As quatro grandes questões da covid para as quais ainda não há respostas claras
São toneladas de conhecimento, hipóteses e experiências. Nos últimos meses, muita foi a informação recolhida pelos cientistas espalhados por todo o mundo sobre o vírus SARS-CoV-2, que deu origem à doença covid-19, mesmo assim continuam a faltar respostas claras a algumas das principais perguntas da pandemia. Como se transmite o vírus? Qual é o papel dos assintomáticos? Quem é imune e quanto tempo dura a imunidade? Que impacto tem o vírus a longo prazo nos infetados?
Para muitas das perguntas não chegam as formulações científicas, será preciso tempo. Tempo para confirmar o verdadeiro impacto da pandemia, descoberta na China no final do ano passado, e que provocou mais de 568 mil mortes entre quase 13 milhões de infetados em todo o mundo. Cura ainda não há, nem sequer um tratamento comprovadamente eficaz contra a doença.
As formas de transmissão do vírus voltaram a estar, esta semana, no centro das atenções, depois de 239 cientistas de 32 países terem dirigido uma carta à Organização Mundial de Saúde (OMS) em que apontavam evidências de que a covid-19 pode ser transmitida através de pequenas gotículas suspensas no ar. Estes cientistas pediam ainda à autoridade de saúde que fossem alteradas as recomendações de proteção contra o covid-19, tendo em conta esta informação.
Na sequência da missiva, a OMS publicou, na quinta-feira, uma nova orientação na qual não descarta a possibilidade de transmissão pelo ar do novo coronavírus em espaços fechados e pouco ventilados, mas recomenda mais investigação sobre esta forma de contágio. "A transmissão de aerossóis de curto alcance, particularmente em locais fechados específicos, como espaços cheios e mal ventilados por um período prolongado de tempo com pessoas infetadas, não pode ser descartada", lê-se no documento da organização.
Mas mesmo que esta via de transmissão seja confirmada fica a faltar saber as circunstâncias exatas em que o vírus se poderá transmitir pelo ar e que carga viral tem de circular para que alguém seja infetado.
Apesar disto, a principal via de transmissão mantém-se; sendo o contacto próximo entre pessoas e, por isso, as autoridades de saúde continuam a pedir para que seja cumprido o distanciamento social (com um mínimo de 1,5 metros) entre as pessoas e na impossibilidade de respeitar esta regra impera a necessidade de utilizar uma barreira protetora - uma máscara, uma viseira.
Outra forma de contrair a covid-19 será através das superfícies e dos objetos, daí a importância da limpeza e da lavagem frequente das mãos, antes destas últimas se aproximarem das vias respiratórias (nariz e boca).
Um assintomático pode transmitir o vírus: é o que nos dizem as evidências científicas atuais. Aliás podem até ser veículos mais preocupantes de transmissão uma vez que, sem sintomas e em movimento, podem contribuir mais facilmente para espalhar a doença, sem se aperceberem. Começam agora a aparecer mais estudos sobre os assintomáticos, mas ainda está por perceber "até que ponto é que isso acontece e são necessárias mais pesquisas na área", admite a OMS, citada num artigo do jornal espanhol El País.
A própria OMS já recuou em afirmações sobre os assintomáticos, nomeadamente, quando a principal especialista da organização na resposta ao novo coronavírus, Maria Van Kerkhove, disse, em junho que a transmissão do vírus por pessoas assintomáticas seria "muito rara". Afirmação desmentida pela própria pouco depois.
Em Portugal, na quarta-feira, a diretora-geral da Saúde, em conferência de imprensa, reconheceu um "risco acrescido" entre os infetados sem sintomas porque não se protegem nem permitem que os outros se protejam. Graça Freitas disse ainda que não se sabe "exatamente o grau com que as pessoas assintomáticas propagam a doença", mas que "se há país onde as pessoas assintomáticas são detetadas é em Portugal", tendo em conta a política de testagem abrangente.
"Nós fazemos testes dirigidos a muitas pessoas assintomáticas. Estamos a investigar fortemente os surtos, quando detetamos um caso positivo, vamos à procura de mais casos", afirmou a diretora-geral da Saúde.
A imunidade será a questão que mais precisa de tempo para uma resposta. Só se saberá quanto tempo duram os anticorpos do vírus, por exemplo, à medida que os dias forem passando. No entanto, por agora, ainda estamos numa fase anterior, à procura de quem já tem anticorpos.
Em Portugal, começam agora a conhecer-se os primeiros resultados de inquéritos serológicos. O estudo levado a cabo pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) em todas as regiões do país encontra-se em fase de análise, devendo haver resultados preliminares até ao final deste mês. No entanto, tudo aponta para uma presença pouco significativa de anticorpos na sociedade portuguesa, à semelhança do que está a acontecer noutros países europeus também a estudar a imunidade de grupo. Em Espanha, os resultados do inquérito serológico nacional estimam que apenas cerca de 5% da população tenha estado em contacto com o vírus.
Os estudos ainda decorrem e provavelmente só daqui a alguns anos se terá mais certezas sobre as sequelas da covid-19 nos humanos. Mas os médicos e especialistas estão cada vez mais convencidos de que os efeitos da SARS-CoV-2 não são apenas sentidos a médio e longo prazo pelos doentes mais graves. Mesmo os que tiveram sintomas ligeiros ou foram mesmo assintomáticos podem vir a ter sequelas na sua saúde, como já indicam alguns estudos e análises. Fadiga, insónias e ansiedade são efeitos que infetados, que não precisaram de internamento hospitalar intensivo, podem sofrer, entre outros, até mais graves, que o curto tempo de existência do vírus ainda não permitiu ainda descobrir.
Ron Daniels, médico nos Hospitais da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, foi uma das pessoas infetadas com covid-19 logo no primeiro pico da doença em solo britânico. Teve apenas sintomas ligeiros, como tosse, e ultrapassou a doença. Mas não está convencido de que não tenha sequelas. "A tosse passou mas a falta de ar agora é recorrente. Por exemplo, costumo subir cinco ou seis lanços de escadas do hospital em vez de usar o elevador e agora ficou com mais falta de ar do que habitualmente acontecia. Noto isso, mas consigo subir as escadas da mesma forma", contou ao jornal inglês The Telegraph.
É um exemplo que pode acontecer a muitos infetados. Sentem que estão mais cansados ou com maior dificuldade de respiração e nem sempre ligam estas situações à doença. Existe mesmo a hipótese, por comprovar, de o mesmo suceder com assintomáticos. Não ter sintomas não é garantia de que não haverá consequências para a sua saúde. O ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, já alertou para este problema: "É realmente sério para uma minoria de pessoas que têm covid-19. Algumas têm efeitos a longo prazo que se parecem com uma síndrome de fadiga pós-viral."
"As sequelas a médio e longo prazo estão ainda por descobrir", disse ao DN Filipe Froes, pneumologista e consultor da Direção-Geral da Saúde, realçando que já se sabe existirem efeitos para a saúde dos doentes mais graves e que muito provavelmente vamos descobrir, "daqui a cinco ou dez anos", que também afeta os ligeiros e mesmo os assintomáticos.
"Sobre os assintomáticos não sabemos, mas perante a incerteza e a ignorância - é um vírus com seis meses - podemos antever a possível descoberta de sequelas tardias", aponta o médico. De resto, o conhecimento sobre a covid-19 está em permanente desenvolvimento desde o início do ano, período em que alastrou no planeta. "Está sempre a ser reformulado".
Com David Mandim