O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) lançou um concurso extraordinário para as escolas onde a falta de professores é maior, localizadas no Sul do país. Cerca de 1000 docentes efetivaram, mas em algumas disciplinas, os novos professores colocados não são profissionalizados e muitos nunca deram aulas. É o caso das disciplinas de Matemática, de 3.º ciclo e Secundário. Dos 80 docentes vinculados, mais de metade não tem habilitação para a docência (47). Na disciplina de Português/História (2.º ciclo) a diferença é ainda maior. Dos 51 novos professores de quadro, 40 não têm profissionalização. Geografia também só conseguiu 13 professores com habilitação para a docência, num total de 62 efetivos neste concurso extraordinário. Para lecionar História, metade dos professores não tem qualificações (dos 48 colocados, 24 não são profissionalizados). Nas línguas estrangeiras também efetivaram muitos professores sem habilitações para dar aulas. No que se refere à disciplina de inglês (3.º ciclo e Secundário), dos 49 efetivos, 26 não tem profissionalização. Em Espanhol, dos 16 colocados, 10 ainda não têm curso para dar aulas. Dos 927 colocados no concurso extraordinário, 402 não têm qualificações para o ensino. .Davide Martins, especialista em estatística de Educação e colaborador do blogue ArLindo (dedicado à Educação), não se mostra surpreendido com o aumento do número de professores sem habilitações colocados nas escolas. “É aquilo que já se percebe nas Reservas de Recrutamento. Os grupos onde há maior dificuldade em colocar professores são os que vão absorver mais docentes sem habilitação. São colocados professores com a chamada habilitação própria [licenciados em cursos que não são de ensino, docentes ainda sem a licenciatura completa ou estudantes de Ensino Superior]. Não me lembro de algo semelhante no passado. Era difícil conseguir vincular e mais ainda sem profissionalização ou tempo de serviço”, explica..O especialista alerta para os riscos da colocação de docentes sem formação na área pedagógica. “Vincular assim é tentar resolver o problema com um salto de fé. É resolver um problema para tapar um buraco, sem perceber as consequências. Se não é necessária a componente pedagógica, tenho a certeza que isso desvaloriza a formação dos professores”, sustenta. Davide Martins diz entender a necessidade de resolver a “dramática” falta de professores em Portugal, mas pede outras soluções: “Ter alunos sem professor é dramático, mas resolver assim a questão é uma forma de desvalorizar a própria carreira. Deveria investir-se na carreira, atrair jovens, aumentar as vagas na universidade e apostar na formação necessária para se dar aulas”. O professor questiona as consequências da colocação cada vez maior de docentes sem habilitação. “Tenta-se resolver um problema estatístico, mas não se resolve o problema de fundo. A que custo? O que é que, efetivamente, fica de positivo para estes alunos?”, questiona..“Estamos a voltar aos anos 80 ou 90 e não correu muito bem nessa altura”.Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), entende a necessidade do MECI em tentar “de tudo” para resolver “a escassez de professores que reina a Sul e que vai atingir o resto do país em breve”. Contudo, lamenta o retrocesso “aos anos 80 ou 90, altura em que muitos docentes exerciam a profissão sem habilitações para a docência”. “Não correu bem nessa altura”, sublinha. O responsável acredita não ser positivo para o sistema educativo a cada vez maior colocação de docentes com “habilitação suficiente ou própria”. “Um professor devidamente qualificado para o exercício da profissão é muito diferente para melhor do que um docente com habilitação suficiente ou incompleta. Não é bom. É negativo. Temos de perceber que estamos a viver um momento excecional e isso obriga-nos a recuar décadas, o que é lamentável. São práticas que não funcionaram bem e são do século passado”, sustenta..Filinto Lima alerta ainda para o acréscimo de trabalho que a colocação de professores sem habilitação e/ou sem experiência vai acarretar para os professores “seniores”. “Na educação, a experiência é muito importante, mas também só se ganha começando a trabalhar. Não quero dizer que esses professores não vão servir bem, mas gostava que tivessem, antes de efetivar, algum contacto profissional com as escolas. Pede-se às escolas que esses professores sejam acompanhados por colegas seniores e, por isso, vai haver aqui um trabalho acrescido para os acompanhar, mesmo que o MECI não diga nada sobre isso”, explica. Esse “esforço redobrado”, diz, vai somar-se ao trabalho já excessivo que os professores têm atualmente.