Febre de sábado à tarde vai voltar a estar na moda?

Os novos horários de funcionamento de bares e discotecas despertaram muitas críticas entre os empresários do setor e os seus clientes. Mas também despertaram, sobretudo nas redes sociais, a nostalgia de uma época em que as tardes também se faziam para dançar.
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Era o tempo em que a Televisão ainda só tinha dois canais e a quantidade de pessoas que o apresentador Júlio Isidro, no programa de domingo "Passeio dos Alegres", conseguia meter num Mini, assunto nacional. Nesse princípio dos anos 80, a sociedade começava a descomprimir de vários verões politicamente quentes e os jovens, cada vez menos empenhados em debates ideológicos, queriam "sintonizar-se" com o que de mais moderno se fazia, vestia e ouvia na Europa e Estados Unidos. Mas a sombra dos tão propagandeados brandos costumes ainda pesava sobre esses sonhos de rasgar horizontes. Lisboa e Porto não eram Londres ou Nova Iorque e a um estudante de liceu impunha-se que estivesse em casa à hora de jantar.

Assim surgiram na capital (logo seguida pelo Porto, Algarve e outros pontos do país) as primeiras discotecas (ou danceterias, termo mais usado no Norte) com matinés dançantes, destinadas a um público maioritariamente muito jovem que queria ouvir música, beber algumas bebidas alcoólicas, dançar sob bolas de espelho à la Dancin Days (a Telenovela da Globo, transmitida pela RTP no primeiro semestre de 1980, em boa parte responsável pela importação desta moda para Portugal) e, sobretudo, declarar, ao som de um slow, qualquer amor secretamente alimentado durante um ano letivo. Assim surgiram espaços como o "Acapulco", situado em Picoas, nas traseiras do já também já desaparecido cinema Mundial. Mais tarde mudaria de nome para "Crazy Nights", mas, ao contrário do que se "prometia", o horário preferencialmente diurno manteve-se. O sucesso foi tal que a concorrência disparou, uns quarteirões mais à frente: Ao lado do referido Cinema surgiria a "Caves Mundial" (mais tarde, Black Tie). Em dias de maior afluência era aberta a porta que fazia a ligação entre salas e passava a haver mais opções de som e ambiente.

À medida que o fenómeno se popularizava, as matinés, que eram exclusivo de sábados e domingos, estenderam-se a alguns dias de semana, nomeadamente às quartas-feiras, despertando nos estudantes o gosto pela "gazeta" e pela saída clandestina sem conhecimento parental.

No livro LX 80, Joana Stichini Vilela escreve: "Pode não ser possível saber quantos primeiros beijos houve nas matinés do Loucuras, ao Rato, mas apostamos que a maior parte aconteceu durante o slow final pouco antes das oito da noite". Muito procurado pelos alunos do vizinho Liceu Pedro Nunes, o Loucuras, propriedade do radialista José Nuno Martins, situava-se muito perto do Largo do Rato, no princípio da Avenida Álvares Cabral, e ocupava o espaço que, desde os anos 30, fora preenchido por uma sala de espetáculos cheia de tradições, o Jardim Cinema.

Aos poucos, a geografia destas matinés ampliou-se, passando a cobrir vários bairros e públicos. Assim apareceram, entre outros, o Brown"s (na Avenida de Roma, onde os UHF deram o seu primeiro concerto em 1975), Pathé (em Arroios), Skylab (Rua da Artilharia 1), Voxmania (próximo da Avenida Roma, onde veio a ser o Cinema King), Central Park (dentro do Centro Comercial São João de Deus, junto ao Saldanha) ou a Danceteria Lido na Amadora. No próprio Autódromo do Estoril chegaram a fazer-se matinés dançantes, que dariam lugar à discoteca 2001. De acordo com a bolsa e o perfil dos jovens frequentadores, o guarda-roupa vinha, ora das boutiques das Avenidas Novas, ora dos míticos Porfírios, não faltando as perneiras de lã e os jeans pré-lavados. A música ia desde os grandes sucessos das boy"s bands da época, como os Spandau Ballett ou Duran Duran, êxitos da televisão ou cinema como Fame ou Flashdance, ou, mais alternativamente, a bandas punk como os Joy Division ou The Clash. Mas o novo rock português também não tardaria a conquistar as pistas de dança.

Esta moda passou, no final da década, quando estes adolescentes cresceram e passaram a alimentar um novo fenómeno: as noites do Bairro Alto, em Lisboa, ou da Ribeira do Porto. Doravante, as matinés dançantes passariam a ser encaradas como um cenário melancólico, com algo de felliniano, essencialmente frequentado por reformados ou por praticantes de danças de salão que jamais trocariam uma tarde na Alunos de Apolo por programa mais moderno.

Esta tendência, porém, começou a inverter-se nos últimos anos, quando a ameaça de uma pandemia, se evocada, nos pareceria um cenário completamente distópico. Exemplo disso mesmo foram as tardes de dança que, em 2016, a radialista Inês Maria Meneses animou na discoteca Lux, em Lisboa, a que deu o nome de "Dança com Ela" (em alusão ao seu programa de entrevistas, "Fala com Ela"). Iniciadas às 18 horas de domingo, a música tocou até de madrugada, sempre de casa cheia. Como se não houvesse segunda-feira.

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