Teresa Anjinho: “A integridade é a armadura da Democracia”
Qual é o papel da Provedoria de Justiça Europeia e porque razão este trabalho é relevante para o dia a dia dos cidadãos?
Tem como principal função zelar pela boa administração das instituições europeias, recebendo queixas que estão relacionadas, seja com a violação do princípio da boa administração, seja com questões de violação da lei ou de proteção de direitos fundamentais. Tem um papel particularmente importante que é o de ser uma ponte entre o cidadão e as instituições. Não necessita de um interlocutor. É absolutamente gratuito.
Veja e ouça o podcast Soberania com esta entrevista:
É a primeira vez que uma portuguesa assume este cargo. O que significa para si estar nessa posição e de que forma a sua experiência anterior, como secretária de Estado da Justiça e Provedora Adjunta da Justiça em Portugal a preparou para este novo papel?
É um enorme orgulho e é também um privilégio. Quando iniciei este meu desafio não tinha noção de que, efetivamente, iria ter o sucesso que acabei por ter. Porque é um processo muito complexo, muito individual, que exige também já na própria candidatura, muitas pontes.
Candidatei-me na sequência de um anúncio público, depois seguiu-se um mês em que tive de recolher individualmente 39 assinaturas de deputados europeus.
Poderão pensar que é pouco e fácil face aos 720, mas não é. Temos um Parlamento Europeu muito novo, que exige conhecer e bem a quem é que está a dar assinatura e porquê. Só no final desse mês é que somos anunciados como candidatos.
Houve pessoas que ficaram pelo caminho. Seguem-se depois dois meses intensos, igualmente, em que tenho de me apresentar aos parlamentares e dizer quais são as minhas prioridades, porque é que eu estou motivada e o que é que eu gostaria de fazer.
E aqui eu vou responder diretamente ao que me perguntou. A minha motivação vem de mais de 20 anos de entrega à causa pública e de administração pública, ao princípio da boa administração, principalmente com a minha experiência na Provedoria de Justiça, que me moldaram na forma como eu valorizo importantes valores, também para a Provedoria, como os da justiça, da transparência experiência e da confiança.
Quero acreditar que essas minhas experiências como académica, como política e também no contexto da Provedoria me vão permitir levar estes valores um bocadinho mais além.
Porque se, de facto, a maior parte da minha especialização vem da minha vida académica, a verdade é que eu sou muito mais do que uma académica. Conheço as particularidades da vida, a complexidade do processo de decisão, da responsabilização e da diplomacia, que é particularmente importante numa instituição como esta.
Quando estava na Provedoria nacional fui responsável por três departamentos diferentes. Isto num contexto difícil, desde os incêndios à própria pandemia, onde acabei por ganhar a tal experiência muito importante de dar voz aos cidadãos, de também apoiar as próprias instituições, garantindo que, naturalmente, os problemas são identificados e têm uma tentativa de solução. Aqui moldou, particularmente, a questão da transparência e da responsabilização.
Por falar em transparência, porque escolheu a transparência e o combate à má administração nas instituições europeias como prioridades do seu mandato? As instituições europeias não são suficientemente transparentes?
A questão da transparência, que por sua vez está associada à questão da responsabilidade e à questão da integridade, são muito importantes em qualquer democracia. Diria que são princípios basilares de uma democracia. E essa é a razão pela qual estão na base desse mandato. Porque não pode haver boa administração se não houver transparência, responsabilidade e integridade.
O tipo de queixas que a Provedoria Europeia já recebe estão todas elas relacionadas diretamente com estes temas.
Se olharmos, por exemplo, para o último relatório que acabei de apresentar, ainda que cubra todo um ano da minha antecessora, identifica um crescimento inédito de 42,2% de queixas em matéria de transparência e responsabilidade. Muito fruto da questão do acesso aos documentos.
O que me permite responder se acho que as instituições podem estar melhor. Nunca nos podemos fiar de que já existe transparência total. É sempre um processo em construção e as instituições europeias têm vindo a investir bastante, com regras muito claras em vários domínios, desde a questão do lobby aos conflitos de interesses.
Mas acho que ainda existe muito espaço para melhoria. Houve um caso recente do tribunal relacionado com “Pfizer Gate” como chamaram a questão das vacinas, que identificou exatamente isso.
Estamos a falar de um caso que também passou pela Provedoria Europeia e no qual a decisão do Tribunal acaba por realçar coisas que a própria Provedoria já tinha assinalado e que estão relacionadas até muito mais do que a questão pura e dura do acesso a documentos com boa administração.
Temos um jornalista (NYT) que pede acesso a mensagens de texto da presidente da Comissão Europeia (Ursula von der Leyen) trocadas com o CEO desta farmacêutica e o tribunal anula a recusa, dizendo a Comissão tem de fazer mais na identificação das mensagens, tem de fazer mais a explicar porque é que não considera as mensagens relevantes, tem de fazer mais a dizer se elas existem ou não, se foram anuladas ou apagadas, se foi deliberado ou automático.
Tudo isso são questões muito importantes, porque têm a ver diretamente com o quadro de transparência que a Comissão, nos seus compromissos, já realça como sendo muito fundamental.
A provedoria só faz recomendações, certo? Não pode obrigar nenhuma instituição a ceder documentos que lhe sejam pedidos?
É uma limitação, mas é um poder. É importante que as pessoas percebam porque é que é tão importante que a Provedoria Europeia não tenha poderes vinculativos.
Exatamente para lhe garantir esta flexibilidade em encontrar soluções construtivas para os problemas. Por vezes os erros são muito difíceis de serem corrigidos em política e a verdade é que esta instituição consegue de alguma maneira garantir que o erro é detetado e corrigido de uma forma muitas vezes construtiva, indo ao encontro das expetativas dos cidadãos.
Porque é que isto é tão importante? Porque é exatamente no preciso momento em que o cidadão percebe que a política está errada, que a lei não vai ao encontro das necessidades, que não foi bem pensada ou que não está a ser bem aplicada e que não há qualquer correção, que aumenta o tal fosso entre as expectativas e os poderes, entre a teoria e a prática.
É neste fosso que entram os populismos, porque as pessoas acabam por se frustrar e acabam por não acreditar, por aumentar a desconfiança. E todos sabemos qual é a consequência da desconfiança nas instituições. A consequência é que não recorrem e, de alguma forma, desistem. E a democracia torna-se menos robusta.
Tudo aquilo que a Provedoria Europeia não deseja. Procura reforçar a confiança dos cidadãos nas instituições, garantindo que é sempre uma voz independente, imparcial, seja quando fala de questões que nos são colocadas por organizações da sociedade civil, seja no quadro institucional. Esta independência, associada a argumentos que sejam robustos e sólidos, que nos permite de facto trabalhar em nome da dita boa administração como um veículo de good governance, bom governo. Bom governo é um Estado de Direito e uma Democracia que forte, que funcione.
Referiu o caso da Pfizer, mas pode dar-nos o exemplo de uma queixa concreta que tenha chegado ao seu gabinete? Como é que lida com ela?
É importante perceber que a Provedoria adota sempre o mesmo procedimento para garantir a total independência e imparcialidade. Tem um sistema de controlo interno que o procura garantir.
A queixa chega, é analisada, verificam-se os requisitos de admissibilidade e depois abre-se ou não o inquérito, iniciando-se o processo de inspeção dos documentos, que nos permite perceber a dimensão da questão.
Tenho um caso em análise, que vem da minha antecessora, sobre alterações à Política Agrícola Comum, que surgiu na sequência das manifestações que todos seguimos, muito audíveis e visíveis no contexto europeu, em que os queixosos, duas organizações não governamentais, referiam que tinha havido violação das regras normais do procedimento, nomeadamente em matéria de avaliação de impacto, de auscultação do próprio público.
Teve a ver com propostas legislativas «urgentes». A Comissão já respondeu, a resposta está publicada no nosso site e estamos no processo de análise desta resposta.
A Provedoria também analisa queixas relativas aos denunciantes, os chamados whistleblower. Houve um inquérito em 2023 que dizia que cerca de 50% dos funcionários do Banco Europeu de Investimento admitiram ter receio de fazer queixas por causa de represálias...
Estou, neste momento, no processo de redação da estratégia da Provedoria Europeia e um dos pontos que realço é a Provedoria poder fazer mais em áreas da sua competência. Uma dessas áreas é a questão dos denunciantes.
Porque a Provedoria pode monitorizar as outras instituições europeias, quais são as regras que têm em prática, como garantem a ausência de represálias, a confidencialidade dos procedimentos, para além também de poder criar um fórum de boas práticas.
A Provedoria não existe apenas para apontar o dedo, também existe para, uma vez identificando uma boa prática, poder divulgá-la, porque isso também vai ao encontro da boa administração.
Só se eu criar uma consciencialização desta minha competência é que eu vou efetivamente começar a receber estas mesmas queixas que têm a ver com falhas de procedimento de outras instituições, exatamente na área dos denunciantes. Recordo aqui a minha experiência anterior no Comité de Supervisão da Agência de Luta Antifraude Europeia. Muitas vezes, principalmente no contexto de fundos, muitos destes casos decorrem de denunciantes.
Mas qual é a sua perceção? Os denunciantes estão a ser protegidos nas instituições da União Europeia?
Por uma questão de honestidade intelectual, não lhe consigo dar uma resposta certa. O meu objetivo é olhar para os problemas que são estruturais, sistemáticos, onde não vou fazer a mesma coisa que outras instituições já estão a fazer, como, por exemplo, a Agência de Luta Antifraude ou o Tribunal de Contas Europeu, mas também criar a tal consciencialização dos problemas e a competência da própria Provedoria, para além da busca de soluções.
Esta é uma das áreas em que eu estou a pensar fazer isso, juntamente com a área dos conflitos de interesses, em particular em relação às chamadas portas giratórias, uma área que precisa de alguma clareza.
As pessoas devem entender que a Provedoria Europeia não faz política nem implementa política, mas tem um papel indireto muitíssimo importante de garantir que existe cumprimento da igualdade, a não discriminação, padrões de transparência e de responsabilidade das instituições.
No contexto das portas giratórias isto ainda é mais importante. Não porque não exista um enquadramento legal e regras muito concretas, elas existem. Mas a verdade é que casos relacionados com portas giratórias imediatamente captam a atenção pública e toma-se a parte pelo todo. Ou talvez não. É isso que eu quero saber.
Credibiliza e descredibiliza saber o estado da arte. E o interesse público protege-se, seja nos Estados, seja nas instituições europeias, garantindo que não existe falta de transparência entre o que é o serviço ao interesse público e o serviço ao interesse do privado. Isso é o que leva levaria a uma desconfiança.
A ética na vida política é essencial para manter a confiança da sociedade nas instituições e, como já referiu antes, isso também tem impactos políticos na questão dos populismos. De que forma o trabalho da Provedoria pode ajudar a elevar os padrões éticos nas instituições europeias?
É fundamental que as pessoas percebam porque razão é importante falar de ética e de integridade. A integridade é, sem dúvida, a armadura da democracia.
É aquilo que nos permite conseguir distinguir entre um decisor que está ao serviço do interesse público e um que está ao serviço de um interesse privado. A partir do momento em que não conseguimos distinguir existe a perceção que ameaça a confiança do cidadão.
É fundamental garantir que o Estado é autónomo destes interesses privados e que é percecionado como tal, porque na sua base está o princípio da igualdade, que é a capacidade de tratar todos de forma igualitária.
No final do meu mandato gostaria muito que esta instituição se definisse como um ponto de referência. Os cidadãos estão cada vez mais exigentes e bem, porque isto é fruto do investimento nosso passado em matéria de direitos e democracia participativa.
A pandemia deixou isto também muito claro. Não nos trouxe apenas uma pesada herança económico-financeira.
Trouxe-nos também um impacto muito grande em matéria de mentalidades, porque fomos confrontados com a nossa condição de vulnerabilidade e isso reflete-se numa definição de novas prioridades que levam a realçar questões que já eram importantes, como as ambientais e as sociais.
Mas trouxe também um conjunto de cidadãos muito mais exigentes em relação às organizações que são responsáveis pelo estabelecimento desta nova ordem e, portanto, as instituições têm que perceber que com esta exigência leva a que também tenham que adotar padrões mais elevados. O Qatar Gate é um exemplo disso mesmo...
Esse caso abalou a confiança em instituições europeias, no caso o Parlamento Europeu. O que foi feito desde então para recuperar essa confiança?
O QatarGate abalou, sem dúvida, e denunciou algumas falhas do próprio sistema, obrigando a que os decisores adotassem novas regras. Desde logo obrigou a um compromisso público muito forte do Parlamento Europeu em reforçar normas que já tinha e em adotar novas normas.
Também levou à criação de um órgão novo que vai zelar por questões de ética (Independent Ethics Comitee), um fórum de estabelecimento de regras comuns entre decisores políticos europeus e partilha de boas práticas. Há questões éticas que são muito difíceis de resolver, que também decorrem de questões culturais.
Também é preciso reconhecer que nem todos os Estados estão no mesmo nível de perceção de ética, sendo que, para todos os efeitos, coincidem todos em Bruxelas ou em Estrasburgo.
Voltando um bocadinho às queixas, quais são as queixas mais comuns que chegam na Provedoria e quais as instituições têm sido mais visadas?
Essa é fácil. O nosso maior cliente é a Comissão Europeia. Mas é lógico, pois é também a maior instituição e que tem mais competências e de relacionamento com o cidadão.
Tenho questões relacionadas com a integridade, as ditas portas giratórias, questões relacionadas com os funcionários da União Europeia, com fundos, até relacionadas com projetos académicos e com as decisões que são tomadas pelas agências de concessão destes fundos.
Será sempre importante para quem faz a queixa ter noção que vale a pena fazer essa queixa, ou seja, que há consequências.
Falou há pouco na criação de um novo organismo. Há mais exemplos de consequências concretas que sucederam em resultado de queixas?
São muitas as consequências, algumas individuais, outras estruturais, que acabam por permitir, às vezes, a paulatina instalação de uma cultura mais transparente e de melhor administração.
Queixas do passado levaram a alterações de códigos de conduta dos comissários, reforço da aplicação das regras do acesso aos documentos, que têm vindo a permitir uma melhoria constante, até mesmo em questões como, por exemplo, os processos de violação dos tratados europeus por parte dos Estados.
Como é que um cidadão pode apresentar uma queixa na Provedoria Europeia?
O processo hoje em dia está muito mais facilitado, ainda mais para quem tem literacia digital. E importantíssimo reforçar que esta instituição recebe queixa que estejam relacionadas com instituições europeias.
Existe uma possibilidade de apresentação online, mas também pode ser feita através de um e-mail simples ou até mesmo de uma carta que seja dirigida para a Provedoria Europeia. Pode ser feita na língua do próprio, o que é muito importante. Não necessita intermediário, não tem regras processuais, apenas que o facto não tenha ocorrido há mais de dois anos.
Temos um conjunto de passos que vai fazendo a triagem das queixas que estão dentro do mandato e fora do mandato (as que não têm a ver com uma instituição europeia).
A minha equipa preocupa-se muito em garantir que não recebemos um número excessivo de queixas fora do mandato mas, a verdade, é que há muitas delas também são verdadeiros sinais daquilo que se passa nos Estados, das preocupações que o cidadão tem, das dificuldades do sistema e onde a Provedoria também pode ter um papel, direcionando o cidadão para a instituição respetiva.
A Procuradoria Europeia também se pode dirigir a uma agência ou a própria Comissão e dizer que tem de fazer mais para informar ao cidadão de que existem vias de recurso internas.
Tudo depende da perspetiva com que se olha e eu olho com uma perspetiva fruto da minha experiência e da Provedoria nacional, e acordo com a qual gostaria de garantir mais eficácia também a estas queixas fora do mandato.
Porque as queixas são sempre atos de confiança de um cidadão que às vezes já está desesperado, não tem mais a quem recorrer e ainda acha que, em vez de recorrer a meios, diria, menos democráticos ou menos legítimos, ainda há uma instituição que o consegue ouvir e atender. O meu compromisso é de melhoria e de atenção, procurando sempre ouvir e corrigir aquilo que acho que pode ser corrigido.
Olhando para os recentes resultados eleitorais, em que tivemos mais uma ascensão do partido de extrema-direita, pergunto se a falta de ética, de integridade e transparência numa democracia, tem a ver com a ascensão dos populismos?
Sem referir especificamente a questão das eleições, está a tocar num ponto que eu ainda não referi. O Estado de Direito e as suas regras. A Comissão tem particulares responsabilidades nisso e a criação das provedorias está umbilicalmente ligada à garantia do próprio Estado de Direito.
Em Portugal foi até pré-constitucional a sua criação, que é uma situação invulgar quando comparado com muitas outras provedorias de Estados. Isto para dizer que é importante as pessoas perceberem que num tempo como aquele que estamos a viver de enormes mudanças - e que não devem ser encaradas como algo absolutamente negativo, pois faz parte da democracia - trazem também ansiedade.
Porque os nossos quadros que nos dão segurança e certeza estão todos a ser desafiados. O que acho essencial é garantir que existe sempre pontos de referência que nos permitam perceber a validade e importância dos princípios e dos valores fundamentais que estão na base da criação do Estado, de instituições sólidas.
Nós precisamos de instituições sólidas. Olhando para o futuro, espero que a Provedoria Europeia se afirme como um ponto de referência neste tempo de enorme ansiedade, que as pessoas consigam perceber que existe uma instituição que continuará a monitorizar ativamente estas instituições.
Exatamente para garantir estes princípios e normas que estiveram na base da UE. Obviamente que aquilo que eu digo para a UE também é válido para os contextos nacionais, onde por vezes é fundamental dar um passo atrás e perceber porque é que defendo determinados princípios e porque são importantes.
Que mudanças ou melhorias gostava de ver concretizadas nas instituições europeias quando terminar o seu mandato?
Mais justiça, mais transparência, mais confiança. Gostaria de poder assistir a melhorias em matéria de acesso a documentos, a melhorias na perspetiva da própria regulamentação. Estamos a falar de um regulamento de 2001 e estamos em 2025. Este regulamento tem de ser adaptado à nova era digital, porque o ambiente é completamente distinto e é preciso haver clareza.
Tem havido algum receio de que mexer neste regulamento pode levar a retrocesso porque ele tem vindo a ser constantemente interpretado à luz das decisões da Provedoria e à luz das decisões do Tribunal. Mas creio que a clareza e a segurança passaria exatamente por um processo legislativo que fosse transparente e que imprimisse maior rigor até na aplicação destas regras.
Não sei se as condições políticas estarão reunidas. Isso já não é da minha competência, mas é da minha competência realçar o que acho que deve ser melhorado. Noutras áreas, também garantir que existe, de facto, o respeito pelo princípio da participação e que não falamos de democracia participativa apenas quando fazemos discursos bonitos e olhamos para os tratados em que se fala de que é importante que as instituições estejam próximas e sejam abertas.
É importante viver aquilo que são as nossas palavras e essa vivência implica um compromisso claro, também em matéria de atuação das instituições europeias, em garantir que vive aquilo que promete, ou seja, chama o cidadão a participar. Aqui estão duas áreas muito claras para mim e que são muito importantes, a da transparência e da participação, porque são duas áreas que, sem dúvida, vão garantir que o cidadão tenha mais confiança nas instituições europeias.
Da experiência que teve em Portugal como secretária de Estado da Justiça, na Provedoria e como deputada, como classifica a transparência das nossas instituições quanto à informação a dar aos cidadãos?
Essa pergunta é muito ingrata, porque depois teria a minha equipa toda a dizer não pode falar de questões nacionais porque senão começo a receber queixas nacionais. E não vou referir.
Mas vou referir que no contexto europeu e em matéria de princípios, a transparência é basilar. É aquilo que permite que continuamos a ter um caminho de uma democracia que seja sólida. É sempre um trabalho que não termina, que é preciso alguma vigilância.
Não podemos dar nada como adquirido, até porque, como estávamos todos a falar, estamos a ter alterações geopolíticas, vivemos um mundo altamente transacional.
Rápidas mudanças tecnológicas que exigem um constante revisitar e, portanto, a transparência das instituições terá sempre que se adaptar a isso, reconhecendo que é por via da transparência que nós vamos conseguir que haja participação e que haja uma democracia mais robusta.
Aproveito para recordar que uma das coisas que a produção europeia fez no passado, que pode resultar e que revisitarei naturalmente, tem a ver com processos públicos de consulta alargada aos Estados-Membros sobre determinadas matérias. Fê-lo com a questão do lobby. Porque é que é importante? Porque permite aumentar a consciencialização e a necessidade de regras harmonizadas.
Por vezes, os problemas que existem no contexto europeu também existem em maior escala no contexto nacional e, como há pouco disse, quando falávamos da questão da integridade e da ética, todos confluem em Bruxelas.
Esta é uma questão particularmente importante, porque decorre da cultura e da forma como nós olhamos para determinadas questões e como as reconhecemos como importantes. Daí a questão da literacia.
O que é que é de facto interesse público? O que é que é o serviço público em benefício de todos? Acho que todo este investimento vai permitir-nos evitar alguns dos escândalos que infelizmente grassam o espaço público europeu e, por vezes, também os espaços públicos nacionais.
Veja e ouça o podcast Soberania com esta entrevista: