Cardeais no Vaticano
Cardeais no VaticanoEPA/FABIO FRUSTACI

Vaticano reafirma nega à ordenação de mulheres como diáconas: relatório aponta falta de consenso

Comissão criada pelo papa Francisco concluiu, após quatro anos de trabalho, que não há consenso histórico nem teológico para avançar com essa hipótese
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A segunda comissão criada pelo Vaticano, em 2021, para estudar o possível acesso das mulheres ao diaconado concluiu, após quatro anos de trabalho, que não existem condições para avançar. O relatório, entregue a Leão XIV em setembro e agora tornado público pela Santa Sé, afirma que “o estado da questão em volta da pesquisa histórica e da investigação teológica, consideradas nas suas implicações mútuas, exclui a possibilidade de avançar na direção da admissão das mulheres ao diaconado entendido como grau do sacramento da Ordem”.

O documento acrescenta que, tal como no caso da ordenação sacerdotal, não é ainda possível “formular um julgamento definitivo”. A comissão, presidida pelo cardeal italiano Giuseppe Petrocchi, reconhece que o tema continua sensível e teologicamente complexo. Por isso, sustenta que a Igreja deve manter “uma linha de avaliação prudente sobre o tema do diaconado feminino”.

O relatório recorda que, ao longo dos séculos, existiram mulheres chamadas diaconisas, mas sem equivalência ao diaconado atual, e cita uma conclusão da primeira comissão criada em 2016: “A Igreja reconheceu o título de diácono/diaconisa em vários tempos, em vários lugares e de várias formas, mas atribuindo-lhe um significado não unívoco.”

Agora, a segunda Comissão, chegou unanimemente à elaboração da seguinte tese, escreve Petrocchi, em missiva dirigida a Leão XIV: “No atual estado da investigação histórica e do nosso conhecimento dos testemunhos bíblicos e patrísticos, pode-se razoavelmente afirmar que o diaconato feminino, que se desenvolveu desigualmente nas diferentes partes da Igreja, não foi entendido como o simples equivalente feminino do diaconato masculino e não parece ter tido um caráter sacramental”.

Dois caminhos teológicos, nenhum consenso

O cardeal Petrocchi identifica uma tensão constante entre duas correntes teológicas presentes nos debates.

A primeira corrente diz que o diácono é ordenado para o serviço e não para o sacerdócio. Em latim, isto descreve-se como ad ministerium (para o ministério) e não ad sacerdotium (para o sacerdócio).

Segundo esta visão, o diácono não é um “padre de segunda categoria”. É alguém que serve a comunidade de formas muito concretas - na caridade, na liturgia e no anúncio da Palavra - mas não tem o papel sacerdotal propriamente dito. Assim, se o diaconado é sobretudo um ministério de serviço, então, defendem alguns teólogos, não haveria razão para excluir as mulheres, porque homens e mulheres podem servir da mesma forma.

Já a segunda corrente olha para o sacramento da Ordem como um todo indivisível, com três graus ligados entre si: diácono, padre e bispo. Esta visão sublinha também o chamado “significado esponsal” do sacramento, ou seja, a ideia simbólica de que o ministro ordenado representa Cristo (figura masculina) no seu relacionamento com a comunidade da Igreja (feminino).

Para os teólogos que seguem esta linha, se o sacramento é uno e tem esta dimensão simbólica masculina, então não faria sentido abrir o primeiro grau (o diaconado) às mulheres, enquanto o segundo e o terceiro (sacerdócio e episcopado) continuariam fechados. Por isso, rejeitam a hipótese do diaconato feminino.

Ou seja, uma visão entende o diaconado como um serviço que pode ser exercido por homens e mulheres; a outra entende o diaconado como parte inseparável do sacerdócio e, por isso, exclusivamente masculino.

 Dez anos depois da primeira comissão anunciada pelo papa Francisco, a situação mantém-se praticamente no mesmo ponto. A falta de convergência levou esta segunda comissão a concluir que a Igreja só deve avançar após um “exame crítico rigoroso e alargado sobre o diaconado em si mesmo, ou seja, sobre a sua identidade sacramental e a sua missão eclesial”.

Abertura parcial: mais ministérios para mulheres

Apesar do não ao diaconado feminino, a comissão votou quase por unanimidade a favor do alargamento dos ministérios instituídos abertos às mulheres.

O documento diz que agora cabe aos responsáveis da Igreja decidirem que novos serviços ou funções podem ser criados para responder às necessidades das comunidades de hoje.

Estes novos ministérios seriam formas oficiais de reconhecer e valorizar o trabalho que muitos fiéis já fazem, sobretudo as mulheres, que em muitas paróquias sustentam grande parte da vida pastoral.

O texto do cardeal Petrocchi diz que este gesto seria um “sinal profético”, especialmente em lugares onde as mulheres ainda enfrentam desigualdade ou discriminação.

Petrocchi defende, no comentário final, a necessidade de continuar o estudo do tema com prudência, mas também com abertura, e sublinha que a diversidade de posições teológicas mostra que o debate ainda está longe de um ponto de chegada.

Leão XIV: tema continuará em aberto

O próprio papa Leão XIV já tinha indicado que não esperava mudanças rápidas. Na sua primeira entrevista como pontífice, ao portal norte-americano Crux, recordou que a questão do diaconado feminino é estudada “há muitos anos” e que “continuará a ser um problema”, recorda o portal Ecclesia.

Na entrevista, o atual chefe da Igreja Católica questionou ainda: “Por que falaríamos em ordenar mulheres ao diaconato se este, em si mesmo, ainda não é bem compreendido e não foi adequadamente desenvolvido e promovido dentro da Igreja?”

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