Com as férias judiciais a começar, o panorama desenhado por alguns atores da justiça é o mesmo de há sete meses, quando o ano judicial teve início oficialmente: a falta de recursos humanos. “A justiça tem alguns problemas conhecidos, sendo o principal a falta de recursos humanos, que está a ser combatida, mas que não está a ser fácil, pelo o que eu tenho verificado. Há falta de procuradores, há falta de funcionários judiciais, e é o suficiente para, muitas das vezes, apesar de até poder haver juízes disponíveis para tramitar o processo, basta não haver um procurador para não se poder fazer a diligência, no caso das audiências de julgamento”, explica a DN João Massano, presidente da Ordem dos Advogados (OA).A análise reflete a cadeia de problemas na Justiça, da base ao topo. Não sendo novo o problema da falta de meios humanos, a novidade é a maneira como o problema é combatido: internamente e com embates entre conselhos e entidades sindicais. No caso dos juízes administrativos, assim como dos magistrados do Ministério Público, a solução foi a movimentação interna de profissionais. Esta decisão, por parte do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), foi alvo de uma providência cautelar ingressada pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) - e rejeitada na segunda-feira. Perante esta situação, o CSTAF decidiu adiar esta decisão definitiva para setembro, após as férias judiciais. Segundo o CSTAF, a decisão de adiar levou em conta uma série de fatores. “Em virtude da incerteza criada e com o fundamento na necessidade de assegurar estabilidade da vida dos senhores juízes e suas famílias, em véspera de férias, bem como estando a ser respondidas várias audiências prévias entradas apenas nos últimos dias, o CSTAF por relegar para o mês de setembro a decisão sobre o Movimento Judicial de 2025”, destaca em nota enviada às redações. A única exceção é dos casos de juízes estagiários e dos juízes que tiveram a sua primeira colocação.Também no caso do Ministério Público, o próprio procurador-geral da República, Amadeu Guerra, já se pronunciou sobre a falta de profissionais. “O Ministério Público precisa muito de magistrados”, disse, com ênfase no “muito”, na cerimónia de conclusão da primeira fase do concurso de formação dos magistrados esta tarde. Para colmatar esta falta de profissionais, o Conselho Superior de Magistrados do Ministério Público (CSMP), teve como opção promover transferências e promoções internas, a chamada movimentação. Logo após a deliberação ter sido publicada, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) contestou a medida. Ao DN, o presidente do sindicato, Paulo Lona, disse que, ao iniciar o ano judicial, quando já falava da falta de meios, não imaginava que esta seria a tomada de posição do CSMP. “Não era previsível, da nossa parte, pelo menos, que o Conselho Superior do Ministério Público fosse fazer uma coisa como a que fez, que era, por um lado, extinguir algumas vagas, transformando lugares efetivos em auxiliares, precarizando o trabalho dos magistrados”, explica Lona. Esta decisão motivou uma grande mobilização dos profissionais, com a realização de uma assembleia geral e uma greve, terminada ontem, que contou com grande adesão. Segundo o presidente do SMMP, esta semana será entregue uma ação cautelar para suspender os efeitos da medida. “O que está previsto em termos de luta jurídica, será a entrada, em princípio esta semana, de uma providência cautelar para fazer suspender os efeitos do movimento, que pode ter efeitos normalmente a partir de setembro. O nosso objetivo é impedir que ele entre em execução”, detalha. O SMMP defende que seja aberto um concurso especial para formar mais magistrados do Ministério Público. Esta hipótese foi apresentada na semana passada à ministra da Justiça Rita Júdice, que rejeitou a proposta no momento. ContrastePara Regina de Almeida Soares, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), existe um contraste na realidade. “Com o início das férias judiciais, impõe-se um balanço da atividade dos tribunais que não pode ignorar um contraste cada vez mais evidente entre o discurso oficial e a realidade no terreno”, ressalta ao DN a presidente, que acabou de tomar posse no cargo e é a primeira mulher na liderança deste sindicato.Segundo Regina de Almeida Soares, o momento “é crítico” na justiça. “A justiça atravessa um momento crítico: mantém-se a luta pelo estatuto digno dos funcionários, após 26 anos de espera, o Ministério Público continua em greve e os juízes mantêm as suas reivindicações, enquanto megaprocessos se arrastam sem solução à vista”, destaca.Na visão da oficial de justiça, que trabalha nesta profissão há três décadas, as férias judiciais não são, necessariamente, férias para os trabalhadores. “As férias judiciais, longe de representarem uma pausa para reorganizar e aliviar pendências, apenas agravam a evidência de que faltam recursos humanos até para garantir o funcionamento mínimo dos serviços”,explica.Partilha da mesma visão Nuno Matos, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). “Qualquer debate sobre as férias judiciais tem de começar por perceber a razão da sua existência e a evidência de servirem para magistrados e funcionários recuperarem o trabalho acumulado ao longo do ano devido ao excessivo volume processual e à falta de quadros”, frisa ao DN. Se no terreno esta é a visão do estado da justiça, a ministra Rita Júdice afirma que há avanços. “O Governo tem atuado em várias frentes”, começa por dizer em entrevista ao Diário de Notícias. “O Governo reviu a carreira dos oficiais de justiça, melhorando as condições e abriu o concurso para 570 oficiais de justiça, o concurso foi muito concorrido, as vagas foram todas preenchidas e os oficiais de justiça já estão a trabalhar nos tribunais e permitiram acelerar os processos”, detalha.. No caso do MP, destaca as 181 vagas do concurso que foi aberto. Questionada sobre não ser um número suficiente, conforme alegado por profissionais no terreno, a titular da pasta da Justiça afirma que a aposta do Governo está em encurtar o prazo de formação dos futuros magistrados. “É uma formação muito longa, por isso é que nós gostaríamos, para dar resposta aos magistrados do Ministério Público, de encurtar esta última fase do estágio, em que os estagiários e os auditores já passaram por todas estas fases e entrariam mais cedo nos tribunais como magistrados”, detalha. A previsão é que em janeiro esta diminuição no tempo de formação já possa ser aplicado, o que poderá refletir-se na agilidade da colocação dos profissionais.Processos mediáticos As férias judiciais arrancam com o tema da justiça na televisão praticamente todos os dias recentemente. Está em julgamento a operação Marquês, que tem como arguido o ex-primeiro-ministro José Sócrates. A última sessão deste julgamento antes das férias aconteceu nesta quarta-feira e será retomada no dia 2 de setembro. Outro caso que tem vindo a chamar a atenção é o da humorista Joana Marques e dos Anjos, cuja sentença ainda não ter data para ser conhecida. Na volta das férias judiciais, mais um caso promete destacar-se no noticiário: o caso Lex, que investiga três ex-juízes do Tribunal da Relação de Lisboa por corrupção e outros crimes.amanda.lima@dn.pt.Processos contra a AIMA entopem tribunais administrativos. Há seis juízes em exclusivo para 54.381 ações.Rita Júdice, sobre violência doméstica: “Não me conformo com estas mortes e com todo o sofrimento que provocam”