A tinta branca, a escamar, dos edifícios aparentemente esquecidos do Campo Militar de Santa Margarida, em Constância, contrasta com a projeção que o Exército faz daquela infraestrutura que já treina militares, certifica equipamento, potencia o desenvolvimento de novas tecnologias e materiais e, acima de tudo, prepara as forças portuguesas para combate. “Precisamos de um ambiente de treino que seja cada vez mais complexo”, explicou ao DN Luís Calado, o major do Exército responsável pelo Centro de Capacitação Tática e de Simulação (CCTS), que o Chefe do Estado-Maior do Exército, Eduardo Mendes Ferrão, há sete meses, quando revelou o investimento de 4,3 milhões de euros naquele local e para aquele objetivo, anteviu como um “catalisador” da “modernização e transformação da força terrestre”. Por agora, continua a ser uma coisa projetada para o futuro, mas com passos dados e verba aprovada..“Em fevereiro de 2023 iniciámos os trabalhos de planeamento para ver qual é que é o investimento de que vamos precisar, de quantas pessoas vamos precisar e o que é que nos comprometemos a fazer de acordo com a intenção do General Chefe”, completou Luís Calado, acrescentando que “o centro de capacitação, em termos tecnológicos, não existia”, o que significa que “as unidades utilizavam os meios que tinham para treinar. E Santa Margarida, como infraestrutura de treino, utiliza uma área analógica”, ou seja, com veículos, armas e, literalmente, com as botas no terreno..No total, são 67 quilómetros quadrados que estão à disposição do Exército para treinos, simulações com veículos e testes em ambiente real. Mas os militares querem ir mais longe e esperam conseguir “integrar a simulação” digital, que, por agora, só está disponível em postos de comando..“Os comandantes testam a sincronização das suas operações antes de ir para o terreno e utilizam um sistema tecnológico de simulação para ver quais é que são os efeitos no terreno em simulação”, explica Luís Calado com um tom didático, apropriado para civis..“Portanto”, continua o major, “nós temos a utilização da terra, do mar, do espaço, do ciber. E dentro do ciber temos a questão informacional. A ação das redes sociais: como é que se passam as mensagens às massas. Isto tudo é complexo e tem que estar integrado num ambiente multinacional da NATO, porque nós não operamos isolados.”.Ainda no plano da projeção e antes da verba de 4,3 milhões de euros, aprovada há meses, entrar em ação, o major garante que, “com a realidade virtual”, vai ser possível “eliminar a distância entre os militares portugueses e as forças multinacionais..“As carreiras de tiro passarão a ser virtuais, em complemento com as reais, para haver uma otimização de recursos. Portanto, não gastamos munições reais e fazemos um teste complementar com o treino operacional.”.Mas nada disto pretende ser uma substituição dos treinos reais, “porque há coisas que nós não conseguimos recriar”, diz Luís Calado. “Um incidente com uma viatura”, por exemplo, onde há um capotamento..Questionado sobre se os parceiros internacionais de Portugal que integram a Aliança Atlântica já têm estes sistemas de treino com realidade virtual, Luís Calado considera que cada país tem “as suas componentes de simulação”. “E nós, ao integrarmos a simulação destes países através dos protocolos que são definidos pela NATO, conseguimos ter interoperabilidade. Portanto, o que pretendemos no futuro, a 10 anos, é que este centro seja de excelência da NATO para a capacitação. Queremos que Santa Margarida e este centro sejam a forma de mentorar as nossas forças para o treino”, frisa. E tudo isto vai acontecer até 2026. “Depois - também estamos a trabalhar com o Comando do Exército nesta área, no âmbito da inovação -, é solicitar apoios, fundos internacionais no âmbito da NATO para alavancar este projeto”, conclui..Em Santa Margarida há corredores meticulosamente limpos, longas estradas vazias onde é proibido ultrapassar os 40 quilómetros por hora e uma sala onde decorrem simulações em postos de comando. Nos monitores, há mapas e estratégias. A operar os computadores, há militares atentos. No centro da sala, está disposta em cima de um aglomerado de quatro mesas uma carta militar com miniaturas de carros de combate que sugerem uma manobra estratégica. São jogos muito reais que, de forma constante, preparam os vários militares, mulheres e homens, para intervenções que podem acontecer a qualquer momento. Num canto da sala, uma caixa contém uns óculos de realidade virtual, que em nada são diferentes daqueles que são vendidos nas lojas. Mais tarde, um militar irá usá-los..Sincronização da estrutura.Um dia antes de visitar Santa Margarida, o DN esteve no Tagus Park, em Oeiras, para a terceira edição do Evento de Inovação e Modernização Tecnológica, organizado pelo Exército em parceria com o município. E foi aí que falou com o o líder da Divisão de Inovação e Doutrina do Estado-Maior do Exército, Pedro Vale Cruz. São vários expositores com materiais compósitos, equipamentos, drones, rockets desenvolvidos no meio académico, rádios, e armas que, sem explicação, não se percebe o que fazem..“A questão da inovação sempre foi um desígnio do exército português. Mas de forma estruturada, como nós entendemos atualmente, há uma estratégia de inovação que remonta a outubro de 2022”, explica ao DN o coronel tirocinado (que já completou o curso de general), enquanto deixa transparecer um antes e um depois da guerra na Ucrânia..Foto: Leonardo NegrãoO tenente-coronel Marques, o responsável pelo posto de comando do Taurus 24, em Ponte de Sôr, durante o exercício..“É um marco histórico, sem dúvida, o 24 de fevereiro de 2022, com antecedentes em 2014, como bem sabemos”, lembra Pedro Vale Cruz, mas sem deixar de realçar que “a inovação não vem de 2022. Podemos facilmente apontar 20 anos deste percurso.”.Entre NATO e União europeia, “o que se pretende é que haja sincronização de toda esta estrutura. Por isso é que nós, mensalmente, temos uma a Reunião da Rede de Inovação do Exército, para tratar destes assuntos, para que haja integração, quer ao nível nacional, quer ao nível internacional, no que a estas matérias dizem respeito”, ilustra Pedro Vale Cruz..Naquela exposição, o meio académico anda de mãos dadas com militar. É o caso da Swatter, uma empresa que nasceu no ISCTE e que apresenta uma arma que não dispara nada que seja visível. “Temos aqui um sistema contra drones, portátil, que opera em oito bandas distintas e é plug and play. Basicamente, é ligar e está apontado”, instrui o responsável pela criação daquele equipamento, acrescentando que se trata de algo que faz com que um drone perca “a sua geolocalização”. “É forçada a aterragem de maneira não destrutiva. Conseguimos mitigar a ameaça.”.Mas esta ‘arma’, com um custo estimado em 15 500 euros, ainda terá de passar no crivo do Exército. Para que isso aconteça, é em Santa Margarida que Renato Branco estará esta semana “para a obtenção do selo Army Tested [testado pelo Exército]”, para que depois possa ser comercializado o aparelho inibidor de sinais de drones..Exercícios reais.A cerca de 20 quilómetros de Santa Margarida, em Ponte de Sôr, decorreu na semana passada o exercício Taurus 24, o primeiro de uma série de três exercícios que têm como objetivo “a certificação de forças” e, mais tarde, o treino “da interoperabilidade entre as forças nacionais”, ou seja, “exército, marinha e força aérea, e as forças internacionais dos países que integram o European Battle Group”, explicou ao DN o Chefe de Estado-Maior da Brigada Mecanizada e do European Battle Group, António Marques..“O European Battle Group é uma força de reação rápida da União Europeia. Basicamente é isto”, revela o tenente-coronel..Foto: Leonardo NegrãoA tenente-coronel Mafalda Marcelino explica o funcionamento do agrupamento sanitário, isto é, o hospital de campanha, inserido no Taurs 24..A conversa decorreu no posto de comando, que “é o cérebro” daquela simulação que em muito pouco se afasta da realidade vivida em ambiente de combate. O camuflado, a arma ao peito, o olhar de prontidão, as manobras, os veículos e os militares à volta, atentos, não deixam margem para que a simulação seja uma ilusão. À volta, está uma unidade de manobra de infantaria e um agrupamento sanitário (em linguagem civil, um hospital de campanha), explica o responsável pela estrutura. O objetivo derradeiro de tudo isto é certificar duas unidades - uma delas de Polícia Militar - e o próprio posto de comando..“Para atingir os padrões do European Battle Group, completa o tenente-coronel os países que contribuem para esta força com as suas tropas “têm obrigação de, perante a União Europeia, dizer que estão prontos de acordo com os padrões definidos pela União Europeia e pela NATO”..Sobre a escolha do local para o exercício, em Ponte de Sôr, o tenente-coronel explica que cumpre o objetivo de estar próximo da população, enquanto “avalia as unidades para as certificar”..Sobre a terceira fase deste exercício - a Orion 25 - o comandante explica que incluirá a Marinha, a Força Aérea e as Forças Especiais, sempre com o objetivo de atingirem a certificação do European Battle Group.