Nas imagens dos imigrantes encostados à parede enquanto eram revistados pelas forças de segurança, Filipa Bolotinha reconheceu muitos dos rostos. “São nossos utentes, estão cá todos os dias, moram e trabalham no bairro”, explica a presidente da associação Renovar a Mouraria, que fica no coração da zona e trabalha com os imigrantes diariamente há mais de 14 anos..Ao DN, Filipa Bolotinha diz estar “estupefacta” com mais uma operação policial no Martim Moniz. “Nós ontem encarámos esta situação com bastante estupefação, não é? Isto embora já soubéssemos que já tinha havido uma ação policial no centro comercial do Martim Moniz, que nós repudiamos e consideramos excessiva, não foi uma surpresa isto acontecer. Os imigrantes estão a ser utilizados como bode expiatório”, relata. “Eu não fiquei com medo, porque eu sei que a mim não me vão revistar. Mas fiquei com medo pelo que isto significa”, complementa..Na visão da profissional, a operação faz com que seja reforçada a opinião pública portuguesa de que os imigrantes são criminosos, mesmo que não existam dados que comprovem tal correlação. “Isto só reforça o que todos devíamos estar a querer combater, que é associar a criminalidade à imigração, porque não está associada. Faz-se um circo mediático”, explica. A dirigente relembra que a ação ocorre justamente dois dias depois de o Barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FMMS) apontar que dois terços (67,4%) dos portugueses pensam que “os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade”, mesmo sem dados que o comprovem..“Nós sabemos que a opinião pública está enviesada por esta nova narrativa, que tem um objetivo político muito claro e, portanto, nós repudiamos a ação, achamos perigoso”, explica..Por estar na zona todos os dias, avalia que as tensões existentes na localidade não são exclusivas deste bairro, nem causadas pelos imigrantes. “Há algumas tensões, que são especificamente relacionadas com problemas estruturais desta nossa economia, pessoas sem-abrigo, pessoas que consomem drogas ou álcool, e que são essas pessoas que criam esse ambiente de alguma intranquilidade”, explica. Segundo Filipa, os próprios imigrantes “sentem alguma insegurança devido a esses fenómenos urbanos de uso do espaço público e, portanto, isto prova que em nada esta instabilidade tem a ver com as comunidades imigrantes”..“Gravidade da situação”.Filipa Bolotinha afirma que os imigrantes talvez não vejam a situação com a mesma gravidade que ela própria e os demais profissionais da Renovar a Mouraria e de outras associações. “São pessoas que respeitam a polícia. Mandaram-nas encostar, encostaram, foram revistadas, está tudo bem. Não reagiram, tudo aconteceu em paz”, explica..Ontem, a dirigente não teve oportunidade de conversar com os utentes, por causa do que chama de “circo mediático” no bairro e diz que na segunda-feira vão perceber melhor as reações no terreno. No entanto, eles relatam que nos últimos dois anos sentem a discriminação crescer. “Sobre ontem, acho que, no fundo, eles não ficam com medo, porque as pessoas imigrantes até demonstram alguma ingenuidade [com o que motivou a operação policial].”.A associação tem planos de realizar um trabalho de informação com os imigrantes sobre os direitos. “Capacitá-los, para saberem como reagir em algum momento em que sentem que a sua intimidade pode estar a ser invadida por uma força policial ou por alguém que se identifique como tal. Esse é o trabalho que nós temos preparado, que tínhamos começado a fazer e que vamos, de facto, intensificar”, finaliza..amanda.lima@dn.pt