Congelamento definitivo de rendas habitacionais anteriores a 1990 foi decidido em 2023 pelo Governo PS e mantido pelo da AD, que prometera revertê-lo.
Congelamento definitivo de rendas habitacionais anteriores a 1990 foi decidido em 2023 pelo Governo PS e mantido pelo da AD, que prometera revertê-lo.Orlando Almeida/Glogal imagem

Rendas congeladas: IHRU responsabiliza senhorios por atraso e só paga compensação em outubro

Lei que atribui compensação a senhorios com rendas congeladas, em vigor desde 1 de julho, estipula 30 dias para decisão após a submissão do pedido ao IHRU. Mas o Instituto da Habitação não está a cumprir: desculpa-se com “dúvidas dos senhorios” e adianta que só vai começar a pagar a partir de outubro.
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O Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana informa que desde 1 de julho, quando se iniciou o processo, recebeu 2170 pedidos de compensação por rendas congeladas - uma ínfima parte dos mais de 100 mil contratos de arrendamento habitacional que se estima existirem em Portugal nessas circunstâncias. Mas, apesar do escasso número de pedidos, não terá tido capacidade de decidir sobre nenhum deles.

É o que se retira da resposta que enviou ao DN, na sequência das perguntas feitas pelo jornal: “Em relação à compensação aos senhorios, deram entrada no IHRU até ao momento cerca de 2 170 pedidos, que se encontram em fase de análise, prevendo-se o início dos pagamentos dos apoios no mês de outubro”.

O instituto confirma assim que, como o DN noticiou esta quarta-feira, não deu até agora resposta aos pedidos dos senhorios. Isto malgrado o Decreto-Lei n.º 132/2023, de 27 de dezembro, que “estabelece a compensação aos senhorios e os limites da renda a fixar nos contratos de arrendamento para habitação anteriores a 1990, na sequência da não transição desses contratos para o Novo Regime do Arrendamento Urbano”, estipular que “o IHRU decide o pedido de atribuição da compensação ao senhorio no prazo de 30 dias a contar da data da sua receção”. O DN confrontou o instituto com o determinado na lei, mas este desculpa-se com “as dúvidas dos senhorios”.

“A demora na avaliação dos processos está relacionada sobretudo com dúvidas levantadas pelos senhorios, que não estavam salvaguardadas no Decreto-Lei que rege o programa, nomeadamente a impossibilidade de submissão do modelo 2 – Registo de Contrato, [e] a possibilidade de compropriedades e heranças indivisas”, alega o IHRU, que a seguir admite ter tido de, semanas após o início do processo, “adaptar o formulário de submissão de candidaturas e, consequentemente, de adaptar o sistema informático”. Mas, assevera, tal não implicou a interrupção “do direito à submissão de candidaturas”.

IHRU exigiu documentos absurdos ou que não podiam ser obtidos

Na verdade, como o IHRU não pode desconhecer, os proprietários que querem requerer a compensação cujo valor médio, calculado num estudo de 2023 do IHRU, é de 161 euros mensais, veem-se aflitos para conseguir obter os vários documentos que o IHRU lhes exige para esse efeito.

Desde logo porque um desses documentos, o comprovativo do pedido de isenção de IMI, não era passível de ser solicitado à Autoridade Tributária (AT) até 4 de julho - só nessa data esta entidade, a qual até então não dera qualquer resposta aos proprietários que a contactavam tentando perceber como obtê-lo, colocou no site da entidade um formulário para o efeito. E mesmo depois disso houve senhorios que esperaram semanas pelo documento; há aliás até ao momento quem ainda não o tenha recebido. Informado dessa dificuldade, o IHRU foi dizendo aos proprietários para submeterem o pedido de compensação sem o documento da AT - não ficando claro se a atribuição poderá ser deferida nessas circunstâncias.

Como o IHRU reconhece na resposta ao DN, essa não foi a única dificuldade encontrada pelos senhorios no processo: também o registo dos contratos em causa, com certificação da data de início, não tinha opção de “descarregar” na AT. Acrescendo que o portal do IHRU e respetivo formulário não foram preparados para casos em que um proprietário tenha vários contratos ou haja vários proprietários para o mesmo contrato - só a 25 de julho, através de uma modificação do formulário, foi possível submeter pedidos nessa situação. Em relação aos quais, de resto, o IHRU esteve algum tempo a dar informações contraditórias, tanto certificando que bastava, no caso de vários proprietários, que um solicitasse a compensação em nome de todos, como que era necessário cada um pedir em seu nome. 

Outro problema prendeu-se com a exigência do IHRU de que os candidatos à compensação submetessem um IBAN “certificado” por assinatura digital ou por assinatura reconhecida no notário - requisito que veio a deixar cair, passando a aceitar o comprovativo de IBAN retirado do site do banco e assinado à mão pelos proprietários. Uma exigência tanto mais absurda, como comentaram vários senhorios exasperados ao DN, quando todos os contribuintes têm um IBAN inscrito na AT.

Atrasos e ineficiências da AT e IHRU oneram senhorios

Apesar de todas estas ineficiências e incapacidades da AT e de si próprio, o IHRU prepara-se para fazer recair sobre os proprietários o ónus do atraso na submissão nos pedidos, contabilizando o valor da compensação, caso decida atribuí-la, apenas a partir da data em que estes deram entrada: “O deferimento do pedido de compensação a atribuir ao senhorio produz efeitos desde a data da sua submissão, tal como previsto no nº5 do artigo 6º do Decreto-Lei 132/2023, de 27 dezembro, pelo que o apoio será pago com os retroativos aplicáveis.”

Quer isto dizer que grande parte dos proprietários vão perder quase  a compensação respeitante a quase todo o mês de julho, como aliás vários tinham antecipado ao DN, vendo-se assim prejudicados financeiramente pela ineficiência dos serviços do Estado.

É o caso de Suéli de Carvalho, 46 anos, proprietária de um apartamento com renda congelada em Braga, que a 2 de julho criou no Facebook o grupo “Senhorios - rendas anteriores a 1990”. “Mesmo tendo o curso de solicitadoria vi-me grega para tratar do pedido de compensação. Pensei que se fosse a minha mãe a ter de tratar do assunto não iria conseguir, e quis ajudar”, explica.

Ela própria apenas conseguiu submeter o pedido ao IHRU a 25 de julho. Só depois de a AT ter, a 4 de julho, criado o formulário para o pedido de isenção do IMI achou que podia iniciar o processo. “Mandei a 5 de julho o pedido pelo e-balcão da AT e a 8 disseram-me que estava mal preenchido. Voltei a enviar e no dia 11 devolveram-no carimbado. É só isso que fazem: carimbam o pedido e devolvem. Ridículo, e tanto mais ridículo quando nem se percebe porque é que é preciso fazer o pedido de isenção - a AT tem todos os elementos necessários para atribuí-la automaticamente - nem porque é que fazem depender o pedido de compensação da existência do pedido de isenção.”

O IHRU vai usar VPT desatualizado para calcular subvenção?

Aliás, é tão certo que a AT tem tudo o que é preciso para identificar os proprietários com rendas congeladas que aquela já certificou, aos proprietários que lho perguntaram, que a isenção de IRS nessas rendas vai ser automática.

Mas voltemos à saga de Suéli: tendo perdido oito dias com a obtenção do comprovativo do pedido de isenção de IMI, ainda lhe faltava o documento que comprova o registo, na AT, do início do contrato de arrendamento. Outra dor de cabeça.

“O contrato está no site da AT mas sem data de início e não conseguia fazer download. Lá fiz novo pedido de esclarecimento, a 11 de julho. Mandaram-me um print com tudo mas sem carimbo, sem nada que certificasse origem e veracidade. Fiquei a olhar para aquilo: se serve assim podia ter feito uma foto do contrato no site das finanças”, comenta, incrédula.

Recebendo 220 euros da inquilina que vive no seu T3 de 99 m2 desde setembro de 1977, julga ter direito a uma compensação de 113 euros. Baseou-se para esse cálculo no Valor Patrimonial Tributário (VPT) atualizado que consta da caderneta predial do imóvel, e que é de 60 mil euros.

É, nos termos da lei, o VPT que determina a existência ou não de direito a compensação: "Sempre que o valor da renda mensal dos contratos de arrendamento para habitação (...) seja inferior a 1/15 do valor patrimonial tributário (VPT) do locado, fracionado em 12 meses, o senhorio tem direito a uma compensação".

Sendo grande parte dos VPT dos imóveis com rendas anteriores a 1990 bastante baixos, uma compensação baseada no VPT exclui, como reconhecido no estudo que o IHRU publicou em 2023 sobre estes contratos de arrendamento, uma parte considerável dos proprietários, saindo muito barata ao erário público (26,6 milhões anuais, caso todos aqueles que têm direito a requeressem, algo que parece muito pouco provável).  

Ora se a conta que Suéli fez com base no VPT atualizado está correta - 60 mil euros a dividir por 15 é igual a 4000 euros, que divididos por 12 meses dão 333,33. Como diz a lei, "o montante da compensação a atribuir ao senhorio corresponde à diferença entre o valor da renda mensal devida à data da entrada em vigor do presente decreto-lei e o valor correspondente a 1/15 do VPT do locado, fracionado em 12 meses", pelo que a conta feita por Suéli parece estar certa: 333,33 menos 220 são 113,33 euros.

Mas pode não estar: vários senhorios no citado grupo de FB garantem ter-lhes sido comunicado pelo IHRU que o VPT a ter em conta não é o que consta na caderneta como "atualizado", resultante das atualizações, com base na inflação, que a AT vai fazendo do valor dos imóveis para efeito de pagamento de IMI, mas outro, consideravelmente mais baixo - há casos em que a diferença supera 10 mil euros - que está também na caderneta. 

No caso de Suéli, esse outro VPT é referente ao ano em que a irmã abdicou da sua parte do apartamento (que a mãe, na morte do pai, tinha doado às duas). “Não faz qualquer sentido”, comenta Suéli. “Esse VPT é de 2006. E a lei diz claramente que o VPT a ter em conta para o cálculo é aquele que vigora na data da respetiva publicação (da lei), ou seja dezembro de 2023.”

De facto, lê-se na lei "o VPT do locado à data da entrada em vigor do presente decreto-lei" - ou seja, dezembro de 2023, não qualquer outro ano. Não parece que quem legisla tivesse esse cuidado - que claramente visa obstar a que os proprietárias peçam a revisão do VPT para poderem receber uma subvenção mais alta - se não se referisse ao VPT atualizado.

Mas, atendendo a que a lei também diz que "o montante da compensação é alterado no caso de atualização anual do valor da renda" - ou seja, caso o senhorio aumente a renda em função da inflação, o valor do aumento "abaterá" na compensação, beneficiando o Estado e não o proprietário, que fica a receber sempre o mesmo -, talvez não faça sentido esperar que algo neste processo faça sentido. Ou outro sentido que não o de o Estado pagar o menos possível - e os proprietários com rendas congeladas serem o menos "compensados" possível.  

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