaína.

Só depois surge a Colômbia, associada a 20,0% das quantidades apreendidas. O Panamá, que em 2022 não constava de qualquer apreensão, está agora associado a 1440,40kg de cocaína, apreendidos num só caso, surgindo depois o Suriname (1131,65kg) e o Brasil (749,08kg)”, identifica o documento nacional.

Portugal surge como destino da maior parte da cocaína apreendida (79,7%). O relatório realça duas situações em que o destino da cocaína se situava fora da Europa, uma para a Coreia do Sul, com origem no Brasil e a outra para a Tailândia, com origem em Portugal.

Pelo tráfico de cocaína foram detidos 2238 suspeitos em 2023. A nacionalidade portuguesa é a mais comum entre estes detidos, com 76,4%, seguindo-se a brasileira com 8,5%, cabo-verdiana com 4,9%, guineense com 2% e a espanhola com 1%, uma distribuição semelhante à que se verificava em 2022.

Haxixe e ecstasy em escalada, heroína cai

As apreensões de canábis (haxixe) tiveram também um aumento significativo em 2023: 37,9 toneladas, mais 62,3% que em 2022. Três entidades foram responsáveis por 99,1% de toda a canábis apreendida: a PJ (72,4%), a Polícia Marítima (14,3%) e a GNR (12,4%).

Tal como acontece com a cocaína, em termos de numero de apreensões é a PSP quem lidera. Com exceção da PJ e da AT, todas as entidades aumentaram o número de apreensões, numa média de 26,2%.

A via marítima é também a mais utilizada para os traficantes desta droga (95%). Quanto às rotas, as autoridades reconhecem que apenas em 37 casos (0,64% do total) foi possível identificar a origem e o destino da canábis.

Nestas, Espanha e Marrocos eram os principais pontos de origem, o primeiro quanto ao número de casos e o segundo em relação à quantidade apreendida.

“Portugal mantém a tendência dos anos anteriores, surgindo como origem de rotas de tráfico de canábis com destino a países como o Reino Unido (2), Alemanha (1), Países Baixos (1) e Tailândia (1)”, sustenta o relatório.

As detenções (total de 5 176), sendo esta a droga mais apreendida, foram também superiores às relacionadas com os outros estupefacientes, com cerca de 55%.

O número de portugueses detidos associados à canábis atingiu os 4.241, cerca de 81,9% do total, seguindo-se os naturais do Brasil (5,6%), Cabo Verde (2,4%), Guiné Bissau (2,1%) e ainda acima de 1% de representatividade, a Gâmbia.

À exceção deste último país, a relação dos restantes e a distribuição dos detidos é praticamente idêntica à verificada em 2022.

As apreensões de ecstasy registaram, segundo as autoridades, um considerável aumento - 91 054 comprimidos confiscados, mais 47,3% do que em 2022, ano em que se apreenderam 61 814 comprimidos.

A PSP apreendeu a maior quantidade desta droga (64,1% do total), seguida da GNR (25,6% e da PJ (9,8%). A via terrestre foi a mais utilizada e em cerca de 92,7% dos casos.

Nos casos de apreensões de ecstasy em que se conhece a rota, apenas 3 (0,4%) no universo de 807, a origem foi identificada na Alemanha, Espanha e Suriname e o destino era, nos 3 casos, Portugal. Nestas situações foram traficados, no total, apenas 76 comprimidos, o que equivale a 0,1% do total 857 detidos.

Quanto às nacionalidades dos detidos, a maioria, cerca de 68,3%, possui nacionalidade portuguesa, sendo seguida pela brasileira (12,4%).

Já as apreensões da heroína registaram uma redução de 43,0% por comparação a 2022, ano em que já se tinha verificado uma diminuição, ainda que pouco acentuada (1,4%), face a 2021. Apenas 41,3 kg.

A via terrestre foi a mais expressiva quanto às quantidades apreendidas, com 45,7% de toda a heroína a ser traficada por esta via. Do total das 1073 apreensões, apenas foi possível identificar a rota em 6 casos, todas com destino a Portugal e totalizando 4,54kg.

Nestes casos, surgem apenas três países como origem do trajeto: Espanha com quatro situações, Alemanha com uma e Angola com outra. Foram detidos 1176 suspeitos, 89,5% dos quais portugueses. Seguem-se os detidos com nacionalidade cabo-verdiana (4,0%), indiana (1,9%) e brasileira (1,4%).

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