"Para um italiano, preparar um prato para os outros é algo belo"

Alfonso Caputo, chef da Taverna del Capitano, em Nerano, na costa amalfitana, restaurante com uma estrela Michelin, falou ao DN sobre a gastronomia italiana, depois de um show cooking no hotel Torel Palace, em Lisboa, por ocasião da Semana da Cozinha Italiana, organizada pela embaixada.

Diz-se que a simplicidade é o segredo da cozinha italiana. É verdade ou é um exagero?

Sim, penso que é verdade. A matéria-prima de qualidade trabalhada com movimentos simples, com muita simplicidade, resulta nos melhores pratos do mundo.

Se tivesse de cozinhar um prato para o presidente italiano , ou para o português, que simbolizasse esse compromisso entre sensação gustativa e simplicidade, qual seria?

Pasta al pomodoro, esparguete com tomate, mas com massa artesanal, preparada por mim, num estilo à antiga, e o tomate tem de ser fresco, muito fresco, porque o período do tomate dura no máximo três meses. Tudo numa cozedura muito rápida. E com muito manjericão. É um aroma, um perfume, que perdura.

O seu restaurante fica no sul de Itália, em Nerano, perto de Nápoles, numa terra pequena, que no verão atrai muitos turistas só para degustar os seus pratos. Como se tornou famoso?

São já 37 anos de cozinha. A minha experiência foi ganha em Itália primeiro, em Milão junto de Gualtiero Marchesi, depois em França, em Evian e em Vonnas. Itália, de novo, em Roma. E também no Japão, aliás trabalhei um pouco por toda a Ásia, como Hong Kong, Banguecoque e Singapura. Quando regressei a Itália, e comecei no meu restaurante, o Taverna del Capitano, a trabalhar com tudo aquilo que tinha aprendido mas apostando numa cozinha tradicional, era demasiado cedo. Mas não desisti. Quis sempre a cozinha tradicional, simples. E é isso que continuo a fazer no meu restaurante. Sempre usando os produtos locais, cozinhando tradicionalmente, mas com uma apresentação minha, muito pessoal. Por exemplo, recolho uma pedra da praia próxima do restaurante, aqueço-a e cozinho o peixe em cima. Depois coloco o peixe com umas ervas sobre uma tábua e isso permite uma apresentação muito elegante, muito personalizada, moderna, mas o segredo, o que está por trás, é a frescura do peixe e a simplicidade com que é cozinhado.

Sei que no Japão chegou mesmo a cozinhar para Akihito, hoje o imperador emérito. A sua experiência lá, num país que tem uma gastronomia completamente diferente da de Itália, influenciou aquilo que faz hoje?

Durante dez anos não. Na Itália ainda se comia 250 gramas de massa a uma refeição. Não se podia ser minimalista, respeitar o estilo japonês. Mas pouco a pouco, a cada ano, fui introduzindo o que tinha aprendido. Por exemplo, o peixe em filetes, cru. Sem espinha e sem pele. Antes, se o fizesse, não teria clientes. Para os italianos, o peixe tinha de vir inteiro para a mesa. Completo. Era como em Portugal, em que vamos a um restaurante de peixe e nos mostram o peixe inteiro.

O embaixador Carlo Formosa, na apresentação que fez durante este show cooking no Torel Palace, disse que o ator americano Tom Hanks referiu o seu restaurante na entrada para a cerimónia dos Óscares, em Los Angeles. Que foram as únicas palavras que disse, para surpresa geral. É um cliente habitual?

Sim, na noite dos Óscares disse que o melhor prato que alguma vez tinha comido era o spaghetti alla Nerano. Mas são muitos os atores famosos que nos visitam, não só o Tom Hanks. Mas muitas vezes nem os reconhecemos. Chegam de barco.

Quando foi feita essa referência, houve efeito na clientela? Apareceu mais gente?

Tenho poucas mesas. Servimos no máximo 30 a 35 refeições. Não tenho interesse em servir mais. E estamos abertos oito meses. Fechamos em novembro e reabrimos em março.

Fecham porque é época baixa ou para descansar?

É uma época mais calma e nós também temos de descansar e viver. No resto do ano, fazemos almoços e jantares sete dias por semana. Também pequenos-almoços, porque é o restaurante de um hotel. Um restaurante com uma estrela Michelin, como nós, muitas vezes faz no máximo cinco serviços por semana, mas nós fazemos 21.

Qual é o prato mais popular no seu restaurante?

Spaghetti alla Nerano. Esparguete com curgetes, o prato que comemos hoje. É o nosso must. O nosso prato mais importante. Mas deixe-me contar-lhe uma história. De inicio, chamávamos spaghetti con zucchini, que são as curgetes, mas um dia alguém sugeriu que escrevêssemos antes alla Nerano para identificar o local. Quando mudámos o nome, o prato ficou ainda mais famoso e agora não pode ser imitado.

Há a ideia de que os italianos conseguem acrescentar um toque de classe a tudo, da moda aos automóveis, passando pelos perfumes. Também na gastronomia. Quando trabalhava na Ásia, ou quando viaja como agora a Lisboa, sente-se um embaixador dessa imagem do seu país?

Há um estilo de vida italiano. Um estilo italiano. E isso é muito importante para nós. Muitos chefs famosos só têm a parte da organização, do business, mas não têm o amor. Quando cozinhamos, trabalhamos no momento. É o momento mais belo do dia. Para um italiano, preparar um prato para os outros é algo belo. Tem de ser feito com o coração.

Mesmo um italiano usa hoje a palavra francesa chef e não cuoco, cozinheiro em italiano. Porquê?

Pessoalmente não me incomoda, mas na realidade cozinhar não depende de um chef. Uma cozinha é uma organização. Se me faltam uma ou duas pessoas na equipa, terei dificuldades. Certamente não será o mesmo. O chef serve para organizar a equipa. Mas a terminologia internacional também é francesa porque os franceses foram os primeiros a escrever sobre como se trabalha numa cozinha. Foram os primeiros a codificar a cozinha. Também foram os primeiros a escrever e a classificar os molhos.

O Guia Michelin, que também é francês, já reconhece o seu restaurante há muitos anos?

Recebi a primeira estrela há 23 anos. Fui o cozinheiro mais jovem da Europa a receber uma estrela. Mas hoje quase só cozinho o tradicional. Recuso o estilo internacional, uma cozinha internacional que não é nem italiana, nem francesa, nem portuguesa, nem nada. Mas eu quero ser fiel às minhas origens, à minha identidade. Quero que um português que vá ao meu restaurante em Nerano prove a verdadeira cozinha local.

Comeu algum prato português?

A primeira coisa que comi em Portugal, como entrada, foram pastéis de bacalhau. Gostei, mas não sabia que era algo tradicional.

leonidio.ferreira@dn.pt

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