Alunos mais pobres em cursos de menor prestígio. "Estamos a remar contra a sociedade toda"
Os estudantes vindos de famílias mais favorecidas e cujos pais têm mais habilitações académicas são também aqueles que entram em cursos com mais prestígio. O contrário acontece com os alunos oriundos de famílias pobres e filhos de pais com menos formação, que acabam em cursos com médias mais baixas. As conclusões são do estudo A Equidade no Acesso ao Ensino Superior, realizado pelo Edulog, think tank da Fundação Belmiro de Azevedo, apresentado esta quarta-feira.
Em entrevista ao DN, o professor Rui Correia, eleito o melhor do ano na sua profissão, escolhe frisar que a culpa não está nas escolas, mas sim num ambiente familiar não preparado para motivar os filhos para a educação. Este conjunto de dados "não serve de nada no que diz respeito às práticas dentro de uma sala de aula". "Estamos a remar contra o resto da sociedade toda. E a maré é poderosa", explica o docente das Caldas da Rainha, referindo-se às famílias.
Rui, de 53 anos, há duas décadas que leciona os 2º e 3º ciclos numa escola das Caldas da Rainha onde os problemas socioeconómicos das crianças as fazem acreditar que não são capazes de ser bons alunos. Mas há largas exceções à regra, segundo conta. Apesar de esta "já ser uma realidade conhecida há bastante tempo" pelo docente, lida com várias situações "em que os alunos claramente com menos capacidades socioeconómicas se revelaram excelentes alunos". Lembra uma particularmente, filha de mãe solteira e varredora nas ruas, que "é uma aluna brilhante". "Porque o ambiente familiar o permitiu" e, nestes casos, o estudo "é injusto com todos que vêm de famílias mais desfavorecidas".
Há uma "relação direta" entre os resultados escolares de um aluno e "a consideração que é dada à cultura dentro do ambiente familiar", mais do que as condições socioeconómicas familiares, explica. "Aquilo que noto - e estou a lembrar-me de casos muito concretos - é que a atenção que é dedicada à importância da educação e da cultura dentro de uma casa é o fator mais poderoso na determinação do sucesso de um aluno".
Porque aprender é um processo que dura "a vida inteira" e se o ambiente familiar em que o aluno cresce "não é um ambiente em que querer aprender seja algo considerado e importante", então o aluno não irá estar disponível para aprender. "Temos de dar condições às nossas crianças para quererem aprender, saber coisas. Não é a escola que falha, é cada família a falhar", alerta.
Ainda no mesmo estudo, é revelado que os estudantes filhos de pais mais pobres optam por ingressar em institutos politécnicos, enquanto os que chegam de famílias mais favorecidas vão para as universidades. Sobre este dado, Rui considera que é uma lógica que perpetua uma sociedade não inclusiva. "Enquanto tivermos esta lógica das coisas, não vamos conseguir evoluir. Diz-se que os maus alunos vão para o ensino profissional ou para o politécnico. Estamos a falar das pessoas que vão determinar grande parte das nossas vidas. E a dignidade destes cursos e estabelecimentos tem de ser a mesma".
Rui Correia critica a densidade de diagnósticos na área da educação e a falta de ação perante os mesmos. Estatísticas? "São para os decisores políticos tomarem consciência de duas ou três coisas", disse. "Este estudo vem recordar o óbvio. E vem recordar outro óbvio: sabendo nós disto há muito tempo, continuamos a não alterar as nossas práticas, que devem ser inclusivas.". E, para o professor, é mesmo tudo uma questão de inclusão.
Uma mensagem que garante que as escolas, um pouco por todo o país, já trabalham junto dos estudantes. E critica a falta de atenção do Governo sobre a voz que os estabelecimentos de ensino têm na educação. "Não se ouve as escolas, não têm voz dentro daquilo que é a definição de praticas políticas", remata.
"De diagnósticos estamos cheios. O que nos interessa é saber qual o envelope de ação que concretamente pode ajudar os alunos. E o mal destes estudos é que eles são cobardes. Porque não dizem quais as 36 práticas que devem ser postas em curso - não são duas nem dez - para ajudar também as escolas a ter ação sobre esta realidade", lamenta. A realidade inverte-se, de acordo com o professor, com o investimento em mensagens de inclusão, mas sobretudo "ao não guardar as questões da cultura para os fins dos telejornais".
A 'batata quente' está agora do lado do Ministério da Educação. "É o Ministério que tem de dar uma resposta a isto. Porque as escolas vão dar, não tenho dúvidas. As escolas são as únicas a assustar-se com estes números."