Hélder Postiga
Quando se encontra, na casa dos pais, com o irmão mais novo, logo a bola irrompe. Uma bola que fomenta cumplicidades. Hélder Postiga , como se fosse outra vez um miúdo, transforma meia porta da garagem em baliza. Neste jogo, onde o afecto suplanta a pontaria, há vasos de flores que caem ao chão e se partem. Mas Alice, a mãe, embevecida com a regresso do filho, tudo perdoa. E Hélder, nesse dia, se fica para jantar, terá o repasto que mais gosta: "O bife com batatas fritas da mãe", ou petinga (sardinha pequenina) e arroz de tomate.
O irmão do Hélder é o Zezito (nove anos), frequenta a "escolinha" de futebol do Varzim. "Já marcou 55 golos", diz o orgulhoso pai, Manuel Postiga . "O Zezito joga no limite, mais rápido que o irmão, é o verdadeiro ponta-de-lança." Zezito é orientado por António Cacheira, o mesmo treinador de Postiga quando este iniciou a carreira nas camadas jovens do Varzim.
"Era um miúdo espectacular, irreverente, amigo do amigo". Neste esboço do retrato, António Cacheira acrescenta outro traço: era um miúdo orgulhoso. O jovem avançado cresceu, marcou muitos golos no FC Porto, depois de Octávio Machado o ter promovido à primeira equipa. Treinado por José Mourinho, ainda nas Antas, ergueu os primeiros troféus a nível nacional e europeu.
O menino "orgulhoso" - traço da personalidade que o pai, Manuel Postiga , confirma - hoje é uma das estrelas do futebol português. Esse estatuto, no entanto, não afasta nem dribla as suas amizades antigas. A António Cacheira telefona com alguma frequência, e pede alguns conselhos: "Ele sabe, o que eu sinto é pelo coração", refere o amigo e treinador da "escolinha" do Varzim.
Nos primeiros anos, entre o fascínio pelo futebol e a escola não houve qualquer incompatibilidade. A mãe do futebolista, Alice Postiga , classifica-o de "bom aluno". Como caxineiro que é, Postiga além do paixão de emaranhar a bola nas redes da baliza, não esconde, desde a infância, a paixão por outras redes: as de pesca, as do barco do seu pai, que, com vinte pescadores, levanta ferro pela noite para o alto mar e regressa pela manhã. "A partir dos dez anos, nas férias, foi muitas vezes comigo à pesca", conta Manuel Postiga . Já futebolista da primeira equipa do FC Porto manteve esse gosto de, uma ou outra vez, ajudar o pai na faina. Quando menino, gostava também da pesca à linha.
Manuel e Alice assistiram a todas as partidas do filho, nos escalões jovens. Quando o Hélder passou a sénior, abandonaram as bancadas. "Só vi um ou dois jogos, ficava muito nervoso", diz o pai. Por outro lado, "ele não gostava que a gente o fosse ver". E a sua vontade tem sido cumprida. O bom filho, no final dos jogos, telefona sempre para casa: "Gosta de ouvir as nossas críticas." Mas só o Zezito, o irmão mais novo, é imparcial e implacável nos comentários.
Perfil
Hélder Postiga, Avançado do FC Porto
Nasceu a 2 de Agosto de 1982, nas Caxinas, Vila do Conde
Inicia a formação no Varzim Sport Club
Mais tarde entra para os juvenis do FC Porto. Ascende à equipa principal no tempo de Octávio Machado. Com Mourinho, vence o campeonato e a Taça UEFA. Passa pelo Tottenham (Inglaterra) e Saint-Etienne (França). Regressa ao FC Porto
Na passagem pelas camadas jovens do FC Porto, há um episódio que Hélder Postiga ainda não esqueceu. Um dia, antes do treino, no percurso entre a estação dos comboios da Trindade e as Antas, foi assaltado. Roubaram ao aprendiz de goleador o lanche, que trazia de casa, e dinheiro. O telemóvel não, porque na altura telemóvel não havia. A partir daí, durante um ano, Postiga passeava-se pelas ruas do Porto apenas com uma moeda de cinco escudos no bolso. A moeda era para pagar a chamada numa cabina telefónica. E essa mesma moeda, conta Manuel Postiga , o pai do jogador, serviu para o futebolista avisar a mãe durante um ano! Hélder é lesto de pés e não menos ágil de mãos: colocava a moeda na ranhura, discava o número... ao primeiro toque, sacava a moeda, prestes a ser engolida. Pela hora em que o telefone retinia, a mãe ficava a saber se o filho havia ou não perdido o comboio. A mensagem, sem palavras, determinava a hora de chegada de Hélder Postiga à estação da Póvoa de Varzim.
A primeira expulsão do miúdo orgulhoso
Avançou para a baliza, driblou um defesa, outro, o terceiro também... mas aqui só a bola seguiu caminho. O avançado caía por terra, na grande área: falta digna de castigo máximo, e o árbitro não viu. Ou não quis ver, terá pensado o juvenil Hélder Postiga . Depressa cresceu para o juiz da partida e lhe chamou um nome feio. E o árbitro mandou-o ir tomar banho mais cedo. Assim aconteceu a primeira expulsão de Postiga , num escaldante Varzim-Rio Ave. Escaldante porque, entre estes dois grupos vizinhos, a rivalidade futebolística começa nos infantis. "O Hélder era muito nervoso", diz o pai. E a sua equipa, o Varzim, perdia por três a zero! Manuel Postiga viu esse jogo e também não teve dúvidas de que houve penalty. A expulsão deixou marcas no orgulho do menino das Caxinas. Durante quinze dias não apareceu aos treinos. Mas a sabedoria de António Cacheira, o treinador na altura, atenuou a mágoa. "Não podia perder o miúdo para o futebol".