Dexametasona é o maior avanço contra o vírus? Calma, diz o Infarmed

Um grupo de investigadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, acredita que a dexametasona é o primeiro fármaco com resultados positivos no tratamento de doentes graves com covid-19 e o ministério da Saúde britânico quer disseminar a sua utilização. No entanto, estes dados ainda não foram avaliados de forma independente. Ao DN, a Autoridade do Medicamento em Portugal lembra que se trata de "resultados preliminares" e promete acompanhar a situação.

Da família dos corticoides, a dexametasona é prima de medicamentos como a hexametasona ou a betametasona, disponíveis em qualquer farmácia em pomadas e comprimidos para tratar desde doenças respiratórias, reumáticas, de pele a picadas de insetos. É barata e"há às toneladas em todo o lado", explica, ao DN, o infeciologista Jaime Nina, sobre o fármaco apontado como uma esperança para o tratamento da covid-19.

O anti-inflamatório é um dos medicamentos incluídos em ensaios clínicos mundiais dedicados ao novo coronavírus e, segundo uma equipa de investigadores da Universidade britânica de Oxford, já com resultados que mostram uma diminuição da mortalidade em doentes graves a tomar dexametasona. Ao início da noite, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, chamou-lhe mesmo "o maior avanço" contra a covid-19 até ao momento.

Já o Infarmed aconselha mais calma. E lembra, em resposta ao DN, que "as informações do ensaio clínico Recovery, a decorrer no Reino Unido, dão nota dos resultados preliminares".

Por isso, para a Autoridade do Medicamento portuguesa ainda é cedo para tomar uma posição mais firme sobre a recomendação ou não deste fármaco também em Portugal, no contexto da pandemia de covid-19. "O Infarmed está a acompanhar esta situação aguardando de momento a publicação na íntegra dos resultados", dizem.

Segundo a investigação, realizada com cerca de dois mil doentes no Reino Unido, o esteroide, tomado via oral, intravenosa ou com aplicação externa, diminuiu a inflamação dos doentes internados por causa da covid-19 e reduziu a letalidade em um terço, no caso das pessoas ligadas a ventiladores. Já os que estão apenas a receber oxigénio terão visto a probabilidade de morte reduzida em um quinto, de acordo com um documento do grupo de trabalho britânico, divulgado esta terça-feira.

A dexametasona é um derivado simples da cortisona (uma hormona natural), usada como anti-inflamatório e "pode ser uma manobra que salva vidas", aponta o infeciologista Jaime Nina, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).

"Os corticoides são medicamentos que diminuem a resposta imunitária e a base da sua utilização na covid está relacionada com os doentes mais graves, que muitas vezes têm danos muito para além dos provados pelo vírus. ​​​​​Assim, dar corticoides para diminuir a resposta imunitária faz algum sentido, mas são medicamentos de alto risco, que só devem ser utilizados em ensaios clínicos", ou seja em ambiente controlado, alerta o especialista.

Apesar de ter benefícios comprovados e integrar a lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial de Saúde, estes fármacos apresentam efeitos secundários "perigosos", como insuficiência cardíaca, disfunção renal ou diabetes.

Universidade de Oxford fala numa redução da mortalidade em um terço nos cuidados intensivos

O estudo da Universidade de Oxford, parcialmente financiado pelo governo britânico, ainda não foi avaliado de forma independente, mas um relatório preliminar, divulgado esta terça-feira, aponta vantagens claras na adoção do fármaco em doentes graves com covid.

"Um total de 2104 pacientes foram escolhidos de forma aleatória para receber dexametasona uma vez por dia (por via oral ou através de injeção intravenosa) durante dez dias. Estes foram comparados com 4321 pacientes, escolhidos da mesma forma, que receberam apenas os cuidados habituais [para doentes covid]. Entre os pacientes que receberam os cuidados normais, durante 28 dias, a taxa de mortalidade foi mais alta do que no grupo que necessitou de ventilação (41%), nos que apenas precisaram de oxigénio (25%) e menor entre aqueles que não necessitaram de intervenção respiratória (13%)", pode ler-se no documento agora divulgado, citado pela BBC.

"Este é um resultado extremamente bem-vindo. O benefício para a sobrevivência é claro e imenso em pessoas doentes o suficiente para necessitar de tratamento com oxigénio. A dexametasona deve tornar-se um medicamento padrão para ser usado no tratamento a estas pessoas. A dexametasona é barata, está disponível, e pode ser usada imediatamente para salvar vidas em todo o mundo", apontou Peter Horby, professor de doenças infecciosas emergentes na Universidade de Oxford e um dos principais responsáveis pelo ensaio clínico.

Os investigadores estimam ainda que se a dexametasona estivesse a ser usada desde o início da pandemia poderia ter salvado mais cerca de cinco mil vidas no Reino Unido, país que tem quase 42 mil vítimas mortais por causa da covid-19.

Tendo em conta estes resultados, o ministro da saúde britânico, Matt Hancock, anunciou que a Grã-Bretanha começará imediatamente a dar dexametasona aos doentes com coronavírus. Hancock referiu ainda que o país começou a armazenar amplamente o medicamento quando o seu potencial se tornou aparente há três meses. "Como vimos os primeiros sinais do potencial da dexametasona, estamos a armazenar desde março", afirma, num vídeo divulgado no Twitter.

Desde março deste ano que foi criado um estudo no Reino Unido para testar uma variedade de fármacos utilizados para tratar outras doenças com o objetivo de encontrar que um pudesse ser aplicado na covid. Para além dos testes com dexametasona, foram ainda usados o ritonavir, o antibiótico zitromicina ou a polémica hidroxicloroquina - entretanto desaconselhada.

OMS fala em "avanço científico"

Para o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), o estudo britânico é um "avanço científico". Tedros Adhanom Ghebreyesus referiu-se, esta terça-feira, à dexametasona como o "primeiro tratamento comprovado que reduz a mortalidade em pacientes" que apenas conseguem respirar com recurso a um ventilador.

"São boas notícias e congratulo o Governo britânico, a Universidade de Oxford e os muitos hospitais e pacientes no Reino Unido que contribuíram para este avanço científico que salvou vidas", acrescentou o responsável pela OMS.

Vacina com abordagem inovadora inicia testes clínicos no Reino Unido

Até ao momento, ainda não existe um tratamento único aprovado para combater a covid, nem uma vacina, apesar das dezenas de tentativas e fórmulas em fase de teste. No Reino Unido, cientistas da universidade Imperial College London vão iniciar, esta semana, testes clínicos em humanos com o objetivo de ter um produto final em 2021, anunciou a instituição.

Nas próximas semanas, 300 voluntários vão receber duas doses da vacina e se esta produzir uma resposta imunológica promissora serão feitos testes maiores no final do ano com cerca de 6 000 voluntários para testar a eficácia.

A primeira fase de testes vai pôr à prova uma nova técnica com "potencial para revolucionar o desenvolvimento de vacinas e permitir que os cientistas respondam mais rapidamente a doenças [infecciosas] emergentes", destaca o instituto, em comunicado.

Em vez de usar o método tradicional de inocular pessoas com uma forma enfraquecida ou modificada do vírus, este projeto adota uma nova abordagem, que usa filamentos sintéticos de ARN com base no material genético do vírus. Uma vez injetado no músculo, o ARN auto-amplifica-se, gerando cópias de si próprio, e instrui as células do próprio corpo a produzirem cópias de uma proteína espinhosa encontrada na parte externa do vírus.

Este processo pretende treinar o sistema imunológico a responder ao novo coronavírus para que o corpo possa reconhecê-lo facilmente e defender-se contra a covid-19 no futuro.

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