Alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet em segurança
A internet pode ser tanto mais um perigo para quem mais usufrui dela. No entanto, no que toca à segurança, os jovens alunos portugueses que já nasceram rodeados pelo mundo digital reconhecem ser aqueles que mais estão preparados para lidar com ele em segurança, comparativamente a outros países. A conclusão é do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS), divulgada esta terça-feira, no mesmo dia em que se celebra o Dia da Internet Mais Segura, em mais de 150 países a nível mundial.
O relatório, criado em 2013 sob a alçada da Associação Internacional para a Avaliação do Desempenho Educacional (IEA) - uma cooperativa internacional independente que elabora estudos comparativos em larga escala de contextos educacionais -, avaliou alunos do 8.º ano de 11 países diferentes. Além de Portugal, Chile, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Cazaquistão, República da Coreia, Luxemburgo e Uruguai.
Partindo da questão "Na escola, aprendeste a importância de... ?", o estudo procurou aferir quão bem as escolas preparam estes alunos para uma presença digital em segurança. Em três dos quatro parâmetros estudados sobre a segurança online, Portugal é campeão.
Feitas as contas, 73% dos estudantes portugueses deste ano de escolaridade dizem reconhecer a importância de mudar as senhas de acesso regularmente. Um valor acima da média global entre os países, situada nos 55%.
Já no que diz respeito à verificação da origem dos e-mails e da informação que recebem, em Portugal, 72% reconhece ter aprendido a importância desta prática na escola. Neste quadro, empata com o Cazaquistão, onde também 72% responderam positivamente. Ambos os países registam valores bastante superiores à média global de 49%.
Também 91% dos estudantes garante ter aprendido que deve fechar sessão ('fazer log out') em computadores partilhados com colegas, contra uma média de 81%.
Só quando o tema foi redes sociais é que os alunos portugueses foram batidos no ranking pela Finlândia. Enquanto 88% dos finlandeses garante ter aprendido como é importante fazer um uso responsável das redes sociais, em Portugal este número situou-se nos 85%. Ainda assim, dez pontos percentuais acima da média de 75% entre os 11 países em análise.
O resultado "não foi, de todo, surpreendente" para o especialista João Marôco. O professor universitário de estatística, análise de dados e métodos de investigação já coordenou estudos ICILS, mas também outros internacionalmente reconhecidos, como o PISA, TIMSS e PIRLS. A experiência fá-lo dizer, sem hesitar, que as conclusões espelham o que acontece na generalidade das escolas portuguesas.
"Sabemos que uma das áreas das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na qual os professores insistem é exatamente nas questões da segurança online e do ciberbullying. São preocupações das escolas e é bastante positivo que os nossos jovens estejam alerta para os perigos da vida online", disse, em entrevista ao DN.
Contudo, os resultados gerais do estudo mostram discrepâncias entre diferentes estatutos socioeconómicos dos alunos, em todos os países analisados. De acordo com o diretor executivo da AIE, "a importância de os alunos serem ensinados sobre o uso seguro da internet na escola é sublinhada por uma descoberta importante do estudo, que mostrou um fosso digital associado ao estatuto socioeconómico". Pode facilmente concluir-se através do ICILS que "os estudantes de origens socioeconómicas mais altas obtiveram notas significativamente maiores em informática e informação do que aqueles de origens mais desfavorecidas", continua Dirk Hastedt.
Uma teoria partilhada pelo analista João Marôco. De um ponto de vista generalizado, "a preocupação com a segurança online é transversal a outros países", o que muda é como se prepara os jovens em casa. "O mais surpreendente, quando vemos os nossos alunos a saírem-se tão bem relativamente a outros países, é que na maior parte deles a literacia digital dos pais é superior àquela que nós encontramos em Portugal", começa por explicar. Enquanto "os nossos alunos dizem que ouviram falar destas coisas [segurança online] na escola, os outros que participaram no estudo terão ouvido falar disto em casa", o que explicará a discrepância que Portugal regista em relação aos restantes países incluídos no estudo.
Quanto melhor estão os pais preparados para funcionar com a tecnologia em segurança, mais segura será a utilização que os filhos farão também da tecnologia, frisa o especialista. "Por serem pessoas com mais literacia digital, terão mais cuidado quando oferecerem o primeiro tablet aos filhos, por exemplo", acrescenta.
Contudo, o especialista lembra que "por ser aquilo que [os alunos] responderam [no estudo], não significa que o pratiquem".
O Dia da Internet Mais Segura será celebrado, esta terça-feira, em várias escolas do país, ao abrigo que diversas atividades "no âmbito da cidadania digital", informou o Ministério da Educação. O programa estará integrado "no plano de prevenção e combate ao bullying e ao ciberbullying", lançado pela tutela em setembro do ano passado.
Ainda em outubro do ano passado, o governo lançou o plano Escola Sem Bullying. Escola sem violência , de forma a "dotar as comunidades educativas de uma série de instrumentos que ajudem a prevenir e combater esta nova forma de violência, sobretudo entre os mais jovens", lembra. Durante todo o ano letivo, o Centro de Sensibilização SeguraNet, da Direção-Geral da Educação (DGE) promove campanhas de sensibilização, formações e concursos para estimular o conhecimento sobre uma presença online mais segura e responsável.
Ainda que sejam considerados "nativos digitais", a maioria dos jovens de 13 e 14 anos da amostra do ICILS 2018 mostra não ter assim tanta habilidade a usar as tecnologias de informação. Os dados, revelados em novembro do ano passado, com a amostra de três mil estudantes de 215 escolas portuguesas que participaram neste estudo, mostram que só 1% deles mostra ser capaz de selecionar informação mais relevante e de avaliar a utilidade e fiabilidade da informação para criar produtos de informação.
Ainda em Portugal, só 20% dos alunos portugueses mostrou ser capaz de trabalhar de forma independente com computadores. Mas as conclusões parecem refletir-se globalmente. Entre todos os 46 mil jovens questionados para o ICILS, proveniente de 12 países diferentes, só 2% demonstrou ter capacidade para aceder de forma critica a informação online. O que mostra que estes nativos digitais não estarão assim tão preparados para trabalhar e viver num mundo digital.
Um cenário que, segundo João Marôco, tem refletidos os problemas sentidos nas escolas nas últimas décadas: desde a escassez de professores de informática à falta de material. Para estimular o "pensamento computacional" é preciso "que os jovens tenham recursos informáticos", na melhor das hipóteses "um computador por cada um ou dois alunos", com "software adequado". O que não se verifica nas escolas portuguesas, sublinha, onde a realidade numérica está bastante distante da ideal: segundo o relatório "Educação em Números 2019", da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), atualmente há um computador por cada sete alunos.
Não só os equipamentos estão em falta, como os que existem "estão obsoletos" e a ligação à internet é limitada., lembrou João Marôco. Uma queixa "generalizada entre professores", que "até gostavam de usar mais as TIC em contexto de sala de aula, mas sentem necessitar do apoio da escola não só em termos de formação como de equipamento".
O Ministério da Educação garante que a melhoria dos recursos é uma das suas principais bandeiras para a atual legislatura. Em comunicado, a tutela escreve que, "no âmbito do Orçamento do Estado 2020, vai avançar com uma iniciativa nacional para a melhoria da internet nas escolas, que passa pelo apetrechamento tecnológico e pelo aumento e melhoria dos equipamentos de computação."