Harmonia entre o Homem e a Natureza: o sistema de piscicultura integrada com o cultivo da amoreira e a visão ecológica na agricultura tradicional chinesa
Situada na zona costeira do sul da China (abrangendo, em geral, as regiões de Guangdong, Guangxi, Hainan, Hong Kong e Macau), a área de Lingnan distingue-se pelo clima quente e húmido, pelos solos férteis e pela abundância de cursos de água, fatores que favorecem extraordinariamente o desenvolvimento agrícola. Ao longo dos séculos, o povo de Lingnan, engenhoso e diligente, aproveitou os recursos naturais para criar modelos de agricultura sustentável, como a piscicultura integrada com o cultivo da amoreira.
Este modelo impulsiona a produção e melhora as condições de vida ao mesmo tempo que minimiza o impacto no ambiente, evidenciando, assim, a ênfase da cultura agrícola chinesa na convivência harmoniosa entre o Homem e a Natureza.
Desde o período Ming e Qing (1368-1912) que Cantão, a cidade mais próspera de Lingnan e principal ponto de partida da Rota Marítima da Seda, se firmou como janela da China para o comércio externo, exportando, entre outros produtos, a seda. Este tecido provém do bicho-da-seda, cujo alimento principal são as folhas de amoreira, convertendo a amoreira numa cultura económica essencial.
Nos campos do Delta do Rio das Pérolas, geração após geração, os agricultores desenvolveram a piscicultura integrada com o cultivo da amoreira, unindo a plantação destas árvores à criação de peixe em tanques.
Nas zonas baixas e alagadiças do Delta do Rio das Pérolas, onde a água das chuvas se acumula e escoa lentamente, os moradores cavavam tanques para a criação de peixe e utilizavam a terra para erguer diques em redor das escavações, protegendo-as contra inundações e servindo de base para o cultivo de amoreiras. As folhas das árvores alimentavam o bicho-da-seda e os excrementos destes, por sua vez, eram usados como ração para o peixe. Por fim, os resíduos orgânicos gerados pelos peixes e micro-organismos do tanque transformavam-se em adubo para as amoreiras, formando um ciclo de interdependência que assegurava produção eficiente, baixo custo e menor poluição. Este sistema ilustra os ideais de adaptação e harmonia com o meio ambiente presentes na cultura agrícola chinesa.
Um dos melhores exemplos do modelo é Sangyuanwei (Reserva Agrícola de Amoreiras), na cidade de Foshan (província de Guangdong). A origem deste empreendimento de engenharia agrícola e de gestão hídrica remonta à Dinastia Song do Norte (960-1127). Para conter as inundações de montante e bloquear as marés salgadas a jusante, construiu-se um dique com perímetro de 83,86km e 265,4km² de área. Nessa zona protegida, o terreno fértil impulsionou o crescimento do sistema de piscicultura integrada com o cultivo da amoreira e, simultaneamente, promoveu a indústria da seda, reforçando a prosperidade local. Com sucessivas ampliações e melhorias, a obra permanece relevante até hoje.
Em dezembro de 2020, foi inserida na 7.ª lista de Património Mundial de Engenharia de Irrigação, tornando-se o primeiro projeto hidráulico de Guangdong e no primeiro à base de diques na China reconhecido com tal distinção.
Graças a esse modelo agrícola, Foshan tornou-se um próspero centro produtor de seda, muitas vezes referido como a “Capital da Seda do Sul da China”. Foi aí que se desenvolveu a única seda no mundo tingida exclusivamente com corantes vegetais: a xiangyunsha (literalmente “nuvem de seda perfumada”).
De produção limitada e técnica singular, esse tecido é simultaneamente leve, fresco e resistente a vincos, despertando grande interesse em comunidades pesqueiras junto à costa. Em épocas passadas, chamava-se-lhe “ouro macio”, acessível apenas às famílias mais ricas. Por produzir um som particular ao caminhar, o nome original do tecido significava “som de nuvem de seda”. Posteriormente, devido à semelhança fonética entre “som” e “aroma agradável” (ambos se leem xiang em chinês), passou a denominar-se xiangyunsha com o caráter para “aroma agradável”.
Em 2008, o processo de tingimento e acabamento desta seda foi inscrito na 2.ª lista nacional de Património Cultural Imaterial da China.
Se tiver oportunidade de visitar a região de Lingnan, não deixe de visitar a área de Sangyuanwei, em Foshan, bem como o museu local dedicado à cultura da seda, para ficar a conhecer como surgiu este sistema agrícola único, fruto da adaptação dos habitantes locais às condições naturais. Talvez encontre ainda a sua peça ideal de xiangyunsha.
Acompanhe-nos no Instagram e no Facebook em “Vislumbres da China” para saber mais sobre a História e a cultura de Lingnan.
INICIATIVA DO MACAO DAILY NEWS