Tribunal rejeitou queixa de jovens portugueses. "Estamos desiludidos mas orgulhosos"
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) considerou “inadmissível” o caso dos seis jovens portugueses contra Portugal e mais 31 países por estes não terem recorrido em primeiro lugar aos tribunais nacionais e por os outros 31 estados não terem obrigações extraterritoriais para com os jovens. Dos três casos decididos ontem em tribunal, o TEDH apenas decidiu a favor do caso apresentado por uma associação de idosas suíças, considerando que os seus direitos humanos estão a ser prejudicados pela crise climática e pelo fraco esforço da Suíça em reduzir as emissões.
Apesar de o processo português não ter avançado, o tribunal reconheceu que as alterações climáticas são um problema que os países “têm o dever” de abordar e encontrar medidas para mitigar.
“Apesar de a decisão não ter sido favorável a nós e de estarmos desapontados, hoje estou orgulhoso do que alcançámos, porque os juízes reconheceram que as alterações climáticas são uma ameaça existencial para a humanidade e um desafio intergeracional. Estivemos hoje no tribunal com as mulheres suíças, mostrando o quão poderoso pode ser o trabalho conjunto”, afirmou Martim Duarte Agostinho, de 21 anos.
“Não partimos o muro, mas abrimos uma grande fenda. Quero ver a vitória contra a Suíça ser utilizada contra todos os países europeus e nos tribunais nacionais. Todos os governos da Europa devem atuar imediatamente com base nesta decisão. E agora precisamos que as pessoas de toda a Europa se unam para garantir que os seus países o façam”, afirmou Catarina dos Santos Mota, de 23 anos.
O TEDH considerou existir jurisdição territorial em relação em Portugal mas não em relação aos outros 31 países acusados. O tribunal considerou que não era possível imputar a uns países fenómenos climáticos adversos ocorridos em outros Estados, considerando que uma deliberação nesse sentido, ainda que exclusiva a processos relacionados com as alterações climáticas, ia abrir um precedente com implicações inimagináveis, já que colocava em causa a soberania e as limitações geográficas de cada país. Um dos argumentos apresentados pelos jovens para justificar a jurisdição em relação aos países da União Europeia foi o facto de que terem cidadania portuguesa lhes dá automaticamente cidadania europeia. O tribunal determinou que esta posição interpretou erradamente o conceito de cidadania europeia, uma vez que a jurisprudência do tribunal não tem controlo “sobre o território onde os requerentes estavam a sofrer os alegados impactos das alterações climáticas, nem sobre os próprios requerentes”.
O tribunal deliberou também que os jovens não esgotaram todas as vias legais que tinham em Portugal antes de recorrer a esta instância europeia. A passagem pelas instâncias nacionais permitiria que o caso tivesse provas mais concretas das acusações feitas, incluindo a atribuição do estatuto de vítima, que também foi excluída.
O Ministério do Ambiente e Energia assumiu, ontem após ser conhecida a decisão, que a ação climática é uma prioridade deste governo, que está “profundamente comprometido” em cumprir as metas para a redução da emissão de gases poluentes.
Maria da Graça Carvalho, a ministra do Ambiente e Energia, afirmou que “esta pronúncia não diminui” a ambição e a responsabilidade do país para com a ação climática. “Tem sido feito um esforço legislativo importante, a nível europeu e a nível nacional, nesta área. Portugal tem objetivos ambiciosos para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, ambicionando atingir a neutralidade carbónica até 2045, cinco antes das metas definidas pela UE” , refere a ministra em comunicado. O Governo adianta ainda que este Executivo tem no seu programa diversas medidas “que irão contribuir para a descarbonização, ao mesmo tempo que cria riqueza e desenvolve uma economia de futuro”.
Os estudantes da Greve Climática Estudantil afirmaram que este caso “não iria garantir os resultados necessários. Os processos institucionais não vão acabar com os combustíveis fósseis, pois estes são um dos pilares do sistema económico e social em que vivemos”.
Consideraram ainda que as “pequenas vitórias” não são suficientes para impedir o colapso climático. “Já não podemos pedir por favor a quem nos está a condenar há décadas e esperar que vão mudar”. Estes estudante s adiantaram que uma transição justa só é possível “enfrentando de frente o poder que nos empurra para o colapso”.
Em setembro do ano passado o caso foi apresentado no Tribunal Pleno (Grand Chamber) do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, depois de quatro anos de preparação e três de troca de argumentos escritos entre os jovens e os países acusados. O caso recebeu a qualidade de prioritário pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por se tratar de “uma questão séria” à luz da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
“Avós pelo clima” vencem caso contra a Suíça
O caso apresentado por uma associação constituída por mulheres seniores contra a Suíça foi o único de três processos por inação climática que saiu vitorioso do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH).
A associação de mulheres seniores imputou à Suíça a violação de vários artigos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Para a maior parte das acusações não houve admissibilidade de prova, mas o TEDH reconheceu que a Suíça violou o artigo 8.º. Este aponta que “qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência” e que “não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito”, exceto em questões previstas, nomeadamente a segurança nacional e a prevenção de infrações penais.
Neste sentido, o TEDH concluiu que os países têm de “adotar e colocar em prática decisões capazes de mitigar os efeitos existentes e potencialmente irreversíveis das alterações climáticas”.
“Esta obrigação advém da relação casual entre as alterações climáticas e o aproveitamento dos direitos da Convenção”, admitiu o coletivo.
Este caso foi apresentado por quatro mulheres e pela associação Verein KlimaSeniorinnen Schweiz, cujos membros são mulheres idosas preocupadas com as consequências do aquecimento global para as suas condições de vida e de saúde e que consideram que as autoridades suíças não estão a tomar medidas suficientes para atenuar o efeito das alterações climáticas, apesar dos deveres incumbidos por força da Convenção.
O caso apresentado por Damien Carême, antigo presidente da Município de Grande-Synthe, contra França foi, tal como o caso dos jovens portugueses, considerado inadmissível. Damien Carême acusou França de não tomar as medidas suficientes para prevenir as alterações climáticas e que esta falha implicou uma violação do seu direito à vida e do seu direito ao respeito pela sua vida privada e familiar e pelo seu domicílio.
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