Carmen Rosa Padilla fala comigo na embaixada da Colômbia em Lisboa, no magnífico Palácio Sotto Mayor, numa conversa em que sou desafiado a imaginar que estou na costa das Caraíbas, em Santa Marta, no Calata, o seu restaurante. Entro no jogo e pergunto que pratos me proporia. Ri-se. “O peixe do dia, que pode ser pargo ou mero ou o que quer que seja que os pescadores trouxerem. E polvo. E camarões. Tudo do mar, tudo fresco, acabado de pescar”, diz. Para logo acrescentar que respeita os defesos, por isso certos peixes não tem quando é proibido pescá-los. Quando não é a temporada . E só isso a faz não ter sempre os mesmos pratos, pois a sua ideia era a ementa nunca mudar. “Mas polvo tenho sempre”, sublinha, enfatizando a palavra “pulpo”, que é como se diz este cefalópode em espanhol. Por falar em palavras, a chef colombiana explica que Calata quer dizer “nu” ou “posto a nu”, expressão que se encontra sobretudo no espanhol falado no Peru e é de origem indígena. Terá oportunidade de explicar o nome do restaurante também aos novos clientes que se adivinham quando Santa Marta acolher a 9 e 10 de novembro a IV Cimeira UE-CELAC e se encher de visitantes. Aliás, a vinda a Portugal da chef Padilla insere-se na promoção de Santa Marta no âmbito do encontro da União Europeia com a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, que reunirá 60 países, e será este ano co-presidido por Gustavo Petro, chefe do Estado colombiano, e António Costa, presidente do Conselho Europeu.“Preparo o polvo em salada. Mas não é como a vossa salada. É uma salada que leva cebola vermelha, muito típica da região. E também leva limão crioulo, uma limãozinho mais pequeno e mais poderoso. Leva ainda azeite, e isso é por causa da influência europeia. O azeite vindo da Europa chegou aos portos colombianos, como o de Santa Marta, e entrou na nossa gastronomia”, explica Carmen Rosa Padilla, que é chef por tradição familiar e nestes dias faz diplomacia gastronómica..“A minha vocação veio do meu pai. Sentava-me num banquinho na cozinha do meu pai e via o que ele fazia. Não me dava conta de que ia gostar de cozinhar, mas no fim de contas foi o que aconteceu. Mas antes fui estudar biologia marinha um ano. E na biologia tudo é ação e reação. E isso é verdade quando cozinhas. Há coisas em que não podes deitar sumo de limão imediatamente e há outras que sim. O polvo é uma coisa, o ceviche é outra. A reação química é muito importante”. Santa Marta, Barranquilla e Cartagena são as cidades mais emblemáticas da costa caribenha da Colômbia, mas o país é imenso, tem também o litoral do Pacífico, enquanto a capital, Bogotá, até é bem no interior. Mesmo assim arrisco perguntar à chef se há um prato nacional colombiano. “Vão-lhe dizer que é a bandeja paisa ou o ajiaco santafereño. E de onde são esses pratos? Do centro, que é Bogotá, Antioquia, Medellín. São as regiões que têm mais influência gastronómica nacional. Mas na costa caribenha é um pouco diferente. Temos a banana verde. Conhece a Dole e a Chiquita? São bananas da minha região”, diz. “E temos também os produtos da Serra de Santa Marta”, acrescenta.O surpreendente é que, diz a chef, apesar de pratos como a famosa bandeja paisa levar carne de porco, e também o ajiaco santafereño ser uma sopa de galinha, toda a Colômbia come peixe. De rio, no interior. De mar, claro, nas duas costas, “mas o peixe das Caraíbas, do Atlântico, é completamente diferente do da costa do Pacífico”, faz questão de realçar.Por falar em peixe, e o bacalhau? Pergunto à chef colombiana se teve oportunidade de provar bacalhau nesta passagem por Portugal. “Eu não sou de sabores muito fortes, mas queria provar para quando regressar à Colômbia falar sobre essa identidade que vocês portugueses têm. É fortíssimo, mas tem coisas no prato, os vegetais, que cortam esse sabor gigante que tem”. Carmen Rosa Padilla acrescenta que “na Colômbia há um peixe, o bocachico, que quando é seco, se parece com o bacalhau”.A conversa acaba por conduzir ainda ao tema dos 500 anos da fundação de Santa Marta pelos espanhóis, em 1525, o que faz dela a cidade mais antiga da Colômbia. Ali se juntaram indígenas, espanhóis e também os africanos trazidos cativos por estes, com todos a influenciar as tradições da cidade. Também foi ali que morreu Simón Bolívar, o Libertador das Américas, em 1830. “Somos uma cidade portuária, de bela arquitetura, com gente muito variada, muita mistura de raças, muita cultura, e isso reflete-se na gastronomia. Na minha também. A minha mãe é de Guajira. Saiu de lá criança, mas está-lhe no sangue. Eu sou produto dessa mestiçagem. O meu pai é Padilla, que é um nome espanhol. Mas além da cidade, o mais bonito de Santa Marta é que as praias são lindas e ainda virgens muitas delas. É um privilégio ter essa beleza toda”..Uma cochinita pibil 100% autêntica feita pela primeira vez em Portugal