Qatargate: quem é quem no escândalo que abala o Parlamento Europeu?

A grega Eva Kaili, já afastada da vice-presidência do Parlamento Europeu, tornou-se no principal rosto do escândalo de corrupção que abala a União Europeia. É uma de quatro pessoas detidas pela polícia belga por suspeita de receber subornos do Qatar. Uma teia que começou a desenrolar-se em Bruxelas, mas cujos tentáculos passam pela Grécia, Itália, Qatar e até Marrocos. E esta pode ser apenas a ponta do icebergue.
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Mais de um milhão de euros apreendidos, uma vice-presidente do Parlamento Europeu apanhada em flagrante com "malas de dinheiro" na sua casa em Bruxelas, gabinetes do hemiciclo alvos de buscas e selados e quatro pessoas em prisão preventiva. A razão: são suspeitas de organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. Os procuradores belgas alegam que "um país do Golfo" - que os media dizem ser o Qatar - terá pago "grandes somas de dinheiro" a pessoas com "uma posição estratégica ou política dentro do Parlamento Europeu" para "influenciar as decisões económicas e políticas". E esta é só a ponta do icebergue, com as suspeitas a estenderem-se também a Marrocos.

A antiga apresentadora da televisão grega, de 44 anos, é eurodeputada desde 2014, tendo sido escolhida em janeiro como uma das 14 vice-presidentes do Parlamento Europeu. O pai foi apanhado à saída de um hotel de Bruxelas com uma "mala de dinheiro", permitindo que fosse levantada a imunidade parlamentar de Eva Kaili e efetuada a busca à sua casa, onde mais dinheiro foi encontrado.

A socialista grega, entretanto já afastada do PASOK e da vice-presidência do Parlamento Europeu, foi detida, tal como o pai. Mas, se ele foi libertado sem acusação, ela continua em prisão preventiva, acusada de pertencer a uma organização criminosa, de corrupção e de lavagem de dinheiro. Eva Kaili esteve recentemente no Qatar, tendo elogiado o país do Golfo pelas reformas nas leis laborais e acusado alguns eurodeputados de fazerem bullying, com as críticas às violações dos direitos humanos e dos direitos dos trabalhadores por ocasião do Mundial de Futebol.

Ela diz-se inocente, mas entretanto o seu nome já foi envolvido num segundo escândalo, por suspeita de fraude na gestão do subsídio para o pagamento dos assistentes parlamentares. Já foi pedido o levantamento da sua imunidade neste caso - no outro foi apanhada em flagrante, pelo que esta não se aplicava. Neste outro escândalo está também envolvida outra eurodeputada grega, a conservadora Maria Spyraki, que já foi suspensa pelo Partido Popular Europeu.

O assessor parlamentar italiano, de 35 anos, é o companheiro de Eva Kaili. O casal tem uma bebé de 22 meses. Segundo os media belgas, confessou depois de ter sido detido que era o responsável pelo dinheiro da organização, que seria liderada pelo ex-eurodeputado italiano Pier Antonio Panzeri - de quem foi colaborador de confiança e com quem fundou a organização não-governamental Fight Impunity (combater a impunidade).

Quando Panzeri deixou o Parlamento Europeu, em 2019, foi trabalhar para outro eurodeputado italiano do grupo dos socialistas, Andrea Cozzolino, chefe da delegação do Parlamento Europeu para as relações com o Magrebe - que Giorgi alega também estar envolvido no escândalo. No interrogatório, terá também dito que Kaili não tinha conhecimento do dinheiro que estava em sua casa, pedindo a sua libertação.

Os procuradores belgas acreditam que o antigo eurodeputado italiano, de 67 anos, é o líder do esquema de corrupção. Está por isso detido, tendo sido acusado de pertencer a uma organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo o jornal belga Le Soir, terão sido encontrados 600 mil euros na sua casa em Bruxelas, e a sua mulher Maria Dolores Colleoni e filha Silvia Panzeri foram detidas em Itália. Os belgas pediram a extradição de ambas, acreditando que não só tinham conhecimento do escândalo como terão sido usadas para transportar as prendas que Panzeri recebia.

O antigo responsável pelo subcomité de Direitos Humanos do Parlamento Europeu e da delegação para as relações com o Norte de África, é atualmente líder da organização não-governamental Fight Impunity. A sua ONG, que fundou depois de sair do hemiciclo onde esteve entre 2004 e 2019, "luta contra a impunidade por graves violações dos direitos humanos e crimes contra a humanidade". É ainda diretor da associação de ex-eurodeputados, que visa criar pontes entre os antigos e os atuais detentores do cargo.

O quarto detido e alegado membro desta organização criminosa é o italiano Niccolò Figà-Talamanca, secretário-geral de outra organização não-governamental, a No Peace Without Justice (que partilha a morada com a Fight Impunity). A ONG que lidera foi fundada em 1993 por Emma Bonino, que foi comissária europeia.

Ao contrário dos outros três detidos, Figà-Talamanca está preso com pulseira eletrónica em casa. Segundo o currículo na página da ONG, tem "vasta experiência no terreno, tendo liderado operações de direitos humanos e direito humanitário em larga escala em ambientes de conflito e pós-conflito e no campo político e diplomático", além de ter aconselhado "vários governos e instituições sobre o estabelecimento e a metodologia operacional de instituições de justiça criminal internacional e outros processos de responsabilidade".

O secretário-geral da Confederação Sindical Internacional, eleito em novembro para liderar esta organização que junta mais de 300 sindicatos, foi um dos que foi detido a 9 de dezembro. Mas após 48 horas sob custódia policial o italiano foi libertado pelo juiz de instrução. Luca Visentini, de 53 anos, disse ter respondido a todas as perguntas do juiz, reiterando que é inocente e que não está sob influência do Qatar. Contudo, foi libertado "com medidas condicionantes", o que significa que não está totalmente livre do processo.

A casa do eurodeputado socialista belga, de 59 anos, foi alvo de buscas, um dia depois das primeiras detenções. A presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, esteve nesta operação, já que a lei belga a isso obriga no caso das buscas a eurodeputados do país. Tarabella não foi detido, mas foi suspenso do grupo parlamentar dos Socialistas e Democratas, assim como do Partido Socialista belga. O vice-líder da delegação do Parlamento Europeu para as relações com a Península Árabe terá sido envolvido no escândalo pelo companheiro de Eva Kaili.

Giorgi também apontou o dedo ao eurodeputado Andrea Cozzolino - para quem trabalha como assessor parlamentar. Cozzolino deixou entretanto o cargo de coordenador do grupo dos Socialistas e Democratas, tendo sido suspenso pelo Partido Democrático. Não foi o único eurodeputado a ter que deixar cargos, depois de ver o seu nome envolvido no escândalo - os dados informáticos de dez eurodeputados foram "congelados" para evitar o desaparecimento de dados, não tendo sido revelados nomes.

Além da própria Kaili, de Visentini e de Cozzolino, o grupo dos Socialistas e Democratas pediu a outros dois eurodeputados que se afastem enquanto duram as investigações. Uma delas a belga Maria Arena, que deixou o cargo de líder do subcomité de direitos humanos. Alegou não ter qualquer relação com o Qatar, mas sair porque uma das suas assessoras trabalhou para a ONG Fight Impunity, de Panzeri, antes de trabalhar para ela.

O italiano Pietro Bartolo também deixou o cargo de relator da proposta para a liberalização dos vistos para o Qatar e o Koweit. Ele não foi envolvido no escândalo, mas um dos seus assessores foi alvo de buscas - junto com a assessora de Arena e outros dois assistentes parlamentares de outras duas eurodeputadas, as italianas Alessandra Moretti e Lara Comi.

O atual embaixador marroquino na Polónia é também alvo de investigação belga, suspeito de ter financiado o alegado cabecilha do grupo, o ex-eurodeputado Panzeri. O nome de Abderrahin Atmoun surge ligado a alegados "presentes" no pedido de extradição da mulher e da filha de Panzeni. Atmoun, de 66 anos, é político e não diplomata de carreira, sendo que há anos que é apontado como responsável por uma série de vitórias em matéria diplomática em Bruxelas - foi copresidente da Comissão Parlamentar Mista de Marrocos e da União Europeia entre 2011 e 2019. E a investigação pode revelar outras conexões marroquinas.

O juiz de instrução deste caso é Michel Claise, de 66 anos. Além de ser conhecido como "xerife" pela busca incansável pelos seus alvos (uma alcunha na qual não se revê, dizendo só estar a fazer o seu trabalho), tem uma tendência para o espetáculo (não é reservado como outros juízes) e é autor de uma dúzia de livros policiais.

Abandonado pelos pais e educado pelos avós, Claise trocou há 25 anos a profissão de advogado pela de juiz de instrução, sendo especialista em crimes económicos - já prendeu personalidades da política, do desporto ou da economia belgas. Foi responsável, por exemplo, pela investigação ao banco HSBC, que foi condenado a pagar 300 milhões de euros ao Estado.

susana.f.salvador@dn.pt

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