"Hoje foi um dia de alívio. Espero que as pessoas que me atacaram sejam condenadas, presas e paguem uma indemnização. Os responsáveis terão de pagar pelo que fizeram. E sabiam bem o que estavam a fazer. Pedi-lhes mais de uma vez que me deixassem sair do autocarro.” Não deixaram. No dia em a Polícia Judiciária (PJ) interrogou quatro suspeitos de incendiarem um autocarro da Rodoviária com o motorista no interior, Tiago Cacais, a vítima, descreve ao DN o que viveu naquela madrugada de 24 de outubro, em Santo António dos Cavaleiros. Declarações exclusivas, num dia “de grande alívio”, repete..A certa altura, acreditou que ia morrer ali: “Pensei: ‘Estou desgraçado!’” Recorda os pormenores, um a um. “Paro o autocarro na última paragem. Abro as três portas. Os passageiros saem. Pouco depois, ouço uns barulhos. Vejo que um grupo de pessoas vem em direção ao autocarro. Umas encapuzadas, outras não. Algumas delas trazem uma garrafa em cada mão. Pressinto o perigo. Tento fechar as portas e não consigo. Uma dessas pessoas entra pela porta do meio. Aproxima-se de mim e aponta-me uma arma à cabeça.” .Tiago evita rodar a cabeça, olhar por cima do ombro para o agressor. Fixa o olhar em frente. “Disse-me que ia sair, mas que eu teria de ficar ali.”.O homem sai. Tiago tenta de novo fechar as portas. Volta a não conseguir. “Começam então a atirar garrafas para o interior do autocarro pela porta dos passageiros. Vejo o combustível a escorrer na direção da rua. Então, um deles acende um isqueiro.”.A memória apaga-se a partir do momento em que entra na ambulância e lhe induzem o coma. Nos Cuidados Intensivos, esperavam-no dias de muitas dores. “Só passavam com morfina, não conseguia andar, não conseguia fazer nada sozinho”, conta ao DN. Perdeu 16 quilos. “Espero que se faça justiça”, repete..Eram 01.20 da madrugada de 24 de outubro e aquele seria o mais grave de uma série de atos de vandalismo, aparentemente concertados e perpetrados em resposta à morte de Odair Moniz, baleado por um polícia..Com queimaduras de segundo e terceiro grau provocadas pelos cocktails molotov, Tiago, sobrevivente de um cancro, não hesitou nunca: “Faço questão de voltar ao trabalho. Quero continuar a ser motorista. As minhas mãos estão queimadas, mas a primeira coisa que pensei, quando saí do coma, cheio de dores, dores horríveis, foi: ‘Quero voltar ao meu trabalho.’”.“Sempre acreditámos na PJ”.Hoje, Nádia, a irmã mais nova de Tiago falou cedo com a mãe. As notícias confortaram a família. “Estamos contentes. A minha família sempre acreditou na Polícia Judiciária. Esperamos agora que os culpados sejam condenados”, diz..Tem uma filha, ajuda a cuidar dos pais, tal como fazia o irmão, até ao dia trágico. O maior desejo é, agora, ver Tiago recuperado e “de novo feliz”. Também Pedro Vieira Gomes, motorista da Rodoviária e melhor amigo de Tiago, fala em Justiça: “Estou muito aliviado sabendo que temos uma das melhores polícias do mundo e que, sim, quem cometeu estes crimes não ficará impune.”.Ao longo da investigação, a PJ quis proteger a testemunha principal, acrescentando novos meios de provas. O DN sabe que foram apreendidos telemóveis e um computador aos suspeitos. Podendo considerar-se estarmos perante crimes puníveis com pena máxima superior a 3 anos de prisão, o Ministério Público pode promover junto do juiz de instrução a interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas destinadas ou provenientes de suspeitos, desde que existam “razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade”, diz ao DN a penalista Teresa Quintela de Brito..Nas mesmas condições, é possível recorrer a escutas telefónicas, em tempo real. Mais: “Uma vez que, no caso do Tiago, os agentes dos crimes estavam encapuzados, desconhecendo-se a sua identidade, serão especialmente relevantes para a investigação criminal as ações encobertas, desenvolvidas por funcionários de investigação criminal”, acrescenta Quintela de Brito.