Foram instaurados processos disciplinares a 188 polícias e militares da PSP e GNR relacionados com processos de crimes graves (moldura penal superior a 3 anos), numa década. De acordo com dados oficiais facultados ao DN, entre 2014 e 2023 foram expulsos, por esse motivo, 64 destes elementos. Mas 122 ainda estão ao serviço destas forças de segurança (dois passaram à reserva). Na GNR, neste período de tempo, “foram condenados por crimes graves 74 militares, sendo que, destes, 43 ainda se encontram em serviço, 29 militares foram expulsos e 2 transitaram para a reserva ou reforma. No total, a Guarda revela que numa década “verificou-se a condenação, por crimes em geral, de 377 militares, sendo que 271 ainda exercem funções na GNR e as penas aplicadas foram suspensão agravada, suspensão, repreensão escrita agravada e repreensão escrita”. A PSP admite que não lhe é “possível indicar quantos polícias foram efetivamente condenados em processo-crime”. No entanto, diz o porta-voz da direção nacional, “dos processos disciplinares que tiveram associado um processo-crime com moldura superior a 3 anos, foram instaurados 114 processos disciplinares. Desses, foram aplicadas penas disciplinares de cariz expulsivo a 35 polícias”. Neste espaço temporal, “registaram-se ainda 491 processos disciplinares que tiveram associado processo-crime em geral, cujas sanções foram: aposentação compulsiva - 22; demissão - 45; suspensão - 154; multa - 235; repreensão - 35”.A GNR não indicou os principais crimes em causa, mas a PSP partilhou essa informação: “tendo presente a limitação referida, no mesmo período, os cinco principais crimes a que os polícias estiveram sujeitos, não necessariamente pela ordem indicada, foram: crimes contra a honra; crimes contra a integridade física; crimes contra a propriedade; crimes contra a liberdade pessoal; violência doméstica”.A PJ, por sua vez, aumentou a pressão sobre os seus inspetores, mas todos os que cometeram crimes graves estão fora de funções (ver texto mais abaixo).Ministra está a avaliarPerante estes números, a ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, ainda não se pronunciou, remetendo para breve uma reação, que não foi possível dentro do prazo pretendido pelo DN. “A Sra.Ministra está a avaliar com toda a ponderação as questões colocadas”, respondeu fonte oficial do seu gabinete quando questionado, nomeadamente, se o facto de a existência de condenações por crimes graves ser causa de inaptidão para ingressar nas polícias, não devia também valer para a sua permanência e qual era a sua ponderação sobre o que deveria e poderia ser feito, Recorde-se que, entre polícias condenados por crimes graves que se mantiveram ao serviço, estão três dos oito membros da PSP condenados, no caso Cova da Moura, em 2017, por crimes como sequestro, ofensas à integridade físicas qualificadas, falsificação de documentos, denúncia caluniosa e injúrias, com condenações entre cinco e três anos e nove meses.Sobre esta matéria, quando Maria Lúcia Amaral era Provedora de Justiça, foi este organismo instado pelas seis vítimas a “desenvolver ações” junto da PSP e da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) visando impedir que polícias que “torturaram” pessoas não pudessem manter-se ao serviço.Demorou quase dois anos para que tivessem uma resposta ao apelo, que chegou com a assinatura do Provedor-Adjunto Ravi Afonso Pereira - o mesmo que nesta semana assinava o parecer com críticas às revistas na operação policial da PSP no Martim Moniz - mas esta não correspondeu à apreensão das vítimas, concluindo que IGAI e PSP cumpriram o seu dever. Salientando “a cooperação devida das entidades visadas” e “atendendo à fundamentação jurídica prestada aos pedidos de esclarecimentos” considerou “concluída” a sua “intervenção no caso”.Em fevereiro passado, veio a público outro exemplo: cinco polícias condenados há quase 10 anos num caso investigado pela PSP que envolveu tráfico de droga e posse de arma mantêm-se em funções na PSP. O processo disciplinar interno ainda decorria, estando na fase de defesa dos agentes. As detenções aconteceram em 2011, a decisão da Justiça chegou em 2016. No processo ficaram provados crimes de tráfico de droga, posse de arma proibida e um episódio de coação agravada. Entre os cinco polícias condenados, um deles oficial, o castigo mais pesado foi uma pena suspensa de 5 anos de cadeia para dois elementos que chegaram a estar, durante o processo, um ano e quatro meses em prisão preventiva. No julgamento, grande parte da prova apresentada acabou por ser invalida, tendo as escutas sido consideradas ilegais.A maioria dos crimes que o Ministério Público tentou provar caíram: corrupção, extorsão, peculato e um esquema de segurança privada ilegal - que, segundo a acusação, dominaria espaços noturnos no Estoril ligados à prostituição.A PSP sublinha que “em todos este processos disciplinares foi exarado despacho de acusação para aposentação compulsiva ou demissão” e que “neste momento decorre a fase de defesa, com diligências solicitadas pelos arguidos, não sendo previsível o seu desfecho”. Relativamente ao oficial “o mesmo foi punido com uma pena de suspensão de 180 dias, encontrando-se neste momento na pré-aposentação” e todos os outros polícias “já cumpriram medidas cautelares de suspensão preventiva de funções, que variaram entre 343 dias a 2961 dias”.GNR admite revisão do regime disciplinarA lei parece clara quanto à indesejabilidade de admitir, ou manter ao serviço, polícias condenados por crimes graves. O Código Penal prevê, no seu artigo 66.º (”Proibição do exercício de função”), para o funcionário “que, no exercício da atividade para que foi eleito ou nomeado ou por causa dessa atividade, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos” a proibição “do exercício daquelas funções por um período de 2 a 8 anos quando o facto for praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes” e/ou “implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.”Quer o regulamento disciplinar da PSP quer o da GNR estabelecem como “infração muito grave”, suscetível de “inviabilizar a relação funcional” - ou seja, podendo implicar expulsão ou demissão - “praticar, no exercício de funções ou fora delas, crime doloso, punível com pena de prisão superior a três anos”.A ideia de uma expulsão automática a polícias que cometam crimes graves divide juristas, como o DN já noticiou em 2022. Nesse artigo citava-se um acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte sobre um agente da PSP condenado a quatro anos de prisão efetiva por crimes de ofensa à integridade física qualificada, coação grave e abuso de poder, que procurava suspender o efeito da pena disciplinar de demissão que lhe foi aplicada.“É grave e concreto o prejuízo para o interesse público da manutenção ao serviço de um agente da PSP que foi condenado em processo-crime, com sentença transitada em julgado, por crimes graves. (…)”Para além de que acarretaria a descredibilização da PSP e o risco para a manutenção da disciplina na corporação”, concluiu o magistrado, que negou a pretensão do agente, dando razão ao indeferimento do ministério da Administração Interna, cujo entendimento tinha sido o de que manter o agente ao serviço da corporação “constituiria um grave prejuízo para o interesse público, porque poderia inculcar no espírito dos cidadãos a ideia de que a Administração Pública não censura o abuso de poder já punido criminalmente”,Questionados sobre se, perante a realidade aqui exposta, ponderaram tomar alguma iniciativa, como a alteração do regime disciplinar, a GNR admite uma revisão, a PSP, para já, não vê motivo. “O Regime Disciplinar da GNR, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 01 de setembro, foi objeto de alteração pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto. Tendo decorrido cerca de uma década desde a última revisão, neste momento está a ser ponderada a necessidade de efetuar nova revisão do respetivo diploma legal”, declara o porta-voz do comando-geral. “O estatuto disciplinar dos polícias da PSP é uma realidade que pressupõe um acompanhamento dos tempos e das solicitações de caráter interno e externo, nomeadamente solicitações que venham a provar que este regulamento não é adequado às exigências modernas. Já teve algumas alterações bem como atualizações, não havendo atualmente, e no imediato, motivos suficientemente fundados que determinem alguma alteração deste regime em vigor. Se essa circunstância se vier a verificar então haverá, com certeza o acompanhamento devido com vista à sua alteração”, responde o porta-voz da direção nacional.PJ aumenta pressão sobre inspetoresCinco funcionários da Polícia Judiciária (PJ) foram condenados, por sentença transitada em julgado, em 10 anos (2014 - 2023). Todos estão foram da PJ: “quatro foram demitidos por aplicação da sanção disciplinar mais gravosa de demissão”, o quarto estava reformado. De acordo com dados oficiais desta polícia de investigação criminal, dois foram inspetores em funções (um condenado a 5 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de corrupção passiva; outro a 4 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de peculato), outro aposentado (condenado a 3 anos e 3 meses de prisão, pelo crime de burla qualificada). . Foram ainda alvo de expulsão um especialista auxiliar (condenado a 4 anos de prisão, pelos crimes de peculato e acesso ilegítimo agravado) e um especialista adjunto (condenado a 6 anos de prisão, por crime de violência doméstica e crime de abuso sexual de criança).Além dos casos anteriores, foram condenados mais três trabalhadores da PJ, por crimes menos graves: um especialista auxiliar, a 2 anos e 2 meses de prisão, pelo crime de acesso ilegítimo e violação de segredo; um segurança, a10 meses de prisão, pelos crimes de furto e de burla informática; e outro inspetor, a 1 ano e 6 meses de prisão, pelo crime de ofensa à integridade física. Á especialista auxiliar foi aplicada a sanção disciplinar de demissão e aos restantes a suspensão do exercício de funções. A PJ destaca como principais crimes, pelos quais inspetores e outros trabalhadores da PJ foram condenados, os seguintes: corrupção passiva, peculato, burla qualificada, crime de violência doméstica e crime de abuso sexual de crianças.No total, entre 2014 e 2023 foram instaurados 78 processos disciplinares a funcionários da PJ com a categoria de inspetores, 6 a inspetores-chefe e 1 processo, em 2015, a um inspetor coordenador superior.Fonte oficial da direção nacional assinala que “com base nos dados apresentados, pode concluir-se que, ao longo dos últimos anos (excluindo o ano de 2024), houve uma redução geral no número de processos instaurados”. No entanto, salienta, “ao analisar os números em detalhe, observa-se um aumento proporcional nos processos de natureza disciplinar a inspetores em particular”. É assim que, em 2014 dos 105 processos instaurados, 39 foram disciplinares (dos quais 2 inspetores-chefe e 10 inspetores); em 2015 houve 71 processos, 15 disciplinares (dos quais 1 coordenador superior e 7 inspetores); em 2016 em 88 processos, 25 foram disciplinares (dos quais 4 a inspetores e 2 a inspetores chefe); em 2017 foram 95 os processos, 29 deles disciplinares (6 a inspetores); em 2018 essa relação foi de 35 para 13 (9 a inspetores e 2 a inspetores chefe); em 2019 foi de 48 para 23 processos disciplinares (dos quais 2 a inspetores); em 2020 de 38 para 18 (5 a inspetores); em 2021 de 38 processos para 20 (9 a inspetores); em 2022 de 35 para 25 processos disciplinares (12 a Inspetores); e em 2023 de 30 para 27 (14 inspetores)Ou seja, enquanto que em 2014 a carreira dos inspetores era visada cerca de um terço dos processos disciplinares na PJ, a partir daí, há vários anos (2015, 2018, 2021, 2022 e 2023) em que praticamente metade dos processos disciplinares tiveram inspetores como visados..Agentes da PSP, de 25 e 26 anos, detidos por suspeitas do crime de tortura a toxicodependentes