Uma lei inovadora quase na mesma proporção em que é polémica entra em vigor esta quarta-feira, 10 de dezembro, na Austrália, tornando o país o primeiro do mundo a proibir legalmente o acesso de menores de 16 anos às redes sociais. A decisão, inédita a nível global, reacende também a discussão em Portugal, onde especialistas alertam para os efeitos da exposição demasiado precoce ao ambiente digital.“A ciência comprova que é maléfico que jovens abaixo dos 16 anos tenham acesso pleno a estas plataformas", afirma o médico psiquiatra Gustavo Jesus em entrevista ao DN, salientando que até esta faixa etária o cérebro adolescente “ainda está pouco maduro” e altamente vulnerável.“Aquilo que parece ser muito gratificante, muito imediato, vai treinar o cérebro a só ter aquele tipo de estímulo e depois o cérebro vai ficar agarrado àquilo", diz. “Quanto mais precocemente os miúdos sejam expostos a este tipo de algoritmo e a este tipo de like, de partilha, mais agarrados ficam", complementa o profissional.A preocupação não se limita ao comportamento aditivo. Para o psiquiatra, o tipo de conteúdos consumidos também molda a forma como os jovens percebem o mundo. “A própria polarização política do ambiente atual tem muito a ver com a utilização das redes sociais”, afirma, lembrando que grande parte dos adolescentes já não consome notícias na televisão ou na imprensa, por exemplo, mas sim através de feeds polarizados. A lei australiana surge num país onde se estima existirem cinco milhões de crianças menores de 16 anos, incluindo um milhão entre os 10 e os 15 - precisamente o grupo central da nova norma. A responsabilidade pela fiscalização recai sobre as empresas tecnológicas, que passam a ter de implementar “medidas razoáveis” para evitar a criação e manutenção de contas por menores. Entre os mecanismos exigidos estão verificações de idade combinadas, desde documentos oficiais a sistemas biométricos de reconhecimento facial ou de voz.Algumas plataformas já se anteciparam. A Meta começou, na semana passada, a remover utilizadores australianos com menos de 16 anos do Instagram, Facebook e Threads. Um porta-voz citado pela BBC admitiu que “o cumprimento da lei será um processo contínuo e complexo”. Já o Snapchat anunciou ao mesmo portal que os utilizadores passarão a poder recorrer a contas bancárias, identificações com fotografia ou selfies para confirmar a idade. Especialistas alertam, contudo, para a facilidade com que jovens podem contornar sistemas através de perfis falsos, contas partilhadas ou VPNs.Para Gustavo Jesus, legislações como a australiana podem representar um caminho para lidar com o problema, sublinhando que a supervisão ideal nem sempre é possível. “Só uma lei que proíba o acesso às redes até aos 16 anos é que permitirá essa proteção", diz o psiquiatra, que considera essencial responsabilizar as empresas também por cá.A discussão em PortugalSegundo o médico psiquiatra ouvido pelo DN, algumas decisões do governo português acerca do tema, como a proibição do uso de smartphones nas escolas públicas, colocou o debate em Portugal “alguns passos à frente”, embora a medida, ainda que relevante, não resolva tudo: “A escola não chega. Se as crianças não puderem usar o smartphone na escola, mas em casa a utilização for completamente desregrada, os efeitos continuam muito relevantes", sublinha. O especialista alerta ainda para riscos que vão desde os mecanismos de recompensa das redes sociais - que podem tornar “todo o resto da vida um aborrecimento”- até à exposição a conteúdos potencialmente danosos, incluindo padrões de autoimagem que contribuem para a diminuição da autoestima. “Por vezes, estar no ambiente da internet expõe as crianças a muito mais perigos do que andar a brincar na rua”, sintetiza o psiquiatra, defensor convicto da abordagem australiana.O governo australiano prevê rever periodicamente a lista de plataformas abrangidas, que inclui algumas das redes mais populares entre jovens portugueses - como Instagram, TikTok, Snapchat, X, YouTube ou Reddit - além de serviços de streaming como Twitch e Kick. Aplicações como YouTube Kids, Google Classroom e WhatsApp permanecem fora da proibição..Meta começou a bloquear acesso de menores de 16 às redes sociais na Austrália. A primeira peça de um “efeito dominó global”?.Dos mais influentes às mais utilizadas, veja os principais nomes e números das redes sociais em Portugal