"Se tivéssemos começado há 20 anos a investir em energias renováveis, hoje não teríamos problemas" 

Diplomata italiano Francesco La Camera, que lidera a IRENA, elogia Portugal por procurar alternativas aos combustíveis fósseis e destaca sermos país muito ventoso.
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Ao afirmar que "temos de admitir que se queremos reduzir as emissões de CO2, a única solução são as renováveis", o diretor da Agência Internacional da Energia Renovável (IRENA, sediada nos Emirados Árabes Unidos) marcou o debate "Repensar a Segurança Energética - a necessidade de ir além das soluções simplistas", que teve lugar durante o Forum Internacional de Astana, em junho. O DN entrevistou então o diplomata italiano na capital do Cazaquistão, aproveitando um pequeno intervalo na sua agenda. A conversa começa por falar do Cazaquistão, mas na altura não era ainda conhecida a ideia do presidente Kassim-Jomart Tokayev de levar a referendo a possibilidade de construir uma central nuclear num país que além de rico em hidrocarbunetos é também o primeiro exportador mundial de urânio, mas que quando ganhou a independência renunciou ao arsenal nuclear herdado da União Soviética.

Faz sentido que mesmo um país como o Cazaquistão, com tanto petróleo e gás natural, fale em apostar na energia renovável?
Sim, faz. O mercado internacional da energia é um mercado novo. O padrão de procura está a mudar, a necessidade de reduzir as emissões de CO2 é uma obrigação. Assim, a longo prazo, os combustíveis fósseis irão diminuir a sua quota no sistema energético. De facto, esta já está a diminuir. Naturalmente, temos de garantir que a utilização de combustíveis fósseis é coerente com o crescimento do mercado da energia para evitar perturbações. É essa a direção a seguir. Estamos a caminhar para um novo sistema energético a nível global.

O Cazaquistão e outros produtores de petróleo estão, portanto, apenas a ser pragmáticos?
Compreendo que, por vezes, se diga que estão a ser pragmáticos porque a procura de energias renováveis é vista como mais ideológica do que na realidade é. O facto é que hoje, quando falamos de produção de eletricidade, as energias renováveis são já as mais competitivas. Por isso, no final, os combustíveis fósseis serão excluídos do mercado da eletricidade. Quando reforçarmos o sistema de rede, a interconectividade, a flexibilidade e o equilíbrio do sistema, não haverá razão económica para recorrer aos combustíveis fósseis. E esta será a procura de amanhã. Já é a procura de hoje.

Um país pequeno como Portugal, sem petróleo, está a investir muito em energias renováveis. E temos um grande potencial para a energia eólica offshore...
Agora há esta nova interligação entre Portugal, Espanha e França, que nos vai dar a possibilidade de abastecer o mercado europeu com a vossa produção.

Sim, mas acha que a energia eólica offshore, a energia solar e a energia das marés podem ser uma oportunidade em Portugal?
Portugal é tão rico nestas coisas. Penso que é o país mais ventoso da Europa, juntamente com a Irlanda e o Reino Unido. Têm uma linha de costa muito longa, têm o sol, têm todos os recursos para aproveitar o vento.

A guerra na Ucrânia e este conflito com a Rússia em torno do gás são uma oportunidade para repensar esta questão?
Não, não é sempre bom falar da guerra como uma oportunidade. Mas há uma lição. É uma lição de que a variabilidade das fontes não está na fonte em si, mas na infraestrutura, na ligação, nos mercados. Uma vez que tivemos a interrupção por causa da guerra, o gás não estava a chegar, por isso o gás era intermitente, mais do que as energias renováveis.

É mais fácil convencer a opinião pública sobre as energias renováveis a falar de dinheiro ou a falar de alterações climáticas?
A procura vai aumentar. É essa a realidade que a opinião pública tem de saber. Temos as energias renováveis e as não renováveis. Temos de renovar o nosso sistema, as nossas redes, o nosso porto de abrigo. Por isso, não há realmente um custo adicional a pagar. Talvez haja muitas oportunidades que possam surgir. Além disso, o custo da inação é muito maior do que o custo da ação. É simples perceber esse custo, pois é a mudança física do clima no planeta. Se tivéssemos começado há 20 anos, investindo em energias renováveis, hoje não teríamos problemas, mas perdemos demasiado tempo.

A Itália foi o primeiro país do G7 a abandonar o nuclear, agora temos também a Alemanha. A energia nuclear poderia ser uma opção para contrariar as emissões de CO2?
O nuclear não é útil no combate urgente às alterações climáticas. Centrais nucleares demoram muito tempo a construir. Por exemplo, se investirmos hoje em energias renováveis, teremos uma integração na rede dentro de 12 a 14 anos. Caso contrário, teremos de andar demasiado depressa mais à frente. Será demasiado caro e talvez seja fisicamente impossível manter o orçamento do carbono como está previsto.

leonidio.ferreira@dn.pt

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