A Câmara Municipal de Lisboa foi novamente condenada pela sua atuação no caso Russiagate, quando mandou emails com dados pessoais de ativistas anti-Putin para entidades russas.O Tribunal Central Administrativo Sul decidiu na sexta-feira considerar “totalmente improcedente” o recurso da câmara de Lisboa, o que constitui a segunda derrota na justiça de um processo interposto na sequência de uma coima de 1,25 milhões de euros aplicada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD). Este valor foi sendo sucessivamente reduzido para os atuais 738 mil euros na sequência da prescrição de vários ilícitos cometidos pela CML e vão baixar ainda mais, sobretudo se o processo decorrer mais anos, mas a condenação constitui desde já uma dor de cabeça para Carlos Moedas, o atual presidente da Câmara, especialmente a poucas semanas das eleições autárquicas.A Câmara Municipal de Lisboa passou dados pessoais a entidades terceiras entre 2013 e 2021, na altura sob as presidências de António Costa e, depois, Fernando Medina. No entanto, a polémica estalou em 2021, com Fernando Medina, quando os dados de ativistas anti-Putin que organizaram uma manifestação pró-Navalny foram enviados para organismos russos, incluindo a Embaixada da Rússia em Lisboa. Uma auditoria indicou que o envio de dados para a embaixada russa ocorreu em, pelo menos, 27 ocasiões. As notícias sobre o caso resultaram no afastamento por Fernando Medina do encarregado da proteção de dados da Câmara, Luís Feliciano, entretanto nomeado para o gabinete do atual presidente.Na sentença tomada na passada sexta-feira, 1 de agosto, as três juízas da secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, decidem “julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido Município de Lisboa”.Por isso mesmo, condenam o Município de Lisboa pela prática de 65 contraordenações, previstas e punidas pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados, a uma coima única no valor de 738 mil euros. Para este valor, que tem vindo a diminuir desde a decisão inicial da CNPD, contribui o facto de o tribunal também declarar extintas, por motivos de prescrição, 46 contraordenações. Quando as juízas do Tribunal Central Administrativo Sul consideram “totalmente improcedente” o recurso da Câmara de Lisboa justificam-no em duas vertentes: em matéria de facto e em matéria de direito. Desde logo porque, tal como o tribunal de primeira instância, o Administrativo diz que “a outra conclusão não pode chegar-se senão a de que o Município de Lisboa agiu com dolo, uma vez que resulta demonstrado que as suas condutas são violadoras de deveres de natureza administrativa e o Município de Lisboa tinha consciência dessa violação”. Ou seja, confirma estar provado que a Câmara – quando enviou os dados dos ativistas anti-Putin a entidades terceiras, neste caso às autoridades russas – “agiu de forma livre, deliberada e consciente, ao praticar os factos pelos quais vem sancionado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e sancionada por lei”.Aliás, a defesa jurídica montada pela CML não contesta que enviou os emails com os dados privados de cidadãos para entidades terceiras, e até se opôs à inquirição das testemunhas arroladas pelo Ministério Público, com o argumento de que o seu recurso teria como objeto “tão só matéria de direito”.O “depoimento das referidas testemunhas em sede de audiência de discussão de julgamento (…) afigura-se completamente inútil e dilatória”, alegou a defesa da Câmara.Sendo assim, a Câmara de Lisboa decidiu pôr todas as sua fichas num argumento de direito, de que o RGPD não se aplica a entidades públicas, por “inexistência de norma sancionatória aplicável”. Mais uma vez, e tal como na primeira decisão, o Tribunal Central Administrativo Sul rejeita os argumentos da Câmara. “A circunstância de o legislador nacional não ter (…) estabelecido uma moldura sancionatória aplicável às infrações cometidas por entidades públicas ou, pelo menos, por entidades públicas que não têm natureza empresarial, como é o caso do Município de Lisboa, não pode levar-nos a concluir, como faz o (…) Município de Lisboa, pela inexistência de norma sancionadora e, em última análise, pela não aplicação de coimas às entidades públicas”. Aliás, o próprio RGPD – diz o Tribunal – determina num dos seus artigos que “as coimas previstas no RGPD e na presente lei aplicam-se de igual modo às entidades públicas e privadas”. A decisão do Tribunal Administrativo pode constituir jurisprudência para outras entidades públicas, como a Câmara de Faro que recentemente partilhou com mais de 30 entidades os dados pessoais dos organizadores de uma manifestação de apoio à Palestina.Resta saber se a Câmara vai recorrer desta última decisão. Pode fazê-lo nas instâncias que lhe restam em Portugal e, esgotando-as, ainda pode escalar para as instâncias europeias.O DN questionou o advogado responsável pela defesa da CML, Tiago Félix da Costa, do escritório Morais Leitão e Associados, sobre se haveria um novo recurso, mas o responsável disse que ainda estão a analisar o conteúdo da sentença, pelo que não está ainda tomada uma decisão.Já o advogado que representa a CNPD, Tiago Cabanas Alves, não se mostrou disponível, até ao fecho desta edição, para comentar a decisão..Câmara de Lisboa recorre de multa de 1ME aplicada por partilha de dados de ativistas russos.Câmara de Lisboa multada em um milhão de euros por partilha de dados de ativistas russos