O chef português que puxa “a brasa à nossa sardinha” num restaurante com estrela Michelin na Noruega
Foto: Reinaldo Rodrigues

O chef português que puxa “a brasa à nossa sardinha” num restaurante com estrela Michelin na Noruega

Carlos de Medeiros, que tem o Bar Amour em Oslo, veio a Lisboa ajudar a preparar o banquete Mar da Noruega no Palácio da Nacional da Ajuda, iniciativa da Essência Company e integrada na Chefs Week.
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Carlos de Medeiros até diz não gostar de sardinhas, mas confessa que é tão português que gosta de “puxar a brasa à nossa sardinha” junto dos clientes do seu Bar Amour, o restaurante com uma estrela Michelin que tem em Oslo. “A nossa filosofia é a fusão do português com o norueguês, fusão da cultura, fusão da gastronomia e fusão do conhecimento técnico ligado à gastronomia”, explica durante uma conversa que é apressada pela necessidade de o chef terminar a preparação do banquete Mar da Noruega no Palácio Nacional da Ajuda, iniciativa da Essência Company e integrada na Chefs Week.

Os produtos, diz, são sobretudo noruegueses, fresquíssimos e muito do mar, mas há um toque português permanente. Dois pratos do menu de degustação no Bar Amour são bons exemplos dessa vontade de fusão: “uma emulsão de ostras norueguesas, uma forma muito interessante de abrir a noite, cheia de naturalidade. Servimos com camarões noruegueses crus temperados com óleo de alho assado, para representar um pouco as gambas ao alho, e depois uma gelatina feita a partir de um dashi, um caldo muito leve a partir de peixe e de algas, algas norueguesas e o nosso bacalhau, caras de bacalhau que são ligeiramente fumadas. Portanto, temos a vertente norueguesa que é a ostra, com a vertente portuguesa e norueguesa que é o camarão, camarão norueguês mas de uma forma meio portuguesa, e a gelatina de bacalhau. Outro prato que temos é o caranguejo norueguês, que cozemos muito levemente, a baixa temperatura, num caldo de galinha assada, para irmos buscar novamente aquela parte da tradição portuguesa, e servimos num base que diria que é um pouco um leite creme, mas salgado, feito com amêndoas do Algarve”.

O palácio lisboeta que já foi casa de reis e hoje em dia recebe os jantares que o Presidente da República oferece aos chefes de Estado estrangeiros, com longas mesas corridas, está nos antípodas do Bar Amour, um espaço íntimo, que se quer misterioso e que até já foi um bordel. “Não fazemos marketing, raramente publicamos fotos da comida. Os noruegueses são a grande maioria dos clientes, procuram uma experiência. Algo misterioso. Querem também a experiência de comer e estar com a outra pessoa. Houve uma altura em que tínhamos debaixo das mesas uma caixa de madeira para colocar os telemóveis. Não impúnhamos, mas sugeríamos. Aquilo de estar só com a comida perde-se um pouco com isto dos telefones”, diz o chef português. No Bar Amour são 14 os lugares. Só para jantares, quatro dias por semana, de quarta-feira a sábado. “É muito exigente o trabalho. Dias longos. Queremos que quem trabalha no Bar Amour possa descansar e ter uma vida”, acrescenta, sabendo que a sociedade norueguesa aderiu ao modelo nórdico, uma economia social de mercado, que preza a qualidade de vida.

São já quase cinco anos de Carlos de Medeiros na Noruega. O chef, que tem 32 anos, cresceu em Oeiras, formou-se na Escola de Hotelaria de Lisboa e chegou a ter um restaurante em Linda-a-Velha. Mas depressa se sentiu tentado pela aventura fora. Queria aprender mais e sobretudo queria ver reconhecido o esforço e o talento. “Em Inglaterra trabalhei a maior parte do meu tempo com um chef chamado Steve Drake - no Drake at the Clock House e depois no Sorrel”. Ao fim de sete anos, surgiu a hipótese Noruega. “Fiz um estágio na Noruega duas semanas quando estava em Inglaterra. Era para ter mudado logo, mas não aconteceu. Ficou tudo em águas de bacalhau. Por causa da covid. Mas quando acabaram as restrições às viagens, as quarentenas, fui para Oslo. Tinha apanhado o verão na cidade e fiquei muito cativado. No inverno é escuro, mas já estava habituado por causa da Inglaterra”, conta, acrescentando que cada vez se sente melhor no país escandinavo, tem uma companheira norueguesa e há planos para filhos.

Foi no Maaemo que começou a trabalhar em Oslo, mas depois perguntaram-lhe se queria assumir o Bar Amour. Para o português foi um passo natural na carreira, ter um projeto próprio. Já teve outros portugueses a trabalhar com ele, mas agora é com uma equipa internacional que elabora a tal cozinha de fusão luso-norueguesa. “Trato os meus cozinheiros por chef. É uma questão de respeito. É uma equipa jovem”.

O menu de degustação custa 1950 coroas, cerca de 165 euros. Carlos de Medeiros diz que não é caro para a Noruega, um país muito rico graças à renda petrolífera. Quem quiser uma experiência de wine paring terá de abrir mais os cordões à bolsa. E é no vinho que o tal “puxar a brasa à nossa sardinha” mais se faz sentir. “Até já fui criticado num jornal por sugerir só vinho português. Tenho outros vinhos na carta. Agora admito que sou fã dos vinhos portugueses. Adoro vinhos dos Açores. Gosto muito dos vinhos do António Maçanita e do Luís Seabra. Também dos da Anna Jorgensen, da Cortes de Cima. Brancos mas também tintos. A Filipa Pato tem um vinho espectacular chamado Post-Quercus Baga. Prefiro vinhos vermelhos mais delicados, com um corpo mais suave, não gosto de vinhos com taninos muito fortes. Se pedem um borgonha, digo que sim, mas explico que se querem uma coisa diferente, provavelmente mais barata e melhor na relação qualidade/preço, vamos experimentar vinho dos Açores ou do Douro”.

Isto de ser uma espécie de embaixador de Portugal lá fora ganhou ainda mais peso com a estrela Michelin conquistada em 2024. “Para mim nada mudou, mas há pessoas que me levam mais a sério e também as expectativas são muitos altas”, admite. Terminamos com o inevitável tema do bacalhau, que chamamos nosso há séculos, mas que é pescado nos mares frios, como o da Noruega. “Os noruegueses comem o bacalhau fresco. E preferem produtos da época, os lagostins, as vieiras ou o halibute, por isso uso o bacalhau seco salgado por uma questão de oportunidade. Já tivemos um snack que era bacalhau à brás. Dava um trabalhão. Fumávamos ligeiramente o bacalhau e em vez de azeitonas, usávamos ameixas, verdes, que depois de salgadas e em pickles têm o sabor e a textura das azeitonas”.

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