Meio ano após o início do processo de atribuição de “apoio financeiro” a proprietários com rendas congeladas, e apesar de há dois meses o ministro da tutela, Miguel Pinto Luz, ter afiançado que tudo se resolveria até ao fim de 2024, serão mais de metade os senhorios que aguardam resposta do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), ao qual cabe a receção, análise e deferimento dos pedidos e que, por ditame da lei que criou esta medida, tinha um prazo máximo de 30 dias para deferir ou indeferir os pagamentos.É o que indicam as respostas no grupo de Facebook “Senhorios - rendas anteriores a 1990”, criado em julho para, precisamente, troca de informação entre proprietários com direito à compensação, e no qual numa sondagem criada a 2 de janeiro 68% dos respondentes dizem continuar a aguardar resposta do IHRU/pagamento. Acresce que parece não existir uma ordem discernível nas respostas/pagamentos. Há quem, tendo dado entrada do pedido exatamente no primeiro dia do prazo - 1 de julho de 2024 - continue à espera, enquanto outros proprietários que submeteram o requerimento mais tarde já receberam, via transferência bancária, e de uma só vez, os vários meses de compensação devidos (esta é paga com retroativos ao momento da entrada do pedido).Por outro lado, os proprietários que já receberam o pagamento queixam-se de não terem sido notificados da decisão, respetiva fundamentação e prazo de reclamação, o que, como frisa ao DN um magistrado que trabalhou nos tribunais administrativos, pedindo para não ser identificado, viola o disposto no Código de Procedimento Administrativo: “O cidadão que fez um pedido tem o direito a ser notificado da decisão que incidiu sobre o seu pedido e conhecer da respetiva fundamentação. Os destinatários dessas transferências devem exigir à entidade em causa que, no prazo de 10 dias, os notifique do despacho de deferimento e do respetivo fundamento.”O atraso na resposta aos pedidos já deu origem a várias queixas à Provedora de Justiça, incluindo a da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), que representa mais de 11 mil senhorios. Na queixa, apresentada a 18 de dezembro, a ALP denuncia “os atrasos no tratamento e análise das candidaturas, sem a existência de um prazo máximo de resposta aos cidadãos”, e “questiona se é legítimo que o Estado proceda ao pagamento das compensações meses intermináveis após a sua submissão, sem o pagamento de juros de mora”. A Provedora não tomou até agora qualquer posição sobre esta e as outras queixas sobre o mesmo assunto que em novembro informou o DN ter recebido.Na tentativa de obter do ministério das Infraestruturas e Habitação um balanço do processo e uma justificação para o incumprimento da promessa feita pelo ministro, o DN enviou-lhe, no final do ano, um questionário requerendo informação sobre quantos pedidos entraram e quantos foram respondidos e pagos, assim como sobre o que está a ser feito para, como Miguel Pinto Luz anunciou a 7 de novembro no parlamento, “agilizar o processo”, que caracterizou na mesma ocasião como “moroso, burocrático e dantesco”. Porém o ministério recusou responder, remetendo, laconicamente, quaisquer esclarecimentos para instituto que tutela: "Os dados sobre a compensação aos senhorios devem ser pedidos ao IHRU". IHRU faz contas da compensação com valor patrimonial "congelado" Ora o IHRU, como o DN tem noticiado, não responde a quaisquer perguntas sobre o processo desde outubro. A última vez que o IHRU deu alguma informação foi em agosto, quando assumiu que não iria cumprir o disposto na lei 132/2023 - que criou a compensação aos senhorios e impõe um prazo máximo de resposta de 30 dias após a submissão do requerimento - e iniciaria os pagamentos apenas em outubro, o que não se verificou. A última atualização pública sobre o “apoio financeiro” aos senhorios foi a já citada, protagonizada pelo ministro das Insfraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, há dois meses, quando informou o parlamento de que tinham até então entrado no IHRU cerca de 4000 pedidos - número que reputou de “risível” face ao universo estimado dos contratos de arrendamento habitacional anteriores a 1990, aqueles cujas rendas estão “congeladas” - e declarou: “Até ao final deste ano tenho o compromisso do IHRU de que as quatro mil candidaturas estarão resolvidas, despachadas e a pagamento. Vamos pagar aos senhorios aquilo que merecem.”Mas, afinal, o que será “pagar aos senhorios o que merecem”? É que, para além do atraso no pagamento, o próprio modo como este está a ser calculado pelo IHRU tem sido motivo de protesto, como se verifica na queixa da ALP à Provedoria. Determinando a lei que a compensação é calculada a partir do valor patrimonial tributário (VPT) de cada imóvel (através de uma operação aritmética na qual o VPT é dividido por 15, sendo o resultado dividido por 12 - os 12 meses do ano -, correspondendo o “apoio financeiro” à diferença entre esse montante e a renda paga pelo inquilino), o IHRU está em regra a usar o VPT não atualizado, ou seja, sem os ajustes que a Autoridade Tributária aplica de três em três anos com base na inflação, para efetuar o cálculo.Sendo os VPT de imóveis arrendados há 35 anos em geral bastante baixos, escolher o valor não atualizado em função da inflação - ou seja, um valor “congelado” - para calcular a “compensação” implica compensar o menos possível os proprietários que, precisamente, nunca puderam atualizar as rendas dos contratos em causa. Uma opção para a qual o DN pediu já explicação ao ministério e ao IHRU, sem sucesso. Regras variam conforme senhorio e/ou funcionário?Porém, como o jornal descobriu, nem sempre o IHRU estará a efetuar as contas com VPT desatualizados. No caso do consultor informático Luís Tibério, proprietário de um apartamento T3 no Montijo com renda congelada que herdou dos pais, a compensação foi calculada sobre o VPT atualizado. Tibério, que recebe do atual inquilino, filho dos locatários originais, que celebraram contrato de arrendamento em 1971, uma renda de 28,85 euros, descobriu a 5 de dezembro a transferência do IHRU na sua conta bancária. “Não houve qualquer comunicação ou informação sobre o cálculo, mas fiz as contas e percebi que só batiam certo com o VPT atualizado. Não faço ideia de porque é que me beneficiaram face aos outros proprietários, se calhar olharam para o valor da renda e o bom senso prevaleceu. Acho que cada pessoa que trata do assunto lá no instituto está a fazer as coisas à sua maneira. Aquilo não funciona bem.” No caso, a diferença entre o VPT atualizado e o não atualizado é pequena - 38 485 euros face a 37 890 - correspondendo a pouco mais de três euros na compensação, que é de 185,80 euros mensais, mas em muitas das situações analisadas pelo DN os VPT atualizados, e sobre os quais os proprietários pagaram IMI até 2024 (a partir de 2025 os imóveis com rendas congeladas estão isentos de IMI e imposto sobre as rendas) são muitos milhares de euros superiores aos não atualizados. “Esta compensação não compensa de nada”, comenta Luís Tibério. “A minha linha é centro-esquerda social e nunca quis prejudicar o inquilino, acho bem que tenha proteção, até porque é uma pessoa com deficiência. Mas quando este apartamento chegou às mãos dos meus pais, em 1992, a renda era, ainda em escudos, o correspondente a oito euros e tal, o que obviamente não permitia fazer manutenção. E até agora pagava mais de seguro e IMI do que recebia de renda. Mesmo com esta compensação, qualquer reabilitação corresponde a muitos anos de renda. Acho que o Estado deveria subsidiar os proprietários nesta situação por um valor razoável - não o de mercado, porque o mercado está louco -, mas que dê para a manutenção.”Senhorios podem intimar IHRU a cumprir a lei - nos tribunaisA perplexidade e noção de injustiça de Luís Tibério são tanto maiores quando, informa, por um apartamento da mesma dimensão, em Cascais, o Estado lhe paga 1200 euros mensais no programa “Arrendar para subarrendar” (no qual imóveis privados são arrendados pelo Estado para por sua vez arrendar a preços controlados). “É o oito e o oitenta. O VPT dos dois imóveis não é muito diferente, mas num a renda é calculada pelo Estado em pouco mais de 200 euros e no outro o Estado paga-me mais mil. Que sentido faz isto?”É só, conclui, outra coisa que não faz sentido no “muito burocrático e complicadíssimo processo de compensação”, no qual “passam para os senhorios o ónus de provar tudo”. Com a agravante de, como sucedeu consigo, ter de apresentar duas vezes os mesmos documentos, coisa que tem acontecido com vários requerentes: o IHRU contacta-os, dando um prazo de resposta de 10 dias sob pena de indeferimento, para exigir o envio de comprovativos que já haviam sido submetidos.Ante a descrição da forma como o processo das compensações aos senhorios está a decorrer, o magistrado especialista em Direito administrativo ouvido pelo DN lembra que, além de deverem exigir a notificação das decisões e respetiva fundamentação, os afetados podem, se considerarem que “a decisão não está bem fundamentada ou que os termos da decisão os prejudicam [por exemplo por o montante devido estar a ser calculado com base num valor patrimonial desatualizado], reclamar ou até impugnar o ato nos tribunais administrativos. Em última análise, o ato até pode ser nulo por ausência de fundamentação”. Também no que respeita à ultrapassagem do prazo de 30 dias imposto pela lei para a decisão de deferir ou não o pedido, o magistrado aponta o remédio existente: “Pode-se intimar a entidade a cumprir o prazo, através do Tribunal Administrativo.” A intimação, assegura, é um procedimento urgente, através do qual o tribunal ordena à entidade que efetue o ato em falta. IHRU disse à Provedoria que não tinha queixasOutra hipótese de recurso aventada pelo magistrado em causa é a Provedora de Justiça, à qual, como referido, a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) apresentou queixa em dezembro. O DN já havia, desde agosto, questionado a Provedora sobre os vários aspetos do processo adoptado pelo IHRU para a recepção e tramitamento dos pedidos de compensação que são objeto da queixa da ALP. Em final de novembro, a Provedoria comunicou ao DN ter recebido recentemente três queixas “relativas ao atraso na atribuição das compensações”, e, “no que respeita ao acesso exclusivamente online ao processo de compensações”, ter reunido com o IHRU no final de agosto. De acordo com a Provedoria, foram solicitadas “informações ao IHRU sobre eventuais queixas recebidas, dada a falta de alternativas ao acesso digital aos serviços públicos ser tema transversal ao qual [a Provedoria] tem vindo a dedicar especial atenção. Na ocasião, o IHRU assegurou não haver relatos de dificuldades de acesso à plataforma informática ou de submissão dos pedidos por essa via”. Ora o DN tem vindo a noticiar desde julho a dificuldade que os requerentes do “apoio financeiro” tiveram em “navegar” digitalmente o processo. Em primeiro lugar, a plataforma que o IHRU criou não previa a existência de compropriedade ou de proprietários com mais de um imóvel, impossibilitando a submissão de pedidos nessas condições - só no final de julho essas questões foram sanadas. Por outro lado, grande parte dos documentos requeridos pelo IHRU não eram disponibilizados - digitalmente ou de outra forma - pela Autoridade Tributária. As dificuldades foram aliás assumidas pelo próprio ministro Pinto Luz, que começou por alegar “problemas de software” para justificar o atraso do IHRU, passando depois a afirmar que o problema estava também na Autoridade Tributária, para finalmente caracterizar o processo nos termos derrisórios já citados.Quanto à escolha, pelo IHRU, do valor patrimonial não atualizado para o cálculo do “apoio financeiro” a conceder aos senhorios com rendas congeladas, a Provedora de Justiça entendeu não se pronunciar nas respostas dadas ao DN. O mesmo sucedeu em relação à pergunta do jornal sobre se o atraso na atribuição do “apoio” deveria implicar pagamento de juros de mora. Tratando-se de questões abordadas na recente queixa da ALP, a Provedora deverá pronunciar-se sobre elas na respetiva resposta.