Joaquim Soares viveu à entrada de um dos paredões da praia da Barra, em Ílhavo, durante 30 anos."Tinha a praia como quintal, o que convida a uma vida mais tranquila." Aos 45 anos, divide-se entre o trabalho numa loja de surf e o de instrutor da modalidade. Gosta de acordar cedo, ir tomar um café e ler um pouco antes de começar a trabalhar. Procura ver o mar várias vezes ao dia e, sempre que possível, faz surf à hora de almoço. Não gosta do ritmo acelerado da cidade. "Só o facto de ter de ir a Aveiro já é um incómodo.".Quando começou a ouvir falar no slow living, Joaquim identificou-se com este movimento, que pretende combater a vida acelerada das sociedades modernas. Para si, a vida lenta "é a chave para sair da hipnose da sociedade consumista. Acelerando o ritmo de vida, as pessoas ficam num modo em que não pensam sobre si e sobre as coisas, pelo que são mais facilmente manipuladas para, por exemplo, consumir". Não é imune a isso, confessa. "Mas tive a sorte de ter nascido aqui. Tenho a minha dose de automatismo, mas tento reduzi-la ao máximo." Um dos segredos, diz-nos, é assumir que o tempo não dá para tudo. "O tempo é um recurso limitado. Logo, só dá para fazer um determinado número de coisas. Faz parte do bom senso saber geri-lo.".Tal como Joaquim, são muitos os que seguem o movimento slow, e alguns sem sequer saberem que ele existe. "Já muito antes de existir enquanto nome, muitas pessoas identificavam-se com este estilo de vida. E são cada vez mais os que se preocupam em abrandar, viver com menos stress, de uma forma mais conectada com a natureza", diz ao DN, Raquel Tavares, presidente da Associação Slow Movement Portugal, que foi criada em 2009. Mas o que é, afinal, o slow living? "É um movimento que tenta equilibrar o mundo, que vive demasiado rápido, propondo uma maior brandura, mais lentidão, mais conexão com os ritmos naturais e biológicos", explica a antropóloga. Não implica mudar radicalmente de vida, nem ficar parado, mas abrandar o ritmo..Nasceu nos anos 1980, em Itália, com o movimento slow food, criado por Carlo Petrini e um grupo de ativistas, para reagir à tentativa de construção de um Mc'Donald's na Piazza di Spagna, no centro histórico de Roma. Defendia os alimentos "bons (saborosos), limpos (ambientalmente sustentáveis) e justos (socialmente éticos)". Com o passar do tempo, alargou-se às viagens, à moda, à educação. "Tornou-se um modo de estar, uma filosofia de vida. Fundamenta-se no tempo, na forma como vivemos o tempo, o dia-a-dia, a vida", diz Raquel Tavares, autora do livro Slow | As Coisas Boas Levam Tempo..A Slow Movement Portugal nasceu depois de Raquel se confrontar com uma situação profissional em que tinha de gerir um número elevado de pessoas, de forma impessoal, desumanizada. "Isso fez-me despertar interesse pelo movimento", recorda. No início, teve receio de que fosse associado a "eremitas, preguiçosos, hippies ou pessoas que queriam fugir do mundo". Mas surpreendeu-se, "porque evoluiu noutro sentido"..O slow living é uma filosofia de vida que procura contrariar "o mundo excessivamente rápido, tenta valorizar o abrandar nas mais diversas áreas", dos relacionamentos à vida profissional. Implica, por exemplo, dar tempo aos amigos, aos afetos, às coisas simples da vida. Tal como ser exigente com as horas de trabalho, apostar no teletrabalho, nas medidas de flexibilização. Ter a consciência de que "trabalhar mais horas não é trabalhar melhor". Pode parecer impossível numa primeira fase, mas não é. Há quem faça cortes radicais e troque a cidade pelo campo, por exemplo, mas não é preciso fazê-lo para ter uma vida mais lenta. "A aproximação ao modelo slow também é lenta. Faz-se com passos moderados, com autodisciplina. Impondo limites", explica..Da vida pessoal ao trabalho.Foi com pequenos passos que a filosofia slow tomou conta de todas as áreas da vida de Ana Milhazes. Em 2011, a professora de yoga e meditação e embaixadora do movimento Lixo Zero Portugal, que naquela altura trabalhava na área da informática, começou a interessar-se pelo minimalismo. Desfez-se do que não precisava, tanto dos objetos como dos compromissos que não faziam sentido para si, e até de algumas pessoas. "Toda a minha vida sofreu uma limpeza. Comecei a conhecer outras pessoas, a focar-me no que fazia sentido para mim", conta ao DN, acrescentando que também reduziu substancialmente as compras..Para ganhar mais motivação na procura de uma vida lenta, Ana Milhazes, de 34 anos, criou o blogue Ana, Go Slowly. Quando começou, ainda era uma pessoa ansiosa, que gostava de fazer muita coisa. Uma forma de estar que a levou ao limite. Em 2017, depois de quatro anos a trabalhar como gestora de projetos na área das tecnologias de informação, foi-lhe diagnosticada síndrome de burnout e depressão. Sentia um cansaço extremo, tinha ataques de pânico, sentia-se extremamente exausta. "Despedi-me. Foi a partir daí que se deu a grande mudança", afirma..Atualmente, Ana é professora de yoga e dá palestras na área da sustentabilidade. Não ganha tanto, mas também não gasta dinheiro para se sentir bem fisicamente, já que, ao deixar a secretária, a sua saúde melhorou bastante. "Prefiro trabalhar poucas horas por dia, mas de uma maneira consistente, focada no que é mais importante." Procura fazer o máximo em pouco tempo. "E não andar a correr." Equacionou ir viver para o campo, mas concluiu que o sítio onde vive, em Gaia, lhe dá o melhor dos dois mundos. Vive na zona das praias, perto do campo e da cidade, onde facilmente encontra sítios para, por exemplo, fazer as compras a granel. Vegetariana há 16 anos, encara a refeição como um momento sagrado. Afasta o telemóvel, foca-se no momento presente. "Sei o que estou a comer [compra biológico e localmente] e mastigo muito melhor." Segue, portanto, o slow food..É urgente desacelerar.Quer em observações informais quer em consultas e formações, a psicóloga Filipa Jardim da Silva tem vindo a notar que "houve um grande aceleramento nos últimos anos", resultado de "múltiplos estímulos, permanente multitasking, de estarmos constantemente em piloto automático". Com muitos excessos associados: "De sedentarismo, de stress mal gerido e na alimentação. Comemos mais e com menor qualidade. Isto leva a níveis de doença crescentes." E é neste contexto que surge "uma vontade crescente de procurar soluções e alternativas. Há uma necessidade de desacelerar"..Abrandar no trabalho pode ser uma missão difícil, mas já há empresas que procuram seguir esta filosofia. "Dão horas de saída obrigatórias, horários flexíveis, a possibilidade de trabalhar remotamente. Sabem que um colaborador motivado e saudável produz mais e melhor", indica a psicóloga. No entanto, essa ainda não é a regra. "Em Portugal, acredita-se que quem veste a camisola não olha para o relógio quando entra nem quando sai. Mas isso é falso. A produtividade está muito aliada a um número reduzido de horas de trabalho por dia.".Filipa Jardim da Silva diz que o ser humano tem "quatro a cinco horas ótimas de produtividade. A partir daí, pode trabalhar, mas os níveis de excelência e produtividade vão baixar". Portanto, o ideal é descobrir as horas em que é mais produtivo e apostar nelas. Por outro lado, deve focar a atenção em cada tarefa que faz, o que irá diminuir o desgaste. "Deve aprender a dizer que não, a priorizar. São pequenas grandes ações que levam a mudanças mais globais.".Ter uma vida mais lenta passa muito por impor limites. "A partir das 18.00, por exemplo, não responder a e-mails. Ou fazer breves pausas de cinco minutos ao longo do dia", aconselha Raquel Tavares. A presidente da Associação Slow Movement Portugal sugere, ainda, que abrande o passo durante cinco minutos no regresso a casa, ou que reserve momentos para fazer o que gosta ao longo do dia. "Pode começar por dez minutos, e não têm de ser coisas lentas, tanto pode ser tricô como corrida.".A chave, diz Filipa Jardim da Silva, é "estarmos mais atentos a nós mesmos", tentando chegar ao equilíbrio. "Entre a produtividade e o descanso, o sacrifício e o prazer, o que nos apetece e o que nos faz bem comer, entre as horas ao computador e a fazer exercício físico, entre os momentos de companhia a nós mesmos e os de socialização de qualidade.".O aceleramento das crianças, vítimas do ritmo frenético das sociedades atuais, começa "quase na barriga da mãe", com o consumo desmesurado de informação sobre melhores práticas. "Quando o bebé tem 1 mês, damos-lhe um brinquedo indicado para 6 meses. Se não estivermos atentos, projetamos pressão nas brincadeiras. Cada vez mais, temos miniadultos na escola primária, o que tem consequências. A ansiedade e a depressão infantil são cada vez mais frequentes", alerta a psicóloga..No slow living, há um conjunto de "filosofias e correntes que se cruzam, como o budismo e o mindfulness". Segundo a psicóloga, estas não são correntes que "nascem das modas, mas da necessidade real das pessoas". Com uma vida mais lenta, a pessoa "dá conta da passagem do tempo, em vez de ser o tempo a passar por si".