O PSD vai assumir o Governo com uma lista longa de desafios na área da imigração: extensa como a fila de processos na Agência para as Migrações, Integração e Asilo (AIMA), uma das primeiras questões a serem enfrentadas. O partido liderado por Luís Montenegro votou contra a extinção do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a criação do atual órgão. No programa eleitoral para as legislativas manteve as críticas à medida. “A decisão de extinguir o SEF foi desastrosa e dividi-lo por cinco entidades agrava o problema, que muitas vezes ocorre em Portugal, de serviços que não comunicam, nem partilham informação nem cooperam”, lê-se no documento com as propostas da então Aliança Democrática (AD) para o ato eleitor de 10 de março que o partido ganhou..Agora, Luís Montenegro e os ministros que escolher, terão a responsabilidade de dar as diretivas de trabalho à agência que contestavam e que ainda está em fase de arranque e definição de procedimentos. Ao mesmo tempo, o Governo toma posse numa altura em que a AIMA é alvo de uma série de críticas, como a demora na entrega da renovação de documentos, os vários problemas que envolvem os títulos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a falta de vagas para atendimento dos imigrantes e a dificuldade que utentes e profissionais do setor encontram para contactar a agência..Todos estes motivos já levaram os cidadãos estrangeiros a organizarem manifestações em Lisboa, Porto e Portimão, além de petições com milhares de assinaturas. O Portal da Queixa também já recebeu centenas de reclamações relativas ao serviço da AIMA. Os imigrantes enfrentam a incerteza de como proceder em relação à renovação dos documentos e a solicitação de serviços, como o reagrupamento familiar - disponível apenas para uma faixa restrita de imigrantes..Quanto à CPLP, caberá ao novo Governo definir como será feita a renovação dos documentos, enquanto decorre a instauração de um procedimento de infração da Comissão Europeia sobre os moldes do título. Mais do que o mecanismo de tornar válido os títulos já caducados, o novo Executivo terá de definir a própria continuidade prática destes vistos - atualmente estão suspensos no sistema da AIMA a regularização dos direitos dos imigrantes, o direito a reagrupamento familiar e de circular no Espaço Schengen, situações de que os portadores do documento estão, atualmente impedidos de usufruir..30 de junho, uma data limite.O Governo de Luís Montenegro terá aproximadamente três meses para resolver a pendência das renovações de residência, válidas até 30 de junho, via decreto. Desde a pandemia de covid-19 que os socialistas prorrogaram a medida, com a justificação da situação pandémica ou a própria transição de serviços. Agora, se o novo primeiro-ministro não conseguir oferecer aos imigrantes uma forma de continuarem no país dentro da lei, a saída será determinar, novamente, que os títulos de residência ficam válidos por mais um período..Caso isso aconteça, os imigrantes vão continuar a enfrentar uma série de problemas, já que a validade via decreto é válida somente dentro do território nacional. Com isso, os profissionais enfrentam problemas, como já foi revelado pelo DN em algumas reportagens e também na página 11. Ainda em relação aos documentos, Montenegro terá o desafio de reforçar a rede consular pelo mundo, essencial para que os postos deem vazão ao número de pedidos de visto no país de origem..Entendimentos ou não.Além das questões práticas que envolvem o dia a dia dos estrangeiros que já vivem em Portugal, o PSD terá de decidir se continua com a atual política migratória do país. No Programa de Governo que foi a votos, defende uma mudança de cenário. “Adotar o princípio de que ‘somos um País de portas abertas à imigração, mas não de portas escancaradas’, materializado em objetivos quantitativos para a imigração, ponderando a dimensão da segurança, priorizando em termos de qualificações e evitando a exploração por redes ilegais e criminosas”, lê-se no documento..Sem uma maioria absoluta e prevendo-se um Governo instável - a julgar pelo primeiro dia na Assembleia da República -, Montenegro terá de recorrer a entendimentos à direita ou à esquerda para promover mudanças na lei. À direita, o Chega, com 50 deputados, possui propostas bastante definidas e divergentes do PSD, como a revogação do título CPLP e um período de cinco anos de contribuição para ter direito a apoios sociais - medida considerada inconstitucional por alguns profissionais da área. À esquerda, partidos como PS, Bloco de Esquerda e PCP defendem manter a atual política que permite a entrada dos imigrantes sem Visto de Residência, como a regularização através da Manifestação de Interesse..Ao panorama geral, somam-se o combate à xenofobia, principalmente contra imigrantes hindustânicos - alvo de um protesto nacionalista em fevereiro -, reforçar o ensino de língua portuguesa e aumentar as ações de integração. O combate ao tráfico de seres humanos e a exploração de trabalhadores imigrantes são outros desafios do novo Governo, que prometeu “garantir uma política de imigração regulada e que assegure que os imigrantes em Portugal tenham os seus direitos fundamentais respeitados e promovidos”..Além do preconceito, os cidadãos estrangeiros enfrentam problemas comuns aos cidadãos portugueses, como a crise na habitação, falta de médicos de família, e dificuldade em obter vagas nas creches. O futuro de pelo menos 700 mil pessoas, de variadas nacionalidades, idades e profissões depende de quais as medidas que serão decididas pelo novo Governo..amanda.lima@globalmediagroup.pt