Infeções anteriores por outros coronavírus podem tornar covid-19 menos grave
As constipações ao longo da vida causadas por outros coronavírus podem ser um fator de proteção contra as infeções graves pelo SARS-CoV-2, sugere um estudo realizado por investigadores da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, e publicado há dias na revista científica Journal of Clinical Investigation.
Os resultados obtidos pela equipa mostram por outro lado que ter tido previamente essas constipações e gripes benignas causadas por outros coronavírus não impede que ocorra uma infeção pelo SARS-Cov-2, embora ela tenda a ter menor gravidade.
Esta conclusão vai no mesmo sentido de estudos anteriores, que apontam a possibilidade de existir em muitas pessoas uma imunidade natural para o Sars-cov-2, que resulta da imunidade já existente na população para os quatro coronavírus que sazonalmente causam as constipações e resfriados comuns.
A imunidade cruzada, como lhe chamam, ajudaria também a explicar a existência de tantas pessoas assintomáticas com covid-19.
Para chegar a estes resultados, a equipa de Boston passou em revista os dados de saúde eletrónicos de mais de 15 mil pacientes entre maio de 2015 e junho de 2020, em busca de duas informações: a dos doentes com confirmação de infeções respiratórias anteriores pelos coronavírus comuns, e a dos pacientes que foram hospitalizados com covid-19 até junho.
No cruzamento das duas informações, os investigadores encontraram o que queriam: os doentes de covid para os quais havia dados sobre constipações anteriores provocadas por outros coronavírus.
Tratados os dados, para ajustar outras variáveis, como idade, género, massa corporal e doenças como a diabetes, os investigadores verificaram que os doentes de covid com registo anterior de outras infeções por coronavírus tinham menor probabilidade de precisar de internamento em cuidados intensivos ou de necessitar respiração assistida por ventilador.
"Os nossos resultados mostram que as pessoas com registo de infeções anteriores pelos coronavírus que provocam constipações comuns têm menos sintomas graves de Covid-19", resume Manish Sagar, da Escola de Medicina da Universidade de Boston, e um dos autores do estudo, citado num comunicado da sua universidade.
"As pessoas são infetadas por rotina por coronavírus diferentes do SARS-CoV-2, e por isso os nossos resultados [que mostram uma relação entre as duas coisas] podem contribuir para identificar os doentes que estão em maior ou menor risco de desenvolver complicações depois de terem sido infetados pelo SARS-CoV-2", nota, por seu turno Joseph Mizgerd, outro dos autores do estudo.
Uma das portas que este trabalho abre, sublinha este investigador, é a da possibilidade de "se identificar os tipos de resposta imunitária que ajudam a minimizar os efeitos da infeção de covid-19".
A questão da imunidade cruzada e da possibilidade de ela ser um fator importante no contexto da pandemia tem sido objeto de vários estudos.
Um dos investigadores que se debruçou sobre ela, para analisar as questões da imunidade de grupo, foi o português José Lourenço, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que é especialista em modelos computacionais aplicados à epidemiologia e comportamentos dos vírus.
Para fazer os seus estudos sobre a imunidade de grupo para covid-19, como contou ao DN, José Lourenço pegou justamente no conceito da imunidade cruzada, que existe sobretudo nos mais jovens, dada a plasticidade da sua resposta imunitária.
Os seus resultados, depois de incluída essa variável da imunidade cruzada, apontam para que imunidade de grupo para o SARS-CoV-2 deverá estar num limiar inferior aos 60% a 70% da população imunizada. Mas o inverno, que agora está aí à porta, será a prova dos nove.